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Francisco Beltrão
domingo, 25 de maio de 2025

Edição 8.211

24/05/2025

O ouro branco do campo e da indústria paranaense

A indústria de leite e derivados expandiu sua capacidade de processamento para acompanhar o aumento de produção.

 

Valdomiro Leite, um dos diretores da Latco no Paraná.

Até o final da década de 1990 era comum encontrar nas pequenas cidades do Paraná, antes de raiar o dia, a figura do ‘leiteiro’, o próprio produtor rural que acordava de madrugada, ordenhava as vacas e saía com a charrete entregar o produto para seus clientes. O leite era tirado manualmente, algumas vezes filtrado apenas por uma toalha, colocado em um balde e depois dividido em litros. Quando o consumidor acordava o leite estava ao lado de sua porta em uma garrafa e bastava ferver para o consumo.

Por muitos anos o sistema de produção, comercialização e distribuição foi esse, praticamente rústico, sem qualquer controle de qualidade ou agregação de valor. Hoje, todo leite consumido precisa passar minimamente por um processo industrial, tal como a pasteurização que visa eliminar micro-organismos patogênicos. As técnicas na propriedade mudaram, o produtor se profissionalizou e a venda dificilmente é feita direta ao consumidor. O produto é retirado com ordenhadeiras eletrônicas, armazenado em tanques de resfriamento e coletado por laticínios. A indústria cresceu, expandiu seus mercados e a cadeia produtiva se transformou numa das principais atividades econômicas do Estado. Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), são 264 laticínios no Paraná. As unidades paranaenses geram em torno de 8.800 empregos diretos.

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Consumo em alta

O leite é considerado um dos alimentos mais completos em termos de nutrientes e por isso mesmo o consumo vem crescendo. Um estudo do banco holandês Rabobank, do final de 2015, estima o consumo per capita de lácteos em 174 litros no Brasil, um crescimento de 32% se considerar o consumo de 2005 que foi de 132 litros/ leite per capta. Na esteira desse crescimento, a indústria paranaense se beneficiou, pois houve investimento na modernização de seu parque fabril, aumento do mix de produtos, tornando-se uma das mais competitivas para atender a demanda dos principais centros consumidores. O valor bruto da produção industrial (2014) dos laticínios no Brasil foi de R$ 59 bilhões e o Paraná ficou com 8,13% dessa fatia (R$ 4,8 bilhões).

 Produção

Uma das vantagens dos laticínios paranaenses é a grande produção local. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram o Paraná como segundo maior produtor de leite do País, superando o Rio Grande do Sul. Os produtores paranaenses produziram no ano passado 4,66 bilhões de litros de leite, 60 milhões de litros a mais que o estado gaúcho. O maior estado produtor é Minas Gerais, com uma produção de 9,14 bilhões de litros de leite/ano.

Valdomiro Leite, diretor da Lacto e membro do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Paraná (Sindileite), observa que a grande produção local é uma vantagem em termos de logística, porém, todas as empresas estão de olho no produto o que acirra a competitividade. A Latco é uma das empresas paranaenses que se tornou referência na indústria de derivados do leite. Fundada em 1966, na cidade de Cruzeiro do Oeste (PR), atua há 28 anos na região Sudoeste do Paraná com duas fábricas. Uma em Francisco Beltrão, onde processa cerca de 150 mil litros de leite por dia, dando origem a 12 produtos diferentes como manteiga, achocolatados, creme de leite, leite sem lactose, leite UHT, entre outros; e outra em Realeza, onde produz aproximadamente 18 toneladas de queijos/dia. Em 2015, a empresa ficou em quarto lugar no ranking das empresas que mais arrecadaram ICMS em Francisco Beltrão. Além deste importante retorno em tributos, ela gera 300 empregos diretos e mantém 1.300 produtores de leite na região que fornecem exclusivamente para suas fábricas. Juntas, as duas unidades, transformam em torno de 350 mil litros de leite/ dia. O leite em caixinha, por exemplo, é comercializado 80% no Paraná e o restante enviado a São Paulo, já o mercado para os queijos é mais amplo, atendendo todo o Sul, mais São Paulo e Rio de Janeiro. No total, a empresa tem 10 unidades instaladas em municípios do Paraná, Santa Cataria e São Paulo.

 

Empresas paranaenses aumentaram sua capacidade instalada para dar conta do aumento do consumo.

Em defesa da indústria paranaense

Atualmente a Latco consegue vender 80% de seu leite no mercado doméstico, mas só atingiu esse volume depois da mudança da legislação estadual que passou a proteger mais a indústria paranaense. Antes, menos de 50% da produção era comercializada localmente. O produto foi incluído no regime de substituição tributária, isto é, a cobrança fica concentrada na indústria e não ao longo da cadeia. Até então, a indústria paranaense levava desvantagem com os concorrentes de outros estados. Valdomiro afirma que o leite do Paraná é tributado em 18%, enquanto que o produto que vinha de outros estados era taxado em 12%. Com a alteração da lei, o leite que entra no Paraná tem a mesma incidência de ICMS (com recolhimento antecipado) que o produto paranaense, ficando em igualdade de condições. “Aí levamos vantagem na logística, porque estamos mais próximos do produtor e do consumidor.”

A nova cruzada

A nova cruzada da indústria do leite e derivados é contra a falta de regulamentação das importações do Uruguai. De tudo que o Brasil importa, 47,8% vem da Argentina, 42,7% do Uruguai, 3% dos EUA e 6,4% de outros países. As importações giram em torno de 10% da produção interna e chegam ao País em forma de leite em pó. Com a Argentina, o Brasil tem um acordo que define cotas anuais de importação. Entre 2016 e 2017, por exemplo, a previsão é de 4,3 mil toneladas de leite em pó. O acordo passou a vigorar em 2009, mas com o Uruguai não ocorre o mesmo. Valdomiro Leite afirma que o país vizinho pode exportar para o Brasil o quanto puder. “Vem muito leite em pó que é usado na fabricação de iogurtes, bolos, biscoitos, chocolates e queijos. É produção que deixa de ser feita pelas empresas brasileiras, por isso há uma pressão muito grande para criar cotas para o Uruguai também.” O Brasil é o segundo maior consumidor de leite em pó do mundo (16,1%), ficando atrás apenas da China (47,2%), conforme levantamento do Banco Bradesco.

Sudoeste do Paraná é referência em produção de leite

Para processar o leite e dar origem a seus derivados, a indústria precisa de grandes quantidades. Para fazer um quilo de queijo é necessário, no mínimo, 10 litros de leite. Embora o País não seja autossuficiente em produção, o crescimento da atividade é vertiginoso. Na região Sudoeste do Paraná, por exemplo, o leite é a principal atividade econômica em muitos municípios, garantindo renda e permanência do homem no campo. A produção regional de 2015 cresceu 2,1%, segundo dados da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (Seab), totalizando 1.188.818.000 litros (24% de tudo que o Estado produz), consolidando o Sudoeste como principal bacia leiteira do Paraná. São 345.464 vacas ordenhadas e uma média de 11,57 litros/dia por animal. Das 50.123 propriedades rurais da região, 29.941 (60%) possuem atividade leiteira.


Setor industrial consolidado

O setor industrial do Sudoeste, conforme o estudo “Panorama Industrial 2016”, da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP), detém 3,9% do PIB (Produto Interno Bruto) industrial do Estado, com 5,2% dos empregos industriais, com destaque para o setor da Alimentação. Dentro deste segmento, o setor de leite e derivados vem crescendo rapidamente. Atualmente a região conta 75 laticínios (dois estão desativados temporariamente), dos quais 38 possuem certificado de inspeção municipal (SIM), 29 certificado de inspeção federal (SIF) e oito certificado de inspeção estadual (SIP). Em 2010 eram 55 unidades, portanto, em cinco anos houve um crescimento de 36%. Diretamente são gerados mais de 1.500 empregos formais com carteira assinada.

De acordo com Valdomiro Leite, as indústrias de leite e derivados da região fizeram investimentos expressivos nos últimos anos para aumentar sua capacidade, se preparando para o crescimento da produção no campo. “A própria Latco importou equipamentos da Itália e aumentou sua capacidade de processamento em Realeza de 150 mil litros/ dia para 250 mil litros/dia.”

Na opinião dele, as indústrias do Sudoeste já suportam industrializar toda a produção regional. “Existem muitas empresas, assim como a Latco, que trabalham com parte de sua capacidade ociosa, operam com cerca de 70% a 80% de seu potencial, porque todo esse leite produzido aqui também vai para outras regiões para ser industrializado. Todas as grandes empresas do Paraná captam leite aqui.”

O executivo afirma que o leite do Sudoeste se tornou cobiçado, porque muitas indústrias não tem em suas regiões uma bacia leiteira desenvolvida e consolidada. “O lado bom disso é que o produtor tem segurança na venda, sabe que pode investir na propriedade e não terá dificuldade para escoar sua produção.”

Nem todos são grandes

O diretor do Núcleo Regional da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (Seab) de Francisco Beltrão, Neri Munaro, comenta que há muitas agroindústrias que são pequenas, tocadas pelas famílias, herança da tradição familiar. “São pequenas fábricas, que vendem apenas no município, passadas de pais pra filhos, mas que ajudam na formação da renda de muitas famílias da região.” Munaro salienta que a qualidade do queijo na região Sudoeste é muito apreciada, principalmente em mercados como o de São Paulo.

É o caso do Laticínio Alto Alegre, do município do Verê, que já tem seu padrão de qualidade aprovado para atender uma grande franquia mundial de alimentação. O diretor da indústria, Lino Zeni, disse que o segmento teve bom resultado no primeiro semestre, em virtude da falta de leite no País, depois estabilizou com a oferta em grande quantidade do produto.

O laticínio Alto Alegre começou suas atividades em 2001 transformando 713 litros de leite por dia. Mantinha quatro funcionários e produzia queijo mussarela, queijo parmesão, trançados temperados e ricota. No ano passado, foi inaugurada a nova fábrica, contando com uma área de 4 mil metros quadrados de construção, com o que há de mais moderno no setor. A empresa transforma 130 mil litros de leite/ dia e pretende chegar a 150 mil litros em 2017. Uma nova etapa do prédio administrativo também terá início. A capacidade da indústria aumentou para 200 mil litros de leite/dia. No total, são mais de 110 empregos diretos e 600 produtores de leite que fornecem para o laticínio que fabrica 12 produtos. Queijos, manteigas e natas que são comercializados nos três estados do Sul e em São Paulo.

Fábrica de leite em pó

Na opinião de Neri Munaro, para a região continuar crescendo dentro do segmento precisa pensar em uma indústria de leite em pó, porque boa parte do leite produzido na região já atende o padrão exigido. “Tem o mercado spot (comercialização entre indústrias) e muito do nosso leite bom vai embora e o de menor qualidade vem pra cá.”

“Bolha” no mercado do leite

Embora tenha um produto essencial à mesa do brasileiro, a indústria de produtos lácteos não ficou imune à crise econômica no País. O consumo caiu, os estoques aumentaram e os preços médios tiveram variações abruptas em curto espaço de tempo. Para piorar, neste ano, em virtude da sazonalidade, faltou produto no mercado brasileiro e os preços aumentaram até 60% em questão de dias. Esse efeito causou uma verdadeira “bolha” no mercado do leite.

Conforme Valdomiro, o consumo estagnou no último ano e a produção estacionou. A indústria correu atrás, incentivou e os produtores responderam, todo mundo plantou pastagens de inverno, reforçou a alimentação com ração e agora sobrou leite. “Tudo que subiu no primeiro semestre já está quase ao mesmo patamar anterior.”

A meta agora é melhorar a qualidade

Uma das queixas da indústria é com relação a qualidade. Uma das explicações técnicas diz respeito à mudança de nutrição durante o outono e primavera, época dos vazios forrageiros que provocam variação na composição dos nutrientes do leite (gordura, proteína e sólidos totais). Com a baixa ingestão de carboidratos fibrosos, cai a produção de gordura e de sólidos totais prejudicando o rendimento dos derivados do leite, como queijo, iogurte, leite condensado e leite em pó.

Outro fator é o sanitário. As propriedades da região apresentavam altos índices de Contagem Bacteriana Total (CBT) e Contagem de Células Somáticas (CCS), principalmente pela falta de boas práticas de manejo de ordenha, tetos, instalações e equipamentos mal higienizados, bem como falta de água quente, para higienização adequada. Além da presença de mastite em muitos animais, o que causa alteração na composição do leite, eleva os riscos com contaminação por antibióticos e aumenta a probabilidade de bactérias patogênicas no leite. “A qualidade ainda deixa a desejar, o grande foco não é mais volume, mas sim qualidade, principalmente para atender o padrão de exportação”, pontua Valdomiro. No entendimento dele, todos os laticínios deveriam pagar por qualidade, o que estimularia o próprio produtor a melhorar o seu leite.

A região vai em busca da qualidade que a indústria precisa

Para combater esse problema, órgãos públicos e entidades criaram o projeto Leite Sudoeste, que visa o fortalecimento da atividade leiteira. São ações desenvolvidas em parceria com entidades públicas e da iniciativa privada. Nas 294 propriedades acompanhadas desde o início do projeto, a produção de leite por vaca saltou de 10,93 litros/dia para 14,68 litros dia.

São diversas metas colocadas em prática, uma delas o controle leiteiro que iniciou em 20 propriedades e já expandiu para 55. O leite é coletado e analisado mensalmente em laboratório e os técnicos da Emater repassam informações ao produtor de onde é preciso melhorar. O engenheiro agrônomo Orley Lopes, da Emater, informa que outra preocupação é com a qualidade da água usada para higienizar equipamentos da ordenha. Em muitas propriedades as águas estão contaminadas por coliformes totais, e quando não passam por tratamento são inadequadas para limpeza de instalações, equipamentos e tetos dos animais.

 

Se caprichar, consegue melhorar

Na propriedade do produtor de leite Nelson Simplício, morador do interior de Francisco Beltrão, a primeira análise antes de entrar no programa de controle leiteiro, o exame apontava 867 mil células somáticas por mililitro de leite. Com 16 vacas em lactação, sua produção era de 14,6 litros por vaca/ dia. Depois de receber as orientações necessárias, novo exame feito em agosto deste ano apontou média de 129 mil ccs/ ml de leite.  A média de produção aumentou para 18,1 litros por vaca/dia. O zootecnista Simão Flores, da Emater, afirma que quando o ubre da vaca é curado, além de melhorar a qualidade, aumenta a produção. “Então, de um jeito ou de outro o produtor terá um ganho, por isso é importante investir na sanidade.”

 

Simplício, no trabalho em sua propriedade.

 

Simplício conta que a coleta do leite é feito duas vezes por dia, nas ordenhas da manhã e da noite, de cada animal, e manda as amostras para análise em laboratório. Segundo ele, o que mudou a qualidade de seu leite foi a ajuda da assistência técnica. “Tudo se resume à limpeza e higiene da vaca na hora da ordenha. Mas isso eu não sabia bem como cuidar, por isso a assistência foi importante.” Simplício não investiu praticamente nada, pelo contrário, até economizou o dinheiro que vivia gastando com antibióticos para o rebanho. “O laticínio ainda não paga por qualidade, mas estou cobrando. Disseram que daqui dois meses vão começar a pagar.” Simplício tem 45 anos e mora na propriedade com sua esposa, Terezinha Aparecida, 48 anos, e são os dois que tocam a produção de leite. O produtor tem pouca experiência com rebanhos, porque está na atividade há três anos e meio. “Eu sou natural aqui da comunidade, mas mudei quando mais jovem para Foz do Iguaçu, onde trabalhava como segurança. Fiquei lá por 23 anos, até conseguir juntar um dinheiro para voltar e comprar a propriedade.” O leite é a atividade exclusiva dele. Agora, depois de participar do Projeto Leite Sudoeste, decidiu implantar o sistema silvipastoril (reflorestamento consorciado com pastagens). Já está trabalhando no solo da propriedade e irá consorciar a pastagem com o plantio de eucaliptos. A ideia é aumentar o rebanho para 28 vacas.

 

 

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