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Francisco Beltrão
domingo, 01 de junho de 2025

Edição 8.216

31/05/2025

Maria Norma Rambo Zanatta: Rapidez em aprender e ensinar

Ela foi uma das “alemoas” mais cobiçadas de Treze Tílias (SC), muitos queriam casar com ela. Filha de professor, aos 4 anos já sabia ler. Quando foi professora, lá e também em Francisco Beltrão, orgulhava-se da rapidez com que seus alunos também aprendiam. Aos 90 anos, residindo no centro da cidade, ainda é cumprimentada por seus ex-alunos.

Dona Maria Norma Rambo Zanatta no dia desta entrevista.

Aos 89 anos, ela reside no Edifício Ilha do Mel, no Centro de Francisco Beltrão, junto com o marido Egídio. Quase diariamente, recebe visita dos filhos Celso, que é médico, e Miriam, fisioterapeuta.
Alguém lembrou que dona Norma, como é mais conhecida, é daquelas pessoas precoces, tanto intelectual como fisicamente. Aos 4 anos ela já sabia ler e escrever. E aos 12 anos já tinha a altura de hoje, um metro e 72 centímetros.
O que ela revelou na entrevista é que, além de aprender fácil, seus alunos também aprendiam rápido.
Nasceu em 12 de abril de 1930, é a terceira dos quatro filhos de Fredolino e Olívia Ender Rambo: Celma, Edgar (pai da Syrlei da CDL de Beltrão), Maria Norma e Lúcia.

O seu pai foi professor, mas antes disso ele foi seminarista?
Maria Norma – Por 14 anos. Foi lá que ele aprendeu. A gente criou também uma menina, porque ele foi criado por uma prima dele. A mãe dele morreu quando ele tinha 6 meses e uma irmã dele também morreu quando ela era pequena. Ele dizia assim: “O que foi feito por mim, eu vou ter que fazer por outra pessoa”. Daí queriam jogar aquela menina num curral de porcos. Minha mãe não queria, mas ele me disse assim: “Você vai, a mulher desce por lá ou vem por aqui, e vai dizer pra ela que traga a criança. Nós achava que era um guri. Ela trouxe e agora tá doentinha, coitada, mas é pretinha e criamos ela. Tudo que ela ganhou, nós ganhamos também, quando o pai e a mãe morreram. Foi criada e foi bem mais na aula do que nós; fala alemão, português, tudo.

Quando a senhora começou a ir na aula, já…
Eu não sei quando eu comecei a aprender as coisas. Aquilo foi uma coisa tão engraçada, que foi na minha cabeça, mas que eu não marquei.

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Quando a senhora foi pra aula, já sabia ler e escrever?
Sim! Escrevia. Com 4 anos. Um dia, quando o pai me deu essas contas que eram escritas assim, como que diziam? “Tem duas galinhas, tira uma, fica com quantas?”. Dessas… eram escritas… hoje em dia nem sabem mais fazer isso. Eu fiz a conta e deu certo, e ele me juntou junto com os outros; eu sabia que nem os outros também sabiam, às vezes até mais que muitos.

Tinha até que série?
Até a quarta. Só que ele me fez fazer duas vezes o quarto ano, porque eu era muito nova. Depois, transferiram ele de lá pro colégio das irmãs, e ele me fez fazer mais dois anos nesse colégio, lá em Treze Tílias (SC), porque eu tinha 10 anos, não podia… daí, ele tinha a ocasião pra mandar em todos nós. Ele não queria que nós faltasse um dia de aula, de jeito nenhum.

E lá começou o ginásio?
É, mas também tinha, eles diziam na época, quinta e sexta. E não tinha mais também. As freiras queriam me levar pra Blumenau, pra me internar e estudar lá; minha irmã também queria ir, só que ele deixava ela ir, mas eu não. Ele era muito agarrado comigo. Eu não ia e disse pro pai: “Se a Lúcia vai, eu também vou”. Daí nenhuma foi. Mas tudo bem, tamos vivendo bem.

A sua mãe não era professora?
Não. Ela era… como que eu explico isso? Que nem aquelas pessoas que são da roça e vão na aula até que podem, se não podem mais, se tem trigo pra colher, vai colher trigo, se tem isso, tem aquilo. Minha mãe era desse jeito, mas meu pai… lia um livro em alemão por semana, e um em português. Ele lia aquele trecho e chamava ela de Oli, e o nome dela era Olívia: “Ontem eu parei aqui”, então contava o que leu pra ela. E na semana seguinte, português. Ela sabia tudo que ele lia. Eles tomavam chimarrão e ele contando pra ela. Todos nós fomos criados pelo que ele sabia, ele ensinava.

A senhora foi professora em Santa Catarina?
Sim. Deixa eu te contar uma coisa bem interessante: esses dias, aqui, mora dois homens. Daí o pai fez eu dar aula, vinha sempre um inspetor escolar lá, e ele via que a gente, a Lúcia minha irmã, era bem inteligente. O Edgar quando foi fazer a prova pra trabalhar no DER, o engenheiro falou pra ele que duvidava que o Edgar não tivesse faculdade, porque ele fez a prova e fez tudo certinho, erro de português nenhum. Ele disse: “não, eu não tenho (faculdade), só as aulas com o meu pai”. É verdade, não teve mesmo.

Rambo é de origem alemã. Por isso que seu pai lia em alemão?
Ele lia em alemão, e a Preta teve que aprender também. E lia em português; naquele tempo, na escolinha, nós tínhamos uma biblioteca. Era no interior de Treze Tílias. Depois nós moramos na cidade, ele dava aula na cidade, depois quando nós fomos na aula lá. Depois eu fui professora, vê só, uma criança professora. Faltava uma freira e elas conheciam a gente, e daí “você vai dar aula lá, até que eu melhorar”. Ela ia pra São Paulo, a irmã Castir. E eu de que jeito vou dar aula? Esses tempos atrás quando eu fui operada do coração, disse que contaram pra um aluno, mas eu nem sabia que eles moravam aqui, que eu tava tudo torta, andando de cadeira de rodas, daí ele procurou onde que a gente morava e veio aqui me ver.

Foi seu aluno?
Foi. Ele veio aqui me ver, a Marlene já tava aqui e ele disse: “Eu vim ver minha professora, ela está aonde?” “Ela tá ali pra dentro.” A Marlene veio me chamar e quando ele me viu: “Meu Deus do céu, me disseram que ela tava tudo torta, andava de cadeira de rodas, mas ela tá bem bonita ainda”. Dias depois, aquele um que veio aqui, eu encontrei na igreja. Eu não prestei atenção, não vi nada, mas ele me viu e veio me cumprimentar e nós ficamos conversando um pouco. E o outro, dali dois dias, veio me ver aqui, ele mora na Cango, veio aqui me ver e a gente ficou conversando bastante tempo. Ele tinha medo do elevador e a Marlene teve que descer com ele e disse pra ela: “Mas ela tá bem bonita ainda, mas se você visse quando ela era nova, era linda, linda, linda”. Meu Deus do céu, achei a coisa mais engraçada.
A senhora era disputada pelos moços de Treze Tílias?
Ah, isso sim, sempre me aconteceu, mas foi bom que eu escolhi um.

Teve muitos namorados antes de chegar no Egídio.
Tive uma porção. Pretendentes também.

Como era naquele tempo o namoro?
Ah, com o pai que eu tinha, ele não deixava a gente ir pro baile com meu irmão. Ele e a mãe iam junto e dançavam também. E eles não deixavam porque depois vão ver, era eu e a Lúcia, vão ver esses dois estranhos ali e vão pedir de quem pertence. Daí o Edgar vai atrás das namoradas, e vocês tão lá jogadas. E ele não queria, acho que tinha ciúmes, porque não queria muito que a gente fosse pra lá e pra cá. Era sempre acompanhada. E foi bom, nenhum deixou rabo pra pisar em cima.

E o seu Egídio, como a senhora conheceu ele?
Foi lá em Treze Tílias. Trabalhava numa loja e eu passava, quando ia no mercado, alguma coisa pra lá. Ele tinha um amigo, um tal de Max, que só falava bobagem. Mas, eu descia assim, a loja era lá em baixo e o Max pra fora, na porta, ele gritava depois que eu passava um pouco “Norma, Norma, o Zanatta disse que vai casar com você”. “Diga pra aquele piá que vai se criar”. E isso foi tempo, tempo, tempo. Tinha um outro, um tal de João que queria de toda maneira me namorar e o Egídio tava aqui e eu lá, vê se eu ia ficar em casa, não dançar e me divertir, ele se divertia aqui e eu me divertia lá. Tinha um escultor que queria de todo jeito me namorar, e o pai não, olha, me reúne pros outros, dizia pra gente. Daí dez dias antes de eu casar, ele veio lá em casa. Meu irmão trabalhava de sapateiro, e ele morava bem na frente, decerto me viu e ele foi lá em casa e me disse: “Eu vim fazer uma proposta pra você”. “Ué, proposta pra mim?” Eu gostava dele, ele era um cara bem bacana, mas não de eu namorar ele, isso não, mas pra amigo eu gostava dele, era um cara educado, bonito. Daí eu disse: “Que proposta você veio fazer?” Pensei que tivesse algum bailinho por ali. Ele disse: “Eu quero que você vá comigo, hoje à noite, pra São Paulo, e nós vamos casar lá e ficar lá”. Falei “você tá louco? Falta dez dias pra mim casar”. Essa coisa ali era muito feia, como é que eu ia enfrentar meu pai? Eu disse pra ele. Mas ele disse: “Bem, mas eu ia falar com teu pai antes”. Tinha essas coisas, essas propostas, mas eu tinha sorte porque não acreditava nessas coisas. Porque isso, porque aquilo, porque aquele outro. Eu não, dançava com todo mundo, me divertia, ia pra casa com o pai e com a mãe, todos nós fomos assim.

E o que o seu Egídio tinha de especial, que cativou a senhora?
Bom, aquilo foi muito engraçado, tanto que tinha uma amiga minha que queria namorar ele. Num domingo de tardezinho, nós sempre se reunia, e ela ficou, eu não vou falar quem é porque ela mora aqui perto e ainda é bem minha amiga. Nós tínhamos um baile lá em Ibicaré, onde hoje mora a minha irmã. Ela disse: “Não adianta nós ir lá pra Ibicaré, no baile, dançar com o Zanatta”. Porque ele era bem vestido, muitas gostavam dele. E eu disse brincando, nem pensando que isso poderia acontecer, porque eu tinha um namorado lá e eu queria deixar dele fazia algum tempo, mas não tinha jeito, daí eu disse pra minha amiga: “Eu vou dançar com ele esta noite”. “Não, mas ele tem a namorada dele lá, a Vilma.” “Não, mas eu vou dançar com ele esta noite, você vai só ver”. Quando eu cheguei, já nem me lembrava mais disso. Nós fomos no baile e, lá por umas tantas, ele veio dançar comigo, e o outro lá gritando, brigando em alemão e o meu irmão disse: “Fique quieto, porque não vamos querer briga aqui; alguém vai contar o que você tá dizendo, eu não vou contar”. Eu disse “mas alguém vai contar”. Ele era alemão também. Sei que o Egídio disse pra mim: “Se você tá cansada, a gente pode parar”. E os outro tavam com o ônibus pra ir embora, e ele não me largava, o Egídio. E o outro brigando porque queria que eu fosse com ele embora. Daí o Edgar veio, pegou no meu braço e disse que era pra ir pro ônibus, porque tava todo mundo esperando e eu ali parecendo que não queria ir embora. Daí eu fui e o Egídio veio junto comigo, sentou do meu lado e o outro tava atrás. Olha, hoje em dia eu penso que não devia ter feito isso, mas eu não dava bola pra nada. Ele era gente boa também. Mas dava na telha e pronto. (segue dia 28)

 

 

A senhora voltou a lecionar aqui em Beltrão?
Maria Norma – É, porque tinha uma mulher de um promotor, ela ia ter filho e tinha que ir pra Curitiba, daí não sei quem falou pra ela que eu sabia escrever. Aí ela veio atrás de mim ali naquela casinha, morava minha vizinha, e insistiu, insistiu até que uma hora o Egídio me disse “mas pegue e tenta ver o que você pode fazer”. Eu fiquei seis meses dando aula. Um aluno meu foi o Expedito Betiato, e outro que eu me lembro que era o Ataides Freire, esse sempre me chamava de professora. Daí eles traziam o Celso, o Celso nasceu e eles me levavam ali no Suplicy, pra mamar e pra casa. Aí eu fiquei, eles aprenderam ligeiro mesmo, que até a diretora achou que eu ensinei muito bem essa gente.

Assim como a senhora aprendeu fácil, tinha a capacidade de ensinar também?
Eu não sei… Pra eu ser professora não, porque eles queriam que eu ficasse ali.

Os seus alunos aprenderam fácil?
Os alunos sim, os mais pequenos e os mais grandes também. Eu inventei de fazer uma casinha lá em cima, escada aqui e escada ali. Eu escrevia uma letra em cada degrau da escada, trazia dois (alunos) ali e dizia: “Quem sobe e desce antes me dizendo as letras, vai ganhar um lápis”. Aí eles faziam uma força que num instante eles aprenderam a ler. Depois eu fazia palavra e depois fazia umas duas ou três linhas, pra eles aprenderem, e aprenderam ligeiro a ler.

Fazia uma escada subindo com letras e outra descendo. E cada um começava de um lado?
Não, um começa aqui e o outro aqui, na mesma hora. Quem chegava antes lá em cima e descia dizendo as letras, e que ganhava o lápis.

Subir por uma escada e descer pela outra?
É. Mas ganha um lápis. Era uma casinha feita de giz. E na escada eu escrevia as letras

Fazia uma competição entre os alunos?
É, eles subiam e desciam. Um dia pego ali e outro dia pego outros, e assim eu fiz.

A senhora que comprava o lápis pra dar pra eles?
Eu não sei, eu acho que era o Scalco que dava isso pra nós. Tinha aquela Clara Mezone, aquela também dava aula, depois do que eu. Mas aí eu não quis mais, eu queria cuidar do Celso também.

E as crianças gostavam da competição?
E como gostam. Tinha o Ataídes, ele já tinha uns 14 anos, ele não sabia uma tabuada, ele não sabia ditado, eles não sabiam nem o que era aquilo, o Expedito Betiato também, com ele o seu Ataídes ainda falava, isso é verdade. E o Ataídes morreu, tinha um ali na Vila Nova, mas não sei que fim levou aquele lá também. Depois eu sentia até, eles até me diziam pra mim “por que não ficou dando aula, professora?” Eu era meio criança também, eu brincava com eles.

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