16.5 C
Francisco Beltrão
segunda-feira, 23 de junho de 2025

Edição 8.230

21/06/2025

Octacílio e Assunta Ferri: Chumbo nas bichas e benzedura nas “chapinhas”

Ainda hoje, ele recebe crianças, levadas pelos pais, para tirar as bichas com chumbo derretido. E a esposa, para benzer de erisipela e “chapinha” (sapinho) das crianças. Mas Octacílio e dona Assunta têm uma história de dificuldades, ambos ficaram órfãos ainda jovens.

 

Octacílio Ferri foi sapateiro e depois agricultor, mas tornou-se mais conhecido por “chumbar bichas”. E a esposa dele, dona Assunta, benze cobreiros e sapinhos de crianças. Hoje aposentados, residem na Cango, numa vida bem tranquila, mas contam que já tiveram muita demanda. Eles também passaram dificuldades em suas vidas, ambos tornaram-se órfãos ainda jovens. 

Aposentados, Octacílio e Assunta levam uma vida tranquila em sua casa, no bairro Cango, ao lado do Rio Marrecas. Além do contato com os vizinhos e filhos, que moram perto, eles recebem, seguidamente, visitas de pessoas até desconhecidas que os procuram por indicação de alguém que já comprovou sua eficiência em ajudar os outros. Ele para matar bichas com chumbo derretido; ela para curar cobreiros.

O casal veio do Rio Grande do Sul, em 1970. Lá ele era sapateiro. Trabalharam como agricultores na Cabeceira do Rio do Mato, Francisco Beltrão, durante 32 anos, antes de se estabelecerem na Cango.
Filho de Antônio Ferri e Rosa Durante, Octacílio nasceu em Guaporé (28.7.1935). Seu avô, Celeste Ferri, casado com Pina Cecchin, imigrou da Itália.
Assunta Seganfredo é natural de Nova Bassano, que naquele tempo (7.10.1929) pertencia a Nova Prata.
Octacílio e Assunta têm cinco filhos: Marlene, Marirosa, Marisilda, Itamar e Marilda. Eles já lhes deram 13 netos e 5 bisnetos. 

- Publicidade -
Octacílio e Assunta em sua casa no dia da entrevista.

 

JdeB – No Rio Grande o senhor não tinha terra?
Octacílio Ferri –
Viemos pro Paraná, tinha o meu irmão morando aqui em Nova Concórdia, e começamos a trabalhar, criamos a família e daí comprei um pedacinho de terra, dois alqueires, mas deu pra gente se virar bem, e de lá viemos pra cá. O Itamar lutou que nós viesse pra cá porque já deu problema no coração, eu fui operado faz dezessete anos, mas estou bom, graças a Deus, estamos aqui vivendo ainda. 

O seu pai sofreu infarto, mas o senhor conseguiu contornar. 
Eu consegui contornar, mas o problema é que nós somos sedentários, um irmão meu da Concórdia, o Jacinto Ferri, também faleceu de infarto com cinquenta e um anos, e tem o João que já fez ponte de safena, o Pedro também… Agora parece que está normalizando, tudo o que tínhamos que  passar, já passamos. 

Quando o seu pai morreu que idade o senhor tinha?
Quando faleceu meu pai eu estava com vinte e quatro anos. Foi meio de repente, né. Estava bem, foi em uma festa no domingo e na segunda-feira deu um infarto, ele foi pra Passo Fundo e lá faleceu, eu já morava aqui no Paraná. Naquela época não existia aquela limpeza de coração. Eu coloquei safenas e estou bom, mas eu me cuido um pouco. 

Que sintomas o senhor sentiu?
Eu sentia muita dor no peito e nas costas e perdia os braços, daí eu fui com o doutor Clair e ele disse que era a coluna. Vim pra casa e fiquei uns sete meses. Fui com o Castelani, fui fazer esteira e não aguentei, vim pra casa, quis me dar um infarto mesmo e não me lembro mais nada. Eu fiquei no São Francisco três dias, daí teve vaga de Pato Branco, fui lá e fizeram limpeza na veia. 
E o que o senhor mudou na sua alimentação?
A única coisa é não comer carne muito gorda. E tomo meu vinho todo dia de meio-dia, a única bebida. 

E cerveja?
Cerveja, olha, em um dia de festa eu posso tomar um copo, mas eu tomo de vez em quando. Refrigerante diz que não é pra tomar, então eu não tomo. Chimarrão eu tomo. E tomo o meu remédio… depois que começa com problema de pressão alta tem que continuar com o remédio, tomo de manhã e de noite, e a pressão está boa. 

Acontece de alterar às vezes?
Olha, esses tempos antes, de fazer a safena, estava sempre onze por dezoito, dezenove por treze, e depois que fiz a safena normalizou, agora é catorze por oito, treze por oito. Lá em Pato Branco o médico me disse assim, o doutor Luiz Morone, “enxerga aquelas pessoas lá no Rio Grande que estão estourando a veia e não dá infarto naquela pessoa, o sangue é fino, eles se curam com o vinho”. Compro na colônia, mando fazer puro e tomo todo dia meu copo de vinho.

E antes já tomava vinho?
Octacílio –
Não, antes não tomava. Mas ela [Assunta] sim foi criada no meio do vinho.
Assunta – Sim, o meu pai tinha parreiral, fazia vinho, em Nova Bassano. O falecido pai dava um pouquinho de vinho pra nós todos os dias de meio-dia.

E o seu pai morreu com quantos anos?
Assunta –
Morreu com sessenta anos, acho que foi câncer.

Quando o senhor nasceu, o seu pai era agricultor?
Octacílio –
Sim, era agricultor.

E o senhor o ajudou na roça?
Sim, sim, direto, nós com oito anos tava lavrando já, tinha que ajudar em casa também. Quando a minha mãe faleceu, eu tinha dezesseis anos. A mãe tinha uma criança por ano, então nós trabalhava, eu ajudava direto o pai.

Quando o senhor estava com dezesseis anos, sua mãe já tinha quatorze filhos?
Sim, quatorze filhos. E ela morreu no parto, numa cesariana de dois gêmeos, um faleceu e o outro está vivo.

O seu pai casou de novo?
Depois de quatro anos, cinco, não me lembro bem, ele casou de novo. Pra cuidar de nós, pois não tinha jeito. Essa minha irmã mais velha, que é freira aqui em Clevelândia, deu tétano, ela ficou três dias por morta, crianças todas pequenas. Daí o pai resolveu arrumar uma companheira, aí ele teve mais dois filhos com aquela outra, era a madrinha que nós chamava. O pai era uma pessoa que trabalhava, sempre disposto, ele não era brabo, ele me cuidou bem, a madrasta cuidou bem, não podemos nos queixar.
Com quantos anos o senhor começou a trabalhar de sapateiro?
Um ano antes de servir, eu tinha dezessete anos, eu fui servir em Alegrete. Voltei, trabalhei mais uns seis meses. Daí eu coloquei uma sapataria em Moliterno, lá trabalhei doze anos.

Foi lá que o senhor casou?
Foi lá que eu casei com a dona Assunta, fazia uns dois anos que eu estava trabalhando, casamos e fizemos a nossa vida lá. Eu era fraco naquela época, tinha que comprar o couro, aí vinha o prazo de pagar e eu não tinha dinheiro, porque tinha um comerciante lá perto que começou a vender botas e sapatos, e vendia pros colonos pagar na safra. Mas eu não podia fazer isso, eu tinha que comprar o couro e pagar, me quebraram. Daí eu fui pra colônia.

Começou a vida como arrendatário?
Como arrendatário. Pagava 25%, falava a quarta parte naquele tempo.

Cada saco pagava um?
Isso. Três ficava pra mim e um ficava pro dono da terra. Mas daí o meu irmão me trouxe pra cá.

O senhor produzia o que lá no Rio Grande?
Lá era milho e trigo, ninguém plantava feijão naquela época. Plantava milho e sevada.

Quanto dava de cortar de trigo por dia? Dava meia quarta?
Não, não, pra cortar meia quarta não é fácil, vai uns quatro dias.

Em que ano chegaram em Beltrão?
Em 70, dia 1º de julho nós chegamos.

O senhor veio no ano que o Brasil foi campeão?
É. Nós assistimos em uma bodegazinha lá embaixo, que tinha televisão era só lá, todo mundo se reunia lá.

E aqui o senhor passou a plantar na terra de quem?
Na terra do meu irmão. Eu plantava feijão, trigo, milho, mas não me cobrava arrendo.

Foi aí que o senhor conseguiu comprar um pedacinho de terra?
Sim, foi aí que eu consegui comprar um pedacinho de terra.

E foi casando os filhos?
É, todos os filhos casaram lá na Cabeceira do Rio do Mato. Hoje eu me conto muito feliz, com a minha idade, trabalhando, doença sempre existiu, dava aquelas doenças de ir pro médico, e não tinha médico assim pelo SUS, não tinha nada. Tinha que trabalhar, colher os produtos e depois pagar o médico. Tinha o doutor Jorge aqui na Concórdia, ele que cuidava de nós.

O Jorge Krüger? Ele foi vereador e foi o médico da família de vocês. E como o senhor está se sentindo hoje?
Oitenta anos, estou emprestado, agora Deus é que sabe até quando ele quer me deixar. Mas vivendo bem assim. Se ele quiser me deixar mais uns pares de ano, eu não fico brabo.

E quando o senhor era moço, comemorava o aniversário?
Era muito pouco. Naquela época não se fazia festa de aniversário, ninguém se lembrava, mas depois que viemos pro Paraná eles começaram a me pegar no pé. Faziam brodo.

E esse negócio de chumbar bicha, como começou?
Começou por causa de uma filha minha, a mais velha. Um dia nós estávamos trilhando milho, e ela ficou tipo como morta, aí o João Osami disse “é bicha”. Ele foi lá e pegou um chumbo e chumbou. Dali um tempo, a menina ficou boa, aí ele disse “você pegue e comece a chumbar bicha”. Então hoje está aparecendo muitas crianças aqui. Até agora todos saíram bons. É um dom que a gente tem.

Como faz?
Derrete o chumbo na colher, depois coloca um pano na cabeça e pega um copo de água, derrama aquele chumbo dentro do copo de água e as bichas já se acalmam e não incomodam mais.

Se deixar, as bichas incomodam?
Incomodam, e podem até matar.

Isso o senhor aprendeu lá no Rio Grande?
Octacílio –
Lá, no Rio Grande. 
Assunta – Se pegar uma criança que sofre de bicha, é só chumbar umas duas, três vezes, não precisa mais.

Uma vez tinha mais pedidos do que agora?
Octacílio –
Olha, as bichas eram a mesma coisa, mas tinha mais. Porque naquela época não existia quase banheiro, era mais perseguido os vermes, e os médicos dão remédio, mas não adianta. Tem que chumbar, se chumbar, não volta mais.

O senhor estudou sobre isso?
Não, não, isso aí é uma simpatia. A única coisa que a gente usa é a diviníssima, santíssima trindade, e reza um Pai Nosso e uma Ave Maria.

Quanto tempo leva pra fazer isso?
Isso é rápido, é cinco minutos, nem isso. O que mais demora é derreter o chumbo.

O senhor cobra alguma coisa?
Não, nunca cobrei nada e nem obrigado não precisa dizer.

E o chumbo?
O chumbo eu compro.

“Derrete o chumbo na colher, depois coloca um pano na cabeça e 
pega um copo de água, derrama aquele chumbo dentro do copo 
de água e as bichas já se acalmam”, ensina seu Octacílio.

 

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Destaques