Duas experiências vividas no Sudoeste, por mulheres atendidas pelo IDR-Paraná, exemplificam a luta das mulheres como empreendedoras.
Por Carla Cristina Barretta*
Apesar de muitos considerarem 8 de março uma data comemorativa como outras que foram criadas pelo comércio, o Dia Internacional da Mulher teve sua origem nos movimentos sociais, com raízes históricas que datam do início do século 20. Muito mais que homenagear, a data tem a pretensão de instigar a reflexão e a luta pela igualdade de direitos e combate à violência contra a mulher.
Apesar de alguns poucos avanços, a atuação das mulheres nas mais diversas esferas da sociedade ainda é desvalorizada. Atividades desenvolvidas por trabalhadoras são consideradas de menor valor comparadas a atividades atribuídas aos homens trabalhadores. Historicamente considerada “o sexo frágil”, a mulher ainda é submetida a condições de desrespeito, violência e exploração.
No meio rural essa realidade não é diferente. Historicamente, o papel da mulher sempre foi relegado ao cuidado com a casa e com a família. As suas atividades produtivas sempre foram desvalorizadas como “atividades secundárias” – produção para subsistência.
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Até mesmo as políticas públicas de apoio à agricultura são prioritariamente voltadas às atividades classificadas como masculinas. Porém, recentemente, tem-se observado que os empreendimentos femininos surgem como proposta para gerar renda e trabalho para todo o grupo familiar, possibilitando desenvolvimento, bem-estar e qualidade de vida. Atividades antes consideradas extensões do trabalho doméstico se apresentam como oportunidades de empreendimentos dentro da propriedade, apresentando potencial de deslocar a mulher do seu lugar submisso, inserindo-a no mundo da produção de uma forma que modifica as dinâmicas da economia familiar, incluindo aí os processos decisórios e a divisão do trabalho.
Duas experiências vividas no Sudoeste do Paraná, por mulheres atendidas pelo Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR), exemplificam um pouco a luta das mulheres para conquistar seu espaço como empreendedoras e parceiras de decisão dentro da família e de suas propriedades.

Uma delas é Rosália de Campos, 46 anos, dois filhos, viveu a dura realidade do trabalho agrícola desde criança. Casada, mora na Comunidade Santa Maria, no município de Dois Vizinhos, há 29 anos. Sempre esteve presente no trabalho do sítio junto com o esposo Valmir. Pegava na enxada, cuidava das vacas, da casa e da família. Porém, seu desejo era outro. “Era um sonho que eu tinha de fazer doces e bolos. Quando meus filhos estavam de aniversário, eu sempre fazia para eles, e era minha maior alegria. Então comecei a pensar e seu eu fizesse para vender?”
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O que hoje é o empreendimento da família, começou de forma simples, na cozinha de casa. Seus clientes eram vizinhos e amigos. A qualidade dos produtos surpreendeu, logo foram convidados para fornecer produtos para a merenda escolar, participar da feira do produtor e da Cooperativa, e o que era uma atividade secundária na propriedade foi ganhando tamanha proporção, que o esposo Walmir também abraçou a ideia. Hoje a Panificadora e Confeitaria De Campos é um sucesso. E lá se foram 13 anos. Hoje o casal tem a satisfação de ver a filha Maida, formada na faculdade e o filho Mateus, na contramão da maioria dos jovens da sua idade, apostando na propriedade. Rosália, mãe, esposa e profissional, olha com orgulho para tudo o que construiu até hoje, apesar dos desafios, através do seu trabalho.
Sonho de voltar para o campo
Já Maristela Gaio, 35 anos, moradora da Comunidade Nossa Senhora Consoladora, em São Jorge D’Oeste, trilhou um caminho um pouco diferente. Ao contrário da Rosália, foi levada para a cidade aos 9 anos. Maristela saiu do campo, mas o campo nunca saiu dela. Seu sonho sempre foi voltar para o interior: “ficar bem noninha, sentadinha na varanda, na cadeira de balanço, olhando minhas vacas de leite no pasto”.
Ao se casar, teve a oportunidade de trabalhar com o marido na propriedade dos sogros, que já estavam inseridos na produção de leite. Edilson percebeu que, mais que uma esposa, havia uma parceira para os negócios.
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O dia na propriedade começa cedo, às 4h, da manhã. Maristela conhece seus animais um a um, pelo nome. O carinho e o cuidado com que ela trata dos animais, o controle que tem de todo o processo, justificam o sucesso alcançado pelo casal. A atividade, que em décadas passadas era considerada ‘serviço de mulher’, hoje destaca a região Sudoeste, como uma das mais promissoras bacias leiteiras do Estado do Paraná.
No entanto, ainda hoje, a produtora sente na pele o preconceito com o qual as mulheres são tratadas, não só no campo, mas em toda a sociedade. “A minha maior dificuldade na atividade do leite não é só a questão do trabalho puxado, a maior dificuldade é ser aceita. Tem que estar provando que a gente é capaz”, desabafa.
Quando recebe visitas de técnicos e vendedores, não são raros aqueles que pedem para falar com o “patrão”. Embora ela tenha conhecimento suficiente para discutir questões produtivas e comerciais, “muitos acreditam que não é com a mulher que se faz negócio”, relata.
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Duas experiências de mulheres batalhadoras, que vislumbraram para si e para a família uma oportunidade de bem viver, realizando-se como pessoa e profissional. Esposos que viram a possibilidade de terem suas companheiras como parceiras de produção. Famílias onde, aos poucos, as mulheres conquistam voz.
Mais que ‘comemorar’, o Dia Internacional da Mulher, é um momento para refletir e discutir a necessidade do reconhecimento da mulher como ser humano, que merece respeito, oportunidade e dignidade. Especificamente em relação às trabalhadoras rurais, pensar uma ATER (assistência técnica) que possa romper com os estigmas de um rural dividido entre produtivo-masculino e doméstico-feminino, entendendo como a extensão rural pode colaborar para a desconstrução dessas desigualdades.
*Carla Cristina Barretta é economista doméstica do IDR Regional de Dois Vizinhos.
