Quando ele chegou a Dois Vizinhos, aos 12 anos, meio de transporte era a carroça e o lombo de burro.
Natural de Sananduva (RS), veio com seu pai para montar uma serraria em Dois Vizinhos, lugar de muito pinheiro. Foi em 1951, Nadir estava com 12 anos e meio de idade. Aos 72 anos, ele participou do jantar especial realizado pela Acedv e prefeitura, no último dia 22 de julho, quando foram homenageados os 50 primeiros empresários de Dois Vizinhos. Seu pai, José Perin, é o número 6, ele obteve, da Prefeitura de Pato Branco, o alvará número 346, de 26 de maio de 1953. Nadir vive com sua família de três filhos em Capitão Leônidas Marques, mas seguido volta a Dois Vizinhos, tanto para rever amigos como para participar de feiras e leilões de gado. Naquela noite das homenagens, ele concedeu esta entrevista.
JdeB – O que uma noite como esta faz o senhor lembrar do seu tempo de Dois Vizinhos?
Nadir – Ah, faz lembrar o que nós passamos, foi muito difícil o começo da nossa vida. Entramos aí, não tinha sequer uma condução, o meio de transporte era uma carroça ou no lombo de um animal, do burro. Foi muito difícil, muito mesmo. No começo não se tinha nada, não se tinha um mercado, só tinha uns pequenos comerciozinhos, muito mal e mal. Foi uma coisa difícil. Só que os nossos antepassados foram heróis e encararam essas dificuldades todas e deixaram alguma coisa de melhor que se tinha no Sul e encararam pra fazer um futuro melhor pra família. Foi o que aconteceu, hoje eu me sinto feliz demais de estar numa festa dessas aqui e ser relembrado, pra gente é superimportante relembrar pelo menos um pouco do passado. Não é verdade?
JdeB – Lembra como foi a mudança?
Nadir – Lembro, lembro demais. Foram 22 dias que choveu no caminho, estradas difíceis, estrada de chão, até chegar com as tralhas, porque na verdade nós tivemos que descarregar no caminho e vir de carroça e assim por diante…
JdeB – Quando chegaram aí o pessoal se animou ou ficou com vontade de voltar. Como foi?
Nadir – Não. A minha mãe foi muito corajosa, demais mesmo, queria fazer alguma coisa pra família, pelos filhos. E aqui encontramos apoio dos primeiros moradores, e ali todo mundo convivia lado a lado, encarando as dificuldades. Medicina não se tinha, era muito difícil mesmo, mas todo mundo sobreviveu, da nossa família, graças a Deus, não teve problema nenhum. Pra nós foi um sucesso, hoje eu me encontro feliz e eu acho que meu pai foi um herói mesmo, demais, demais, demais. Eu acho que a vida nossa foi essa. Aqui a gente lembra dos primeiros moradores. Pra mim foi uma coisa, digamos, que passou dificuldades e hoje eu tô feliz da vida, tendo uma saúde razoável, com a idade avançada, mas tamos bem.
JdeB – Seu pai era agricultor em Sananduva. Ele montou serraria logo que chegou aqui?
Nadir – Sim. Eles já vieram pra fazer isso, eles viram pinheiros aqui e tal, daí ele, na parceria com um tio, eles colocaram essa madeireira. Foi a primeira madeireira que funcionou no município de Dois Vizinhos.
JdeB – No Rio Grande o senhor já ajudava ele?
Nadir – Já. Alguma coisa, na medida do possível, sim. Porque família pobre que não se tem nada, é difícil, né, muito difícil por sinal.
JdeB – E aqui o que o senhor fazia?
Nadir – No começo eu ajudava, mais ou menos assim, quando a serraria começou a funcionar eu comecei a ajudar. Antes de 13 anos já começamos pegar no pesado, e até hoje ainda pegamos no pesado.
JdeB – A serraria tinha muitos empregados?
Nadir – Não. Poucos, porque era uma madeireira pequena, tinha lá uns dois, três empregados e o meu pai. Meu pai era daqueles que levantava cedo mesmo e não deixava pra depois, não, e assim por diante foi a nossa vida.
JdeB – E como puxavam as toras?
Nadir – Olha, no começo puxava com tração animal e depois eles conseguiram comprar um caminhãozinho, aí nós estaleirava no mato e carregava num caminhãozinho e trazia pro pátio.
JdeB – E a madeira era vendida só aqui?
Nadir – Só. Tudo, digamos, aquilo que nós conseguíamos produzir era vendido, porque iam chegando os imigrantes e eles precisavam se colocar, precisavam construir, aquela coisa toda.
JdeB – Cortava madeira de que tamanho?
Nadir – Ah, diversos tamanhos. Só pinheiro nós tirava, só pinheiro. Aproveitava só a parte boa. Hoje se tivesse aquelas pontas de pinheiro que nós jogamos fora, provavelmente dava pra comprar umas duas, três caminhonetes muito boas.
JdeB – O seu pai comprou terra aqui?
Nadir – Comprou, sim. O primeiro loteamento, o primeiro traçado da cidade aqui foi meu pai e meu tio que fizeram. O primeiro traçado, que é onde tá a igreja matriz, pra esses lados aí e tal, eram terrenos nossos, eles pegaram um topógrafo e fizeram o primeiro traçado da cidade.
JdeB – Quando vocês chegaram, qual foi a estrada?
Nadir – Bom, quando trouxemos a mudança viemos por Beltrão, de Beltrão viemos por dentro, nós descarregamos a mudança que não conseguia passar com o caminhãozinho num rio chamado Lageado Grande (atual divisa de Dois Vizinhos com Verê), dali pra cá era só de carroça.
JdeB – Seu pai ficava com contas pra receber ou o pessoal pagava em dia?
Nadir – Não. Alguma coisa até que se perdeu, claro, isso sempre é normal, a vida é assim mesmo. Mas não tem muito o que reclamar, nós fomos sempre, digamos, com os negocinhos perfeitos, redondinhos e tal. Passamos muitos anos aqui e deixamos um passado, que nós tamos feliz da vida, nossa!
JdeB – Do que o pessoal fazia dinheiro pra comprar madeira?
Nadir -Ah, normalmente, bem no começo, o pessoal das imigrações trazia alguma coisa de fora, depois começavam mexer com alguma coisa de suinocultura, depois começou algumas lavoura de feijão e assim por diante, porque a vida é assim mesmo, né.
JdeB – Depois da serraria, o que o senhor teve aqui?
Nadir – Fizemos parceria com uma empresinha de ônibus, empresa coletiva. Em 59 nós começamos a fazer transporte coletivo de Dois Vizinhos a Pato Branco. Fazia parceria com amigos. Depois tivemos outras atividades comerciais com os irmãos Montagner e assim por diante.
JdeB – E o que o senhor lembra da revolta de 57?
Nadir – Ah, foi muito complicado. Na verdade o seguinte: houve muita confusão, porque as companhias diziam que eram donas, daí houve uma certa revolta, aquela coisa toda, mas teve algumas coisas aí de atritos entre roceiros e as companhias que se chamavam donas. E o Ney Braga acabou com tudo isso.
JdeB – O senhor estava com uns 18 anos, já era moço. Chegou a participar de algum movimento?
Nadir – Não, não cheguei a participar desse movimento, não. A gente ficava de fora, e, calma aí, a gente não serve pra isso, não.
JdeB – O que a juventude tinha de diversão aqui, naquele tempo?
Nadir – Ah, muito difícil. Tinha muito pouco, não se tinha quase nada. Faziam alguns matinês, algumas brincadeirinhas por ali e tal. A juventude se reunia… Foi uma época bastante difícil que não se tinha muito lazer, mas passou, foi uma época muito boa que a gente conheceu todo mundo aí.
JdeB – Por que seu pai mudou pra Capitão Leônidas Marques?
Nadir – Ele mudou porque nós fomos pra lá, porque nós ficamos com a firma lá quando nós dividimos com o Montagner, e daí ele morou mais uns anos aqui, depois nós levamos ele pra lá pra nós cuidar deles melhor e tal. Faleceram lá os coitados dos velhos, os dois. Ele faleceu, eu acho, com 82 anos.
JdeB – Quando o senhor chegou aqui em 52, já falavam Dois Vizinhos?
Nadir – Sim, Dois Vizinhos. O nome foi dado, segundo as informações, por causa de caçadores, tinha os rios que corriam paralelo e demoravam pra se encontrar, então eram os Dois Vizinhos. Foi essa a história.
JdeB – Naquele tempo o meio de transporte era o cavalo. O senhor teve cavalo?
Nadir – Tivemos cavalo porque não tinha outra maneira, o meio de transporte era cavalo mesmo. Era só sertão praticamente.
JdeB – Como chamavam, naquele tempo, a Cidade Norte e a Cidade Sul de hoje?
Nadir – Ah, falavam Dois Vizinhos, não falavam Cidade Sul, Cidade Norte. No começo Dois Vizinhos era Dois Vizinhos.
JdeB – E a Cidade Sul de hoje era o Jirau?
Nadir – Era o Jirau Alto, mas na verdade, enfim, era Dois Vizinhos mesmo. Fora daqui todo mundo falava Dois Vizinhos. Jirau Alto era porque falavam que era dos caçador e mudaram o jirau pra cima. Até tive a oportunidade de conhecer o jirau.
JdeB – O que era o jirau?
Nadir – Jirau era um poleiro, quando o cara vai esperar a caça. Eles fizeram meio baixo e deu problema com os bicho, aí eles aumentaram o jirau pra cima, daí a história do jirau alto. Eles subiram o jirau pra cima.
JdeB – Mas o que é um jirau?
Nadir – O jirau é que eles falam, o nome científico disso, mais ou menos é os caçadores que dão, né. É um poleiro quando o cara vai esperar o bicho, e daí sobe e faz uns amarril em alguma árvore e faz um lugarzinho pra se ajeitar em cima daquelas varas e tal, pra ficar esperando o bichinho.
JdeB – Ah, então é uma armação no meio do mato pra esperar a caça?
Nadir – Perfeitamente, daí ele fica alto, o bicho não enxerga ele. É assim o jirau alto.
JdeB – O pessoal caçava muito aqui?
Nadir – Naquele tempo sim. Vendiam muito couro de bicho aí, antigamente, imagina, meu Deus do céu! Mas isso há muitos anos, né.
JdeB – Tinha muito jirau por aí?
Nadir – Ah, não. Eu conhecia alguns. Mas a turma caçava, caçava muito. Uns caçavam com cachorro, outros na espera e tal.
JdeB – Tá certo. Mas o senhor nunca foi de caçar, sempre foi de trabalhar? (risos)
Nadir – Até hoje, inclusive (risos).
JdeB – Vocês também tiveram roça aqui?
Nadir – Não, praticamente não, pouca coisa aí. Só foi derrubada alguma coisa aqui, onde é a cidade, feito alguns traçados. Porque era tudo sertão mesmo, não tinha outra maneira.
JdeB – E a sua família, distante de médicos, teve algum problema de doença?
Nadir – Tivemos alguma coisa, sim. Teve um irmão que deu um chamado crupe, não se sabe o que que é. Não tinha, a farmácia era no lombo de um burrinho que um senhor tinha, da família Hablich. Deve ter um médico aí, inclusive, que é Hablich. Não tem um médico?
JdeB – Sim, dr. Janino Hablich?
Nadir – O vô desse médico, ele tinha uma farmácia no lombo de um burrinho. Ele morava no Pinheirinho, lá embaixo, e o Claudino Pinzon, que tá aqui, foi ele que foi buscar, à noite, esse homem. Ele veio ali e aplicou, nunca mais vou esquecer, aplicou duas injeção nas costas do meu irmãozinho, que ele tava muito atacado, no outro dia ele veio e aplicou mais duas e tal, ele escapou. Foi muito difícil, não passaria a noite, não.
JdeB – Foi o único problema que o senhor lembra, de doença?
Nadir – É, o problema mais grave que nós tivemos foi esse. Podia até ter alguma coisa, mas ia se defendendo por aí nos chá, né (risos).
JdeB – E cobra?
Nadir – Ah não, graças a Deus, nunca ninguém da nossa família foi atingido nem nada. Alguma cobra se tinha por aí, claro, imagina. Mas ninguém foi atingido nem nada.
JdeB – O senhor chegou a matar cobra?
Nadir – Ah, isso nós matamos, sim, claro, imagina (risos).
JdeB – No cacete ou na espingarda?
Nadir – Na pancada mesmo. São coisas assim na vida da gente, mas foi uma época muito boa.
JdeB – O senhor vem seguido a Dois Vizinhos?
Nadir – De vez em quando eu venho. A gente vem aí, nós participamos de alguns leilão de animais, às vezes arrematamos alguma coisa. Na verdade, de vez em quando nós viemos, sim. E temos muitos amigo aqui, nossa, um monte de amigos.
JdeB – O senhor viu Dois Vizinhos nascer. O senhor imaginava que podia se tornar uma cidade como hoje?
Nadir – Não. Lógico que quando a gente entra num sertão do jeito que nós entramos, jamais nós ia pensar nisso. Mas hoje tamos aí, até surpreso com o desenvolvimento. E, afinal, nós praticamente viemos acompanhando dia a dia isso, né. Pra nós isso foi até uma surpresa, na verdade.
JdeB – O senhor conheceu o Ari Miller?
Nadir – Nossa, demais. Eu até tava comentando com a filha dele agora, tava comentando com meu sobrinho aqui na estrada, que nós se apoiamo muito com ele, ele foi demais. O meu (falecido) pai com ele compadres e tal, Saraiva Piana, o Ari Miller, Firmino Martins. Mas o Ari Miller foi indispensável, extraordinário.
JdeB – É merecida a homenagem que ele recebeu com o nome da praça?
Nadir – Olha, nem sei disso, mas ele, se ele teve alguma homenagem foi bem merecida, com certeza e com segurança. Foi uma pessoa extraordinária, com certeza. Tinha uma família grande, enorme, mas com certeza cuidou com muito cuidado deles, sim, com certeza. Então foi uma família extraordinária pra nós, meu Deus, com meu pai. Quer dizer, os negócios pequenos, mas com muito cuidado e assim por diante, né.