Pesquisa aponta que apenas18% dos municípios do Brasil fazem coleta seletiva. No Sudoeste, são 78%.

O Brasil, com uma área de 8,5 milhões de km² e 205 milhões de habitantes, é um país de dimensões continentais. E por causa de todo esse tamanho é um dos maiores geradores de lixo no planeta. De acordo com pesquisa da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), só em 2014 o Brasil gerou 78,6 milhões de toneladas de resíduos sólidos – uma quantidade que cresce a cada ano.
A boa notícia é que parte desse lixo pode ser reciclada ou reutilizada. A má é que, entre os 5.570 municípios do Brasil, apenas 1.055 -equivalente a 18% – possuem projetos de coleta seletiva que possibilitam esse tipo de reaproveitamento.
Os dados são da pesquisa Ciclosoft 2016, divulgada este mês pela associação sem fins lucrativos Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre). O levantamento mostrou ainda que apenas 31 milhões de brasileiros – 15% da população – têm acesso à reciclagem.
A reportagem do Jornal de Beltrão aproveitou os dados para avaliar a situação do Sudoeste paranaense, e descobriu que 33 dos 42 municípios sudoestinos possuem projetos de coleta seletiva – 78% das cidades (confira o quadro).
Coleta seletiva no Sudoeste
A professora do Departamento de Engenharia Ambiental do campus de Francisco Beltrão da UTFPR, Priscila Soraia da Conceição, afirma que o trabalho de reciclagem no Sudoeste se destaca em comparação com boa parte do resto do país. Priscila é de Minas Gerais e mora em Beltrão desde 2013, “e já quando eu cheguei essa gestão de resíduos me chamou muito a atenção”, ressalta.
Segundo a professora, a realidade da separação de resíduos em outros Estados e regiões é muito diferente. E ela exemplifica falando de Francisco Beltrão, que possui toda a estrutura para recolhimento, inclusive a Associação de Catadores, que centraliza o recolhimento e a destinação dos recicláveis, e um aterro regularizado para o descarte dos resíduos não aproveitados.
Realeza é outro dos 33 municípios que trabalha com isso. Cleidson Telmo Grisa, engenheiro ambiental da Prefeitura, conta que toda a coleta e a destinação são feitas pelo município. “Aqui já existe a coleta seletiva há anos. A Prefeitura disponibiliza à população um saco de ráfia para recolher o lixo reciclável e o munícipe precisa fazer sua própria separação. O município pega isso e encaminha para a associação dos catadores, que encerra a destinação.”
Camila Machado Ciesca, bióloga que trabalha com a Secretaria de Agricultura de Ampere, relata que o município também tem esse cuidado e que existe um cronograma de recolhimento tanto na área urbana quanto na rural. Os resíduos são também encaminhados para associação de catadores. Além disso, recentemente o município implantou um saco específico para coleta dos recicláveis.
Dois Vizinhos tem cronograma definido, campanhas de conscientização para incentivar a separação e multa para os munícipes que não separarem.
E esses são só alguns exemplos entre as 33 cidades que fazem coleta na região. Mas mesmo que o Sudoeste seja destaque em todo o país, ainda existe um caminho a percorrer para que todos os 42 municípios ofereçam a separação adequada do lixo.

produtos que não podem ser reaproveitados.
O que falta é conscientização
Dos entrevistados pelo Jornal de Beltrão, todos mencionaram como tema principal para uma coleta seletiva de qualidade a conscientização do povo. A professora Priscila deixa claro que a estrutura de recolhimento é suficiente na maioria dos municípios. “O principal avanço que a gente ainda precisa fazer são algumas medidas simples e baratas. Divulgar para a população a importância e, mais do que isso, o que ela tem que fazer para separar.”
Priscila menciona ainda um estudo, realizado ano passado, que mostra que 40% do material reciclável em Beltrão é mandado para o aterro, onde não se pode aproveitá-lo. E, segundo ela, isso é falta de informação e conscientização das pessoas que não separam seu lixo.
Além disso, a professora alerta que quem recicla também precisa ter alguns cuidados. Primeiro para não mandar materiais não recicláveis, como roupas velhas, restos de comida e resíduos de banheiro. Outro cuidado é com o vidro quebrado e materiais que podem cortar ou perfurar; estes devem ser embalados e identificados para evitar acidentes com o pessoal que faz a triagem.
Priscila lembra também dos resíduos com restos de matéria orgânica, que entra em decomposição. Se for descartado, ele pode apodrecer até chegar à associação e gerar um ambiente desagradável e prejudicial à saúde. Então, uma simples lavada no objeto antes de descartá-lo para a reciclagem já melhora muito o trabalho de reaproveitamento.
Municípios com coleta seletiva no Sudoeste
Ampere, Coronel Vivida, Cruzeiro do Iguaçu, Dois Vizinhos, Eneas Marques, Mariópolis, Marmeleiro, Capanema, Chopinzinho, Clevelândia, Realeza, Renascença, Flor da Serra do Sul, Francisco Beltrão, Nova Esperança do Sudoeste, Salgado Filho, Salto do Lontra, Santa Izabel do Oeste, Santo Antônio do Sudoeste, São João, Bela Vista da Caroba, Boa Esperança do Iguaçu, Bom Jesus do Sul, Bom Sucesso do Sul, Palmas, Pato Branco, Itapejara D’Oeste, Pérola D’Oeste, Planalto, Pranchita, Saudade do Iguaçu, Sulina, Verê e Vitorino.
Associação de Catadores transforma vida de associados
Além de possibilitar o reaproveitamento dos resíduos e economia de dinheiro e recursos naturais, a reciclagem ainda funciona como um bem social. Vários dos municípios do Sudoeste que trabalham com coleta seletiva possuem uma associação de catadores – um grupo de pessoas que vive e sustenta suas famílias com o trabalho de reciclagem.
É o caso da Associação de Catadores de Papel de Francisco Beltrão (Ascapabel), que comemora 20 anos em 2016. Com apoio da Prefeitura nas gestões dos prefeitos Wilmar Reichembach (PSDB na época) e Antonio Cantelmo Neto (PMDB), a entidade passou a recolher os produtos recicláveis em praticamente todo o perímetro urbano.
Hoje, a associação tem uma sede no Bairro Luther King, com um barracão e cinco caminhões próprios, além de um ou dois que trabalham fretados pela entidade quando é necessário. E esses veículos prestam serviço o dia todo em um ritmo puxado. A associação também tem 52 funcionários cadastrados e mais aproximadamente 70 catadores de rua, que trabalham autônomos. Muitos desses fizeram a vida trabalhando com a reciclagem.
Gente como Adenilson Veloso dos Santos, que tem 40 anos e trabalha com um carrinho, coletando papelão, há quase 30. “Eu comecei a trabalhar quando era piazão, porque na época, sem estudo nem nada, não consegui nenhum outro trabalho”, conta.
Hoje Adenilson é amasiado e sua companheira não trabalha por um problema de saúde. Os dois têm duas filhas – já casadas. “E o sustento meu, da esposa e para criar e dar estudo para as filhas eu tirei tudo daqui. Tirei tudo dos papelão. Então, enquanto tiver associação, eu tô trabalhando”, garante.
Outras pessoas ainda entraram na associação muito mais tarde, mas também têm nela um elemento essencial de sua vida – como Senira Fátima Miranda. Ela trabalha há cinco anos com a triagem de resíduos e seu marido ainda coleta recicláveis com o carro de tração manual. “Para a gente com um pouco mais de idade, não é fácil pegar um serviço. Então a gente conseguiu aqui e é muito bom”, avalia.
Até o presidente da associação tem história ali dentro. Joel Francisco Rodrigues Ferreira está no cargo há dois anos, mas conta que o trajeto foi longo. “Eu catei papel na rua por cinco anos, depois virei funcionário da associação aqui e trabalhei 15 anos, passei por quase todos os setores”, relata. Ele tem esposa e duas filhas – uma de 10 e outra de 4 anos – e todo o sustento da família sai da reciclagem.
Além disso, segundo Joel, a associação poderia contratar muito mais gente, porque existe demanda para isso – o que não existe são recursos suficientes. Até pouco tempo atrás, a associação tinha 74 funcionários registrados, mas hoje tem 52. “Teve reajuste do salário deles e o preço dos materiais que a gente vende baixou, então não teve como a gente manter.”
Para ele, a associação precisa de um investimento maior para atender toda a demanda de resíduos que existe no município. Nesta semana, a entidade recebeu a confirmação de um aumento no repasse que a Prefeitura dá, que era de R$ 70 mil por mês e vai para R$ 87 mil. “Mas para dar conta, teria que ser uns R$ 100 mil.”
Ainda assim, o presidente atesta: “A Prefeitura dá um bom apoio para a gente. Tem uma conscientização pública e eles ajudam sempre na medida do possível”. Dessa maneira, a associação continua e a reciclagem transforma vidas e preserva os bens naturais da Terra, necessários para a sobrevivência da raça humana.