A família Steinmetz, da qual descende o monsenhor Geremias, migrou da Alemanha para o Brasil em 1846. O destino foi a cidade de Feliz, no Rio Grande do Sul, depois Santa Emília e Cerro Largo, onde nasceu Carlos Nicolau que casou com Ana Maria Biiger e teve 11 filhos.
Ao mudar do Rio Grande do Sul para o Paraná, já haviam nascido quatro filhos – Célia Maria, Germano André, Ângelo Emílio e Jaime Inácio. E dona Ana estava grávida de mais um. A chegada em Sede Ouro, Sulina – que naquele tempo pertencia a Chopinzinho -, ocorreu em 18 de julho de 1964 e dia 26 de fevereiro de 1965 nascia o quinto filho, Geremias. Em Sede Ouro nasceram os outros seis: Susana Maria, Daniel Luiz, Juarez Carlos, Êthel Regina, Raquel Cristina e Isabel Carina.
Geremias é o único com apenas um nome e é o mais alto de todos, mede 1,90. Mas não é o único religioso, o Daniel Luiz é irmão lassalista e a irmã mais velha, Célia Maria, é religiosa das Irmãs de Santa Catarina em Alegrete (RS). Os outros todos casaram e já tiveram 24 filhos.
Geremias deixou sua família para ingressar no Seminário São João Maria Vianney, de Palmas, quando tinha 12 anos. Estudou lá até graduar-se em Filosofia, no ano de 1986. De 1987 a 1990, cursou Teologia no Itesc de Florianópolis. E cursou mestrado em Liturgia em Roma, de agosto de 1995 a fevereiro de 1998. A ordenação presbiteral ocorreu em Sulina, dia 9 de fevereiro de 1991, pelo bispo dom Agostinho José Sartori. Em seus 20 anos de padre, passou pelas paróquias Senhor Bom Jesus e N.S. Aparecida de Palmas e N.S. da Glória e Cristo Rei de Francisco Beltrão. Foi reitor do Seminário de Filosofia Bom Pastor e do Instituto Sapientia de Filosofia e também lecionou neste instituto e na Faculdade Missioneira do Paraná, em Cascavel. De agosto de 2006 até ser nomeado bispo, em março de 2011, foi vigário geral coordenador diocesano da Ação Evangelizadora da Diocese de Palmas-Francisco Beltrão.
Nesse período, na vida familiar ele perdeu um irmão, Germano André, vítima de câncer, e o pai, Carlos Nicolau (1º.9.29 a 21.1.2000) que faleceu aos 70 anos. A mãe, Ana Maria, hoje com 76 anos, continua residindo em Sulina, onde ele a visita seguidamente.
Quarta-feira desta semana, na casa do bispado, monsenhor Geremias Steinmetz (ele pronuncia Chtainmetz) recebeu o Jornal de Beltrão para uma entrevista de duas horas. Parte da conversa é o que segue.
JdeB – De onde veio sua vocação? Foi quando o senhor morava com seus pais em Sulina?
Geremias – Sim, devo dizer que a minha vocação de fato nasceu dentro da família, visto que dentro da família nós somos um grande número de religiosos hoje. Claro que, de maneira mais imediata, eu tenho um tio padre, o padre Bendelino Estanislau, que é padre jesuíta, mora hoje no Colégio Medianeira em Curitiba, e uma tia, que são ambos irmãos da mãe, que é religiosa e mora em Bagé (RS). Além disso, vários primos que a gente tinha contato, e claro que lá em casa a gente sempre tinha muito respeito pela igreja, não só pela influência da mãe, mas, de modo especial, pela influência do pai, porque foi um homem de comunidade, sempre esteve ligado à comunidade. Quando não era vice-presidente, era secretário ou conselheiro, mas sempre estava junto. E a mamãe sempre trabalhando na catequese. A mãe foi catequista talvez durante 30 anos na nossa comunidade aqui em Sulina. Inclusive foi minha catequista de primeira comunhão. Então, a vocação foi crescendo por ali, assim como a gente foi entrando, estudando, fazendo o primário, essa vocação foi surgindo muito devagar. Mas quando tinha completado o quarto ano primário, eu lembro que comentei com o pai que eu queria ser padre. Se ele perguntou ou foi uma coisa mais espontânea da minha parte, enfim, o pai disse então vamos logo. Já na quarta-feira seguinte iria ter missa na comunidade, vamos falar com o pároco, o vigário, como diziam naquele tempo. E de fato o padre Raimundo Francener, hoje falecido, era pároco em São João, nos visitou e o pai comentou com ele que tinha um filho que queria ir para o seminário. Mas eu tinha 11 anos, era muito cedo, bastante cedo, mas, curiosamente, não houve nenhuma objeção por parte dos padres e o padre Raimundo logo telefonou para o seminário e já veio de lá com a lista do que tinha que levar, com o número da roupa, algumas coisas bem curiosas assim. E foi assim, em dois meses eu me preparei e no dia 26 de fevereiro, no meu aniversário em 1977, eu fui para o seminário. E aí começou.
JdeB – Qual foi a maior crise que o senhor enfrentou, ou não teve crise, foi sempre crescendo essa sua vocação?
Geremias – Bom, eu não poderia dizer que não tive crises. Mas eu sempre fui muito firme, muito decidido naquilo que queria. Eu nunca tive uma crise que eu dissesse vou embora, eu não quero ser padre. Eu tinha crises, mas eu sempre tinha a clareza, vamos dizer assim, de que eu queria ser padre, que eu ia trabalhar para sair da crise para continuar a minha caminhada. Assim foi na escola, assim foi no seminário, com as crises normais, às vezes problemas de uma certa rebeldia. Mas a minha intenção sempre era sair da crise para poder continuar. Porque como é que eu iria dizer se eu tinha dito um dia que eu queria ser padre e, de uma hora pra outra, eu dizer que não queria. Isso era uma coisa que eu não admitia para mim mesmo. Então, eu sempre fui muito firme, mas, é claro, eu sempre tive momentos de indecisão. Se era isso que eu queria ou não, se eu tinha qualidades para continuar, para ser padre. Essas coisas eu procurava esclarecer com os diretores espirituais, com os reitores, por exemplo o padre Raimundo, que foi uma pessoa que me ajudou muito. No final do processo de formação, já estava na teologia, alguém que me ajudou muito foi este que agora está sendo ordenado bispo comigo, o padre Agenor. Ele era padre novo e a gente se conhece desde 85, 86, por aí. Ele me ajudou bastante também a esclarecer algumas coisas. Foi assim essa caminhada, depois foi tudo normal, nunca tive problemas com o estudo, sempre ia bem. Na faculdade, por exemplo, dependência é uma coisa impensável, nunca tive. E depois o processo para ser padre também foi tranquilo, os escrutínios. Eu tinha muito bom relacionamento, trabalhava com juventude, com catequistas, com ministros pelas paróquias por aí. Os padres sempre precisavam dos seminaristas nas férias. Então foi assim desde muito cedo, me engajei cedo no trabalho de evangelização, de formação, de modos que eu posso dizer que eu começei a ser padre muito tempo antes de ser padre.
JdeB – E em termos de oração, que tipo de resultado o senhor percebeu também para superar essas crises?
Geremias – Bem, eu vejo a oração sempre de maneira muito prática no sentido de que a gente tem que sempre pedir a luz do Espírito Santo para iluminar as nossas crises, os nossos problemas. Eu nunca tive dúvida dessa presença de Deus, dessa presença de espírito, dessa presença também sempre iluminadora de Nossa Senhora para a gente poder continuar a caminhada. Penso que, no nosso relacionamento com Deus, a gente tem que se colocar à disposição. A partir do momento em que a gente se coloca à disposição, a presença dele é garantida. Os problemas normalmente vêm quando a gente começa a duvidar do bem que a gente faz quando nos colocamos à disposição. Porque, mesmo nas crises enquanto padre, ou mesmo enquanto seminarista, a minha oração foi sempre uma oração, digamos, prática. Eu rezava pela manhã, rezava pela noite, mas sabia que durante o dia essa oração, esse pedido meu, ele tinha que se transformar numa atitude durante o dia, numa prática durante o dia. Enquanto padre, eu rezo de manhã, mas durante o dia, se eu não for, se eu não procurar ser um bom padre, de nada adianta essa oração, e, certamente, enquanto seminarista também. Nesse contato, vamos dizer assim, eu sempre tive muita clareza, nunca tive muitos percalços que pudessem me dizer que eu talvez não pudesse continuar.
JdeB – O senhor se propôs a ser padre o resto da vida, mas agora se torna bispo. Como padre, o senhor conseguiu se realizar?
Geremias – É claro que agora vou assumir essa missão de ser bispo, mas eu continuo sendo padre e, graças a Deus, nunca deixarei de ser padre. Acho que tem que ser assim. Não vou pensar que, agora ordenado bispo, sou mais do que era antes. Eu fui escolhido por um processo longo para ser alguém que acompanha os padres no trabalho da evangelização, e, quem sabe, tenha uma responsabilidade maior sobre o trabalho da igreja nesse sentido. Como padre, eu sou muito realizado, graças a Deus. Logo nos primeiros anos eu trabalhei em Palmas como vigário paroquial quando o pároco era o padre Mário Venturin, que foi meu primeiro reitor no seminário e depois foi o primeiro padre que me acompanhou nesse início. Desse tempo eu trago muitas amizades de pessoas que batizei, que celebrei o casamento, a primeira comunhão, de famílias inteiras que hoje estão se alegrando com a minha ordenação. Foi um período muito rico. Depois, dom Agostinho pediu que eu fosse pároco do Lagoão. O trabalho na Paróquia Nossa Senhora Aparecida era muito mais intenso, as dificuldades eram muito maiores porque as comunidades são muito distantes, algumas a 90 quilômetros da matriz. Muitas vezes eu saía na quarta-feira pela manhã e ia rezando missa. Pernoitava e voltava na quinta-feira. Na sexta-feira, mais três missas e assim por diante. Era muito puxado. A dificuldade econômica daquela paróquia também era muito grande. Eu tinha um fusca 83, que queimava mais óleo que gasolina, mas foi um período em que eu aprendi, mais que qualquer coisa, a conviver com um povo que precisava muito da orientação da igreja, da orientação de um padre. Não que eu queira me valorizar com isso, mas lá trabalhei vários meses sem receber salário, então, você precisa ser muito decidido na sua vocação para superar tudo isso. Em seguida, com a ajuda do dom Agostinho e outros colegas padres, igualmente muito solidários, a situação foi melhorando. Desse período, também conservo várias amizades de jovens, crianças, idosos, de famílias inteiras. Saí da paróquia em agosto de 1995 e fui para Roma, estudar. Fiquei dois anos e meio sem vir pra casa, sem ver alguém da família, tendo contato apenas por telefone e cartas. Fiz um mestrado em liturgia e, quando voltei, no dia 10 de março de 1998, vim para Francisco Beltrão, onde permaneço até hoje. Aqui, trabalhei em vários lugares: na Concatedral, na Cango, por três anos e meio, e um período muito rico da minha história foi o do trabalho no seminário.
Em 2002 comecei como reitor e diretor do Seminário de Filosofia e do Instituto Sapientia de Filosofia. Foi um começo bastante duro, que me exigiu muito. Mas foi um período em que eu cresci muito e comecei a ter um contato maior com os bispos da nossa região. Na época, a região ainda era servida pelos eméritos, como nosso dom Agostinho, o dom Lúcio, em Cascavel, o dom Giovani, em Guarapuava, o dom Olívio, já falecido, em Foz do Iguaçu, e o início do dom Laurindo, hoje também emérito. Foi um período de muito diálogo. Fazíamos reuniões com os bispos pra tratar as questões do seminário, do instituto e para pensarmos não só para o próximo mês, mas a longo prazo. Esse período me enriqueceu muito, pois a minha influência, como padre, se estendeu não só à Diocese de Palmas-Francisco Beltrão, pois tínhamos alunos dessas outras dioceses.
A mãe viajou com o filho sem saber que ele já era bispo
Jdeb – Como foi o primeiro contato, quem foi que o procurou para contar que seria ordenado bispo?
Geremias – O contato foi feito, em primeiro lugar, pelo próprio núncio apostólico, dom Lorenço Baldissieri, que telefonou me convidando para ir a Brasília, porque ele tinha uma notícia boa pra mim. Eu talvez até desconfiasse do que poderia ser. Em todo o caso, me organizei e no dia 21 de dezembro viajei. Lá, conversei com o núncio apostólico e assim, sem muitas delongas, ele revelou que eu já havia sido nomeado bispo da diocese de Paranavaí.
JdeB – O que ele apresentou para o senhor?
Geremias – Ele leu uma carta para mim, dizendo que o santo padre Bento XVI me havia nomeado para a diocese de Paranavaí.
JdeB – O Papa nomeou o senhor antes do senhor ficar sabendo?
Geremias – Antes de eu ficar sabendo. Eu fui consultado, claro, se eu aceitaria ser bispo de Paranavaí, mas, enfim, a nomeação já estava feita. Eu poderia até dizer não, mas nessas alturas a gente pensa “até que ponto a gente tem direito de dizer não?”. Depois de tantas pessoas consultadas, pessoas que me conhecem, que trabalham comigo. A reação foi como se o chão sumisse debaixo dos meus pés. Até eu me recompor, e o núncio ali, simplesmente sentado, tentando me dar algum apoio.
JdeB – Qual foi a primeira pessoa que o senhor comunicou?
Geremias – Pedi licença ao núncio para sair e poder conversar com alguém. Citei que gostaria de falar com o dom José e com o dom Agostinho. Depois da conversa, voltei e acabei dizendo sim, no dia 24 de dezembro.
JdeB – O núncio não pediu uma resposta imediata?
Geremia – Na hora, não. O núncio nem exigiu isso. Ele disse “você tem um tempo para pensar, mas não pode ser um tempo muito longo”. Eu entendi que deveria responder dentro de alguns dias.
JdeB – E a sua mãe, quando ficou sabendo?
Geremias – Só no dia 5 de janeiro.
JdeB – Não podia falar pra ela antes?
Geremias – Não, não. É um processo sigiloso. Tanto que eu passei o ano novo viajando com minha mãe pelo Rio Grande do Sul.
JdeB – Ela viajou com um filho bispo e não sabia?
Geremias – Não sabia. De vez em quando eu recebia uma ou outra ligação e ela até reclamava: “Mas não vão te deixar descansar?”. Aí no dia 5, nós já estávamos em casa, pela manhã, antes de dom José ir para a rádio anunciar a minha nomeação, ele mesmo ligou para a minha mãe e conversou com ela, comunicando. Logo em seguida eu tentei falar com ela, porque eu não consegui falar. Absolutamente não consegui falar.
JdeB – E ela, o que disse?
Geremias – Minha mãe é muito firme, a pessoa que me deu tudo na vida, não é? Então ela consegue dizer o que ela quer. Ela simplesmente falou: “olha… (pausa, Geremias se emociona) …vá em frente. (pausa) No que nós pudermos te ajudar, nós vamos te ajudar”. (pausa)
JdeB – Só faltou seu pai?
Geremias – É… (pausa) o pai e o mano (pausa). Aí então a família começou a ficar sabendo. No mesmo dia os irmãos ficaram sabendo. Alguns souberam pela imprensa, amigos de todo o Brasil começaram a ligar, do exterior também. Movimenta muito a vida da gente.