Francisco Beltrão e Dois Vizinhos já possuem mussalas, que servem para oração, reflexão e estudos.

em Francisco Beltrão.
Cresceu nos últimos anos o número de mulçumanos que procuram o Brasil como destino para fugir dos conflitos de seus países de origem. Só no Sudoeste do Paraná são cerca de 200 imigrantes que moram e trabalham na região. Dois Vizinhos tem a maior concentração, com aproximadamente 130 mulçumanos – Francisco Beltrão tem 70.
Eles fogem da fome, de perseguições políticas e guerras. Desembarcam no Brasil em virtude das oportunidades de trabalho oferecidas pelas empresas certificadoras de abate halal, que ocorre em frigoríficos que exportam para países do Oriente Médio. Alguns se casam, constituem família e tiram visto para longos anos de trabalho. Mas nem todos conseguem se adaptar à cultura brasileira e acabam emigrando para outras nações da Europa ou Estados Unidos.
Aqui, reúnem-se em grupos, alugam moradias, trabalham no abate de aves e economizam para mandar dinheiro aos familiares. A desvalorização do real perante o dólar nos últimos meses passou a ser um grande problema, pois, com a moeda brasileira em baixa, é possível comprar menos dólares e o trabalho se torna pouco atrativo. A maioria entra legalmente, com visto da Polícia Federal e supervisão do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão vinculado ao Ministério da Justiça.

Segundo reportagem do jornal Gazeta do Povo, em 20 cidades paranaenses os muçulmanos estão organizados ou se organizando em torno de uma mesquita, o templo religioso propriamente dito, ou de uma mussala, uma espécie de capela. O número de espaços dedicados à devoção a Alá é uma forma de medir o crescimento e seu nível de organização. O Estado é o segundo do Brasil em templos islâmicos, depois de São Paulo, e metade foi aberta nos últimos quatro anos.
Francisco Beltrão possui uma mussala, inaugurada em 2014 em uma casa de madeira localizada na Cidade Norte, onde os seguidores do Islã se reúnem toda sexta-feira, dia sagrado para a religião, por volta das 13h40, para um momento de oração. O local é frequentado por muitos imigrantes islâmicos de Bangladesh (o maior grupo), além de muçulmanos vindos da África (Congo, Gana, Marrocos, Somália) e do Paquistão, alguns poucos árabes e brasileiros convertidos ao Islã. A mussala oferece aulas de português para os imigrantes e, em breve, haverá também aulas de idioma árabe.
O bengalês Somn Miah, 30 anos, está em Francisco Beltrão há três anos e meio. Disse que gosta do trabalho e de morar no Brasil, mas sente certa discriminação das pessoas na rua e raramente consegue fazer amizade com brasileiros. Já fala e entende a maioria das palavras em português.
Para chegar ao Brasil, ele percorreu o mesmo caminho de seu conterrâneo Kawsar Hamid, 38 anos. Ambos chegaram primeiro ao Equador, passaram pelo Peru e depois vieram ao Brasil. Ficaram sabendo por amigos sobre as oportunidades no país. Eles não admitem, contudo, há casos em que os refugiados precisam pagar grandes somas para “coyotes” que os atravessam pela fronteira seca.
Somn Miah conta que veio para fugir das perseguições políticas em Bangladesh. A família lhe deu dinheiro e ele veio de navio até a América Latina. Ele mora com Kawsar em uma casa alugada e, para passar o tempo, jogam cricket (esporte semelhante ao basebol em que se usa bola e tacos) e assistem TV.

Abate halal x
exportações
Em 2014, o Brasil exportou 1,8 milhão de toneladas de aves e 318 mil toneladas de carne bovina abatidas pelo método halal. Segundo o Sindiavipar, o Paraná é o maior Estado brasileiro produtor e o primeiro no ranking de vendas externas do setor de avicultura, liderando também o abate halal de frangos. Em 2014, o Paraná ultrapassou 2,3 bilhões de dólares de faturamento com exportações de frango. O abate halal de aves, segundo os princípios islâmicos, exige, primeiramente, uma mão de obra especializada para esta atividade, ou seja, um núcleo, ainda que pequeno, de muçulmanos na cidade onde o abate se realiza.
De acordo com Imad Saleh, responsável pela empresa certificadora do abate halal na BRF de Francisco Beltrão, todo muçulmano na lei islâmica tem que comer a carne lícita, ou seja, o animal tem que ser sangrado e na hora do abate o trabalhador deve citar o nome de Deus. A frase “Bismillah Allahu Akbar”, que significa “Em nome de Deus, Deus é maior”, tem de ser invocada imediatamente antes do abate. O corte deve ser feito no formato de meia-lua para atingir traqueia, esôfago, artérias e veia jugular – com o intuito de garantir a morte rápida e indolor – e o sangramento do animal deve ser espontâneo e completo. No caso da produção avícola, a ave abatida somente poderá passar para o processo de escaldagem após confirmação da morte pelo abate halal.
Segundo Imad, o nome de Deus é citado como uma forma de agradecer pelo alimento. “Porque a gente está matando esse animal não por prazer ou diversão, mas sim para o alimento, e sangramos o animal de uma forma rápida, para que ele não sinta muita dor.” O peito do animal tem de ser direcionado para Meca. “É diferente do abate com maquinário, ele não escoa todo o sangue da carne, e pra nós, muçulmanos, é pecado ingerir alguma coisa que tenha sangue”, explica.
Imad é libanês e mora em Beltrão há dois anos. Ele veio com os pais ainda na infância para fugir da guerra. Casou com uma brasileira que era evangélica e mais tarde se converteu ao Islã. Morou em Londrina e depois no Mato Grosso, onde prestava serviço para frigoríficos. Ele emprega 44 muçulmanos. A maioria é de imigrantes refugiados. “Nós temos várias nacionalidades que vieram à procura de trabalho e geralmente eles procuram um centro islâmico.” Ismad salienta que poucos se adaptam ao país, e acabam voltando para o seu local de origem. “A cultura aqui é muito diferente e a maioria deles tem famílias lá, então eles já vêm aqui com o objetivo de tentar ganhar um dinheiro e mandar pra lá para ajudar a família.”
Um pouco
sobre o Islã
A religião do Islã é a aceitação de obediência aos ensinamentos de Deus que ele revelou ao seu último profeta, Muhammad. Os muçulmanos acreditam em um único Deus que não tem filho ou parceiro e nenhum outro tem o direito de ser adorado. O Alcorão é a fonte primária de toda a crença e prática do mulçumano. Imad destaca que a palavra Islã quer dizer paz e muçulmano significa “pessoa submissa a Deus”. “O Islã é uma religião antiga, monoteísta, vem da mesma linha que vem Jesus, Noé, Abraão, todo muçulmano, ele não é muçulmano se não crer em Jesus, nós temos essa crença em Jesus, em Maria, inclusive Jesus é citado várias vezes no nosso livro sagrado.”
Ele conta que um dos pilares do Islã é a oração. Todo muçulmano tem de fazer cinco orações obrigatórias. E na sexta-feira eles se reúnem na mussala para rezar juntos. “A gente procura uma pessoa que tenha mais sabedoria e ela guia a reza. Nós trabalhamos normal na sexta-feira, mas tem um intervalo que a gente faz para rezar.”
Os cinco pilares são: testemunhar que Deus é único, e que o profeta Muhammad é o mensageiro de Deus; fazer as cinco rezas diárias; fazer contribuição todo ano de pelo menos 0,25% de sua renda para um necessitado; jejuar no Ramadã, o mês sagrado; por último, a peregrinação a Meca – cada muçulmano que tem condições físicas e financeiras deve viajar para a Arábia Saudita, pelo menos uma vez na vida.
Terrorismo x
islamofobia
Os atos de terrorismo praticados pelo grupo jihadista Estado Islâmico (EI) têm deixado preocupada toda a comunidade mulçumana. “Isso que acontece é triste pra nós, porque nossa religião não prega a violência. Quem sofre com isso somos nós, porque é a nossa imagem que está aqui, acaba aumentando a islamofobia [sentimento de ódio e repúdio aos muçulmanos]. Eles sujam a imagem do Islã e dos mulçumanos. Tudo porque querem criar um estado deles e não querem que os governos árabes se aliem com os Estados Unidos.”
Imad critica a abordagem da mídia internacional com relação aos muçulmanos. “Quando um muçulmano mata alguém, é terrorismo, mas quando matam um muçulmano, é uma morte normal. Isso nos preocupa, porque cria a imagem de que muçulmano é terrorista e é do mal.” E afirma que o atentado contra o jornal francês Charlie Hebdo também chocou todos os muçulmanos. “Tanto é que o segurança que foi morto tentando defender os franceses era mulçumano. No Islã nenhuma pessoa tem o direito de tirar a vida de ninguém. Achamos que a charge foi desrespeitosa com a fé, a religião nossa, mas não justifica o atentado que foi cometido.”
Maior comunidade
em Dois Vizinhos
O sheik Cubilas Juma, morador em Dois Vizinhos, é um líder religioso e coordena as orações na mussala de Dois Vizinhos (denominada Mesquita da Fé) que existe desde 2010. Segundo ele, a islamofobia é maior nas grandes cidades. “Aqui nas cidades pequenas não ouvi nenhum relato pior sobre isso. Mas em RJ e SP acotecem até agressões.”
A comunidade muçulmana da cidade é composta por várias nacionalidades, dentre elas: brasileiros, palestinos, libaneses, sírios, egípcios, senegaleses, guineenses, paquistaneses e bengaleses. A maior parte trabalha nos frigoríficos da BRF na cidade, no abate de frangos. Dentro dos frigoríficos, há uma sala de orações para os muçulmanos. Com o tempo, o número de muçulmanos foi aumentando. Houve, então, a necessidade de uma mussala fora das dependências da empresa. O Centro de Divulgação do Islã para a América Latina (CDIAL) disponibilizou a inauguração da mussala, que funciona normalmente com sermões em português, todas as sextas-feiras. A média de participantes nas orações das sextas-feiras é de 30 a 40 pessoas.