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Francisco Beltrão
quarta-feira, 04 de junho de 2025

Edição 8.219

05/06/2025

Milton Lindner: Motorista e beltronense desde antes da 1ª festa

Fundador da Guarda São Cristóvão, participou desde a primeira das 50 festas de colonos e motoristas já realizadas em Francisco Beltrão. Pioneiro do município, chegou, do Rio Grande do Sul, ainda moço e a Vila Marrecas nem era município, no início dos anos 50. Como motorista, dirigiu caminhões de todos os tipos e encarou também todos os tipos de estradas, em suas andanças por todo o Brasil. Pegou estradas de chão que exigiam correntes em dias de chuva, buracos de terra e de asfalto; viagens curtas e longas; num período de seis anos levava carga viva (suínos) pro Rio de Janeiro, tempo que chegava a ficar duas noites sem dormir, tocando direto, e sozinho, o caminhão. Depois voltava com um saco de dinheiro na carroceria e não era assaltado.
Milton Lindner é gaúcho de Ijuí. Primeiro dos quatro filhos de Guilherme e Ana Bartuchus Lindner, nasceu em 2 de agosto de 1931 (depois dele nasceram Elzira e as gêmeas Leni e Leci (esposa do deputado federal Nelson Meurer).
Milton foi o primeiro a se estabelecer em Beltrão. Em 1956, trouxe os pais e as três irmãs, que casaram e continuam residindo na cidade. O pai era agricultor no Rio Grande e aqui também. Suinocultor, seu Guilherme, o “Fata”, foi um dos grandes castradores. Castrava porcos e tudo que era animal. Faleceu com 88 anos. E a mãe, Ana, chegou aos 90.
Do Rio Grande, Milton também trouxe a noiva, Irma Betcker, a mãe de seus dois filhos, Elson Flávio (casado com Margit Markus, um filho, Milton Flávio Lindner) e Élcio Ari (casado com Iva Maria, quatro filhos – Ana Carolina, Ana Maria e as gêmeas Ana Clara e Ricardo; da Ana Carolina veio a bisneta Valentina, nascida nos Estados Unidos, hoje residindo na Argentina).
Irma faleceu nova e desde 1989 Milton vive com a segunda esposa, Sueli Santini Galina, que também é viúva (de Vilson José Galina).
Em sua casa, na Cango, acompanhado da esposa Sueli e do neto Milton Flávio, Milton Lindner recebeu o Jornal de Beltrão quarta-feira desta semana para a seguinte entrevista:

JdeB – Como foi sua primeira viagem para o Paraná?
Milton – Quando voltei do Exército, o meu patrão falou que era pra eu trazer a mudança do meu tio Guilherme Comander aqui pro Paraná e eu fiquei meio assombrado porque eu só conhecia lá no Rio Grande, e vim trazer até Pato Branco. Era um caminhão Dodge, novo, cinco marchas, naquele tempo era novidade. Demorei uns três ou quatro dias, porque tinha que passar tudo que era balsa, o rio Uruguai, o Chapecó, Chapecózinho, tudo balsa, e demorava muito, tinha que entrar na fila. Daí eu cheguei, quiseram que eu voltasse com madeira, e eu não consegui madeira em Pato Branco, aí me disseram que era pra mim…

JdeB – Que madeira procurava?
Milton – Pinhos, de pinheiro, aí me disseram que em Marmeleiro tinha, na Dambros e Piva. Me atendeu o seo Telmo Müller, e tinha ali o Assis Bandeira também, mas era um rapaz bem novo. E tinha que tirar a guia da madeira, o Telmo Müller disse “vamos conhecer mais um patrimônio?” “É longe?” “Não, é pertinho, dez quilômetros.” Aí viemos tirar a guia aqui e eu fui ver e tavam trabalhando num armazém grande, fui ver, eram conhecidos meus, daí eles falaram “vem embora que você chega e já tá trabalhando”.

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JdeB – E que armazém era esse?
Milton – Ajuricaba, hoje é Moinho Ajuricaba, naquele tempo era Cerealista. E aí eu cheguei, carreguei e fui pra lá e no prazo de mais ou menos um mês eu vim pra cá, já era noivo, aí eu voltei (em 1956), comprei uma chacrinha e fui buscar o pai e a mãe e os irmãos…

JdeB – Trouxe a família toda?
Milton – Trouxe a família toda, com mudança e tudo.
JdeB – O seu pai era agricultor lá e aqui ele veio fazer o quê?
Milton – Trabalhar na colônia também. No sítio onde que hoje é ali de baixo da rua União da Vitória até lá em cima do mato lá do Dr. Walter que chama. Comprei por 100 mil réis na época. E daí o pai veio pra cá, e o pai trabalhava na… trabalhava capando animais.

JdeB – Foi o famoso capador de porco.
Milton – É ele não tinha o que não capasse, gato, cachorro, tudo, tudo o que era animal ele capava. E daí eu foi trabalhando com caminhão até… Deus o Livre! Era sofrido na época! Aí comecei a puxar porco pro Rio de Janeiro, de uma época a diante, mais tarde, puxava porco daqui pro Rio de Janeiro, Angra dos Reis lá, levava porco.

JdeB – Levava quantas horas daqui até lá?
Milton – Era 48 horas. Direto, não podia parar. Sozinho. Eu e o Plácido Guancino, em dois caminhões.

JdeB – Aguentava 48 horas?
Milton – Aguentava. Tinha que aguentar. Direto. A gente parava só às vezes quando o tempo tava muito ruim, eu saía encorrentado daqui e a gente descarregava em Ponta Grossa e fica um dia ou dois lá pra descansar os porco, carregava de novo e ia embora. E quando o tempo tava bom e achava que dava tocava direto.

JdeB – O senhor ia por Ponta Grossa e pegava asfalto onde?
Milton – Lá em Cutia, estado de São Paulo. Tinha trechos cascalhados. Tinha banhado grande, do tempo do banhado grande. Eita que ali era fogo! Se passasse o banhado grande subia, descia pela Serra da Ribeira, ali onde o Camilotti tem agora a firma dele: Pedra Preta. Era sofrido!

JdeB – Quebrava o caminhão?
Milton – Ih, quantas vezes! Descarreguei uma carga de porco na frente da igreja, da Matriz, em Beltrão. O caminhão atolou, mas enterrou assim. Toquei os porco a pé até na Cerealista, onde é agora a garagem do Guancino, ali tinha um chiqueirão.

JdeB – Então o senhor também tropeou porco aqui?!
Milton – Ixe! Eu e o Florindo Penso trouxemos uma tropa grande de porco. Ali de Jaracatiá.

JdeB – E naquelas viagens pra São Paulo também acontecia de atolar o caminhão? 
Milton – As vezes num tal de banhado, ali em Itararé, por ali. Mas era mais difícil enterrar o caminhão. Aí era acorrentado, todas as rodas encorrentados, na tração quatro correntes e uma na dianteira lado direito pra não derrapar quando ia de um lado pro outro.

JdeB – O senhor ia passar duas noites sem dormir?
Milton – Duas noites e um dia.

JdeB – E depois que chegava lá?
Milton – Chegava lá, descarregava os porco e tinha que lavar porque naquele tempo não podia vir embora com o caminhão sujo. Aí mandava lavar. Uma vez acho que eu e o Plácido dormimos 24 horas sem acordar. Ah, era sofrido! Naquele tempo já tomava um rebitezinho, quando não dava.

JdeB – E perdia muito porco na viagem?
Milton – Olha, às vezes acontecia. Numa viagem morreu 16 porcos. Na base, carregava 40 porco, morreu 16.  É que ele bateu, passaram em dois em cima duma ponte em Itararé, passaram em cima da ponte assim, e cortaram o canto da carroceria, matou tudo os porco. O outro caminhão estava carregado de geladeira, nenhum tombou, mas foi uma coisa de loco. Aí eu fui até São Paulo descarreguei e voltei carregar os porco dele pra levar pra São Paulo.

JdeB – E acontecia de morrer porco, porque ficavam 48 horas sem comer?
Milton – Não, não. Nós usava muito vinagre e vinho quando o porco estava bem “esbufado” assim dava uma cheringada, dava uma cheringa de taquara, e dava uma cheringada de vinagre de vinho no fucinho do bicho, e ele renovava.

JdeB –  E chegava de uma viagem e já tinha outra?
Milton – Ah, tinha outra. Tinha outra. Até que chegava descarregava a mercadoria, e preparava a carga, porque tem que preparar a carga de porco, nós levava mais porco de roça assim, porco  forte, não porco criado a lavagem e coisa assim. Mais resistente

JdeB – Era caminhão truque?
Milton – Toco. Toco, Toco. Levava 9 mil quilos, 8 mil quilos só de porco. Não leva muito não. E aquelas carrocerias eram muito ruim, caixão fechado e hoje você puxa uma coisa e desmonta a carroceria, naquele tempo não desmontava, era inteiriça. Era muito ruim, quando morria um porco lá no meio tinha não tinha jeito de tirar. Só tirava chegando lá, e um senhor de idade, um preto com dois guris e uma carroça, tinha que pagar pra ele levar e queimar lá no mato os porco.

JdeB –  E dava prejuízo?
Milton – Sim, Ih…Oh, dava prejuízo. É não era tão fácil que nem hoje em dia. Hoje o porco tem ar condicionado no caminhão. Já viu? Ele ventila. Tem aquelas coisas que abre do lado. Como é que chama o homem que puxa esses porco ali? É porco de raça, então o porco viaja melhor que a gente! A carroceria toda feita de alumínio, leviana, fácil de manobrar, abrir, fechar.

JdeB- E a cobrança e pagamento, como era feito como?
Milton – Eu recebia na hora.

JdeB – Ah, recebia na hora. Então o senhor voltava com o caminhão cheio de dinheiro?
Milton – (risos) E tinha que trazer o dinheiro, porque não tinha banco! Enrolava num pano bem velho e sujo e jogava atrás dentro da carroceria e ia embora. Quem é que ia pegar um pano bem sujo, jogava lá no canto e deixava.

JdeB – E o senhor nunca foi assaltado?
Milton – Não, graças a Deus. Nunca fui assaltado.

JdeB – Não ouvia também notícias de motorista assaltado?
Milton – Sim, Ih! Seguido, seguido. Olha, eu viajei, nem posso te dizer quanto tempo em São Paulo, só que usava um dinheirinho no bolso sempre, uns 400 reais, 500, no bolso, e se me assaltasse eu dizia “olha, eu tenho esse daqui”. Mas nunca fui assaltado em São Paulo. Tem uns freguês, acho que de droga, porque ele chegava “óh motorista, fiquei sem óleo”, batia na porta do caminhão, “me arruma uns 10 pila, uns 20 pila pra botar um óleo que fiquei sem óleo. Daí eu só abria o vidro assim, dava o dinheiro pra ele, e pronto, ia embora.

JdeB – E na prestação de contas não dava bronca dessas despesas?
Milton – Não, não, o que acontecia na estrada a gente tinha que acertar. Outra coisa a gente as vezes ia com o porco e a firma queria açúcar, então a gente vinha a Sorocaba e carregava o caminhão de açúcar, em bolsa ou em pacote, trazia refinado, bastante açúcar nós trazia de Sorocaba.

JdeB – Levar feijão era melhor do que levar porco?
Milton – Ah, era bem melhor, vixe! Depois que passou pro feijão, já na época mesmo de porco, quando era muito quente a gente levava o feijão.

JdeB – Aí pousava na estrada?
Milton – Pousava, pousava, mas era um sacrifício porque a gente tinha que passar por dentro da cidade. Não tinha estrada geral, tinha que ir pela estrada velha e passar tudo que é cidadezinha. A gente às vezes dormia dentro do caminhão, em muito lugar tinha hotel, daí dormia na cama, ou dormia no caminhão. Eu gostava  muito de dormir na rede, deitava debaixo do caminhão. Levava rede ou acolchoado ou travesseiro, porque se ficasse na estrada, e a cabine era pequenininha.

JdeB – E qual que era melhor caminhão, o F8 ou o Alfa Romeu?
Milton – Em números o Alfa Romeu, a óleo, era bem mais barato que a gasolina e maior. Já era trucado. E andava bem, andava bem. Na descida largava na banguela, daí desandava que é um (risos).

JdeB – E o senhor chegou a se envolver em algum acidente?
Milton – Dois acidentes com morte. Um foi em Guarapuava, uma senhora, fila de caminhão encostado assim dos dois lados da pista, entrou correndo na pista, na minha frente, bati nela, bateu naquele emblema do Mercedes, ela bateu com a cabeça, morreu na hora. O outro foi em Curitiba, um bicicleteiro, na minha frente assim, agarrado na carroceria de outro caminhão, no meio da carroceria, fazendo musculatura, era corredor de bicicleta, e ia correr não sei se é Maringá, não sei aonde que ele ia correr, e na quinta-feira ele foi fazer musculatura agarrado atrás da carroceria. Oitenta por hora e tinha um buraco na pista bem fundo, devia ter uns 30 centímetro de fundura, no meio da pista, e ele entrou com a rodada e saiu com a bicicleta voando. Eu passei por cima né, mas eu não consegui, mas graças a Deus não pegou nenhuma roda, mas ele ficou sem roupa nenhuma, ele saiu que nem um sabugo rolando assim, a velocidade né, calcula de sessenta por hora cair de cima de uma bicicleta, coisa de loco. E eu fui julgado, até foi a dona Conchita Antoniolo, foi a juíza que me julgou, mas fui absolvido na hora.

JdeB – Seu Milton e a festa, como é que começou a Festa dos Colonos e Motoristas em Beltrão?
Milton – A Festa era lá em cima, na verdade eu não sou católico, sou Luterano e quando eu cheguei aqui a turma “vamos fazer uma capelinha”, motorista antigo. “Vamos”. “Então você vai organizar. Então inventamos, um deu tijolo, outro deu a mão de obra, o seo Guerino Fabris deu o terreno em cima, mas era aquelas capelinha de beira da estrada, bem pequenininha. Depois fizemos ela maior e depois foi feito dois andares como ela tá aí agora. Naquele tempo era brabo, tudo chão, não tinha asfalto, não tinha nada e nem paralelepípedo, quer dizer, chão liso mesmo, aí quando chovia não tinha festa.

JdeB – E aí todo ano passaram a organizar?
Milton – Sim, sim, todo ano. Sempre tendo festa, desde a primeira festa, sempre no dia 25,

JdeB – E aquele ano que teve confusão?
Milton – É a primeira ou a segunda, não me recordo bem. Era o… como é que ia fazer, tinha que ter segurança. Aí organizamos dois policial pra cuidar, mas deu um rolo lá e a polícia bateu na negrada aí e vieram, não apaziguaram não, chegaram e desceram o cacete, até o presidente entrou nessa, que era o seu Bordum. Ele chegou e “pare, o que que é isso?” e levou. Parece-me que foi o segundo ano. Daí nós resolvemos nós mesmo cuidar e “vamos organizar!”. O Gabardo ainda deu um baita apoio pra nós. Ele deu o boné dele pra mim trabalhar. Eu trabalhei com o boné do Gabardo nas primeiras. E o Sabiá. Eu e o Sabiá fomos os primeiros. Domingos Mazon.

JdeB – Foi quando começou a Guarda São Cristóvão?
Milton – É, foi quando começou a guarda, eu e o Domingos Mazon. O Irineu Montemezzo deu um macacão verde pra nós. – (fala com a esposa). A festa começou antes, a guarda começou depois. Duas festas foram feitas sem a guarda. 

JdeB – E já tinha bênção dos carros?
Milton – Sim, sim, tinha. Depois começou a entrar gente e daí mudamos de farda já umas duas três vezes. Não tenho bem certeza, mas acho que da turma velha só eu ainda que resta.

JdeB – Tinha alguma promoção?
Milton – Tinha, tinha promoção, tinha rifa. O falecido Gabardo tocava o bingo, ele tocava um bingo, ele sempre era bingueiro. A gente achava o domingo mais próximo do dia 25.

JdeB – Pro senhor, qual foi a época melhor pra essa festa?
Milton – Ah, é agora, porque agora todo mundo compreende, todo mundo entende, sabe o que que é. Porque antigamente você sabe como que era, a turma ia na festa com o revólver na cinta, era muito perigoso. A gente tinha que ter muito cuidado pra falar com as pessoas, ajeitar, acalmar. Deu muita encrenquinha de bate boca. Mas depois que formamos a guarda, tinha o sinal de apito, apito de alarme, chegava, tava discutindo, um pegava um, outro pegava outro e “que que é isso, vocês são amigos e tal, vamos conversar”, e separava eles, acabava a briga, não deixava mais eles chegar perto um do outro.

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