Há onze anos, o síndico do Edifício Jaraguá, no início da Rua Marechal Hermes (número 297), Centro Cívico, em Curitiba, é este atencioso senhor, calvo e calmo, e muito cuidadoso com seu trabalho e suas coisas. Quando precisa sair pela cidade, vai com seu Clio 2005, que está quase novo, rodou apenas 34 mil quilômetros. E ele dirige com segurança, está apto para continuar renovando sua habilitação, pois não parece já ter completado 81 anos.
Oswaldo João Caldart reside naquele prédio, de 52 apartamentos, desde 1976, com a esposa Noeli Zílio Caldart, a mãe de seus dois filhos, José Cristiano e Cíntia Nara, que já lhes deram quatro netos e um bisneto. Mas sua história começa em Paim Filho (RS), onde nasceu dia 26 de fevereiro de 1930. Ele é o terceiro dos sete filhos de José e Dina Ruaro Caldart (Íris Mário, Reinaldo, Oswaldo, Leontina, Ênio, Loiva e Loreno).
Os irmãos Iris e Oswaldo marcaram época em Pato Branco, nos anos 50 e 60. Residiram também em Cascavel, depois mudaram para Curitiba e suas casas foram das primeiras transformadas em ponto de encontro dos amigos do Sudoeste do Paraná na capital do Estado.
Numa entrevista ao Jornal de Beltrão, dia 6 deste mês em Curitiba, Oswaldo Caldart falou pacientemente de Paim Filho, Porto Alegre e Lagoa Vermelha, mas principalmente dos tempos que viveu em Pato Branco, onde participou também da política, como candidato a prefeito na eleição de 1960.
JdeB – O seu pai tinha hotel em Paim Filho, e o senhor o que fazia, estudava?
Oswaldo – Eu trabalhava no hotel, nós tínhamos um hotel e sorveteria, bar, e à noite tinha sempre duas, três vezes por semana, as rodas de jogo, então eu passava a noite atendendo. Ajudava na cozinha, ajudava em tudo, limpeza… Aí fui pra Porto Alegre pra estudar. Fiz o 99 e depois eu vim embora pra Lagoa Vermelha. Fiz concurso pro Banco do Estado do Rio Grande do Sul, fui aprovado e fiquei como bancário em Lagoa Vermelha. E quando eu vim pro Paraná, ele (o irmão Íris) já tinha a banca de advocacia, então eu trabalhava com ele.
JdeB – E como aconteceu a mudança de vocês de Lagoa Vermelha pra Pato Branco?
Oswaldo – De Lagoa Vermelha, quando eu vim pra Erechim, e o Íris já estava morando em Pato Branco com a família. Aí o papai resolveu vender a propriedade dele lá, e chegou em Pato Branco, comprou uma chacarazinha, dividiu cinco lotes pros cinco filhos. Nós fizemos quatro casas, uma ao lado da outra e inclusive uma era a casa do pai. Três irmãos, ainda éramos solteiros.
JdeB – Casas de madeira?
Oswaldo – Sim, casas de madeira. O Íris recebeu da Citla uma área de pinheiro, em função do problema de ele ter sido advogado na Fazenda São Francisco, da Citla. Ele recebeu essa área e dividiu entre eu, o Reinaldo, o segundo, e ele. Aí fizeram todas as casas lá em Pato Branco, os três, morávamos um do lado do outro. Aí quando o Íris veio embora em definitivo pra Pato Branco, o pai também veio, ele e a mãe. Aí o pai montou o parreiralzinho dele. Ele só cuidava das parreiras dele, das árvores frutíferas que ele tinha.
JdeB – Já era aposentado?
Oswaldo – Sim. Não tinha aposentadoria na época. Ele tinha as ervazinhas dele. Aí ele pegava uma, duas cestinhas de uva e ia vender a uva e tal. Encontrava os amigos, tomava a pinguinha à tarde.
JdeB – Qual foi o motivo que levou o Íris ir pra Pato Branco?
Oswaldo – O primeiro motivo foi esse crime, que mataram o Piacentini e o Zandoná, nós sempre fomos muito ligados ao Zandoná e à família Piacentini. Ele veio pra acompanhar os processos. Tanto é que foi um dos primeiros júris, acho, que saiu de Pato Branco, e eles tinham sido matados por dois políciais. Aí o Íris funcionou na acusação, e eles pegaram muitos anos de cadeia, foram condenados. E eu lembro bem que o negócio era tão perigoso na época, na região, que havia muito bandido, muito fugitivo do Rio Grande e tal, tinha muita coisa. Era uma época meio braba. Tanto é que na praça de Pato Branco, no domingo de manhã, em frente à igreja, era uma praça que a maioria da rapaziada lá eram caminhoneiros, ou então trabalhavam em imóveis. Saía de Pato Branco com uma média de cinco a seis caminhões de madeira por dia. E no domingo, uma das ações preferidas da rapaziada, principalmente dos turistas, era se reunir na praça, botava um litro lá em cima e ficava dando tiro no litro.
JdeB – (risos) O senhor também fazia dessas?
Oswaldo – Não, não. Eu já pertencia a outra. Minha mãe sempre dizia que enquanto não começar os tiros por aí a gurizada não dorme (risos).
JdeB – Nossa! E nunca aconteceu de acertar alguém?
Oswaldo – Não. Mais era farra, era festa mesmo. Aí, em 56, quando o Plácido Machado renunciou, eles fizeram um acerto entre o PTB e o PSD, que o prefeito teria apoio, o seu João Viganó teria apoio da bancada do PSD, desde que ligasse do PSD pra secretário da prefeitura. E aí me indicaram como secretário da prefeitura.
JdeB – E quando era o Plácido o prefeito, o senhor fazia o que?
Oswaldo – Trabalhava com ele, tinha função política.
JdeB – O senhor assumiu junto com o João?
Oswaldo – Assumi junto com o João Viganó. O Casemiro Gaus era o contador, e o Germano Corona era o lançador de impostos e tinha mais uns amigos lá que eu não lembro agora. Aí ocorreu eleição entre o Graeff e Alberto Pozza, e ganhou o Graeff. Aí houve um episódio até engraçado, nós tínhamos conseguido junto ao distrito rodoviário de Pato Branco uma motoniveladora, duas motoniveladoras e estávamos na estrada pra Bom Sucesso, pra Itapejara, Bom Sucesso, Dois Vizinhos. E eu ia toda manhã, 6:30, 7 horas pra ver o que a turma tinha feito na estrada, o que tinha adiantado, e ficava lá comendo os bolinhos que eles fritavam de manhã com o café. Num desses dias cheguei lá, nossa motoniveladora não estava lá, aí os dois irmãos, que eram os operadores das motoniveladoras. Aí um dos irmãos falou: “Não, o seu João teve aqui com um irmão dele que morava em Campo Erê, e pediu uma motoniveladora emprestada pra fazer uma cancha reta, pra corrida de cavalo, e o seu João emprestou a moto dele, e ela tá lá ainda, em Campo Erê”. Aí no outro dia, o seu João Viganó chegou, ele tinha o costume de sentar na frente da loja do Ceni, que era na frente da prefeitura, e ele ficava ali tomando chimarrão até as 9:30, 10 horas, depois ele subia, daí ele chegou pra mim e disse: “Onde que tá a patrola, onde que tá a motoniveladora?” Digo “não sei, eu não sou patrão deles, não sou motorista da patrola”. “Não” diz ele, “você sabe! Mas o teu tá guardado!”. Dalí uns 15 minutos veio o Casemiro Gaus, que era secretário, contador, que me deu a exoneração do serviço público.
JdeB – Exoneração?
Oswaldo – Exoneração do cargo de secretário. Bom, sabe que pra você exonerar alguém de uma função você tem que abrir um inquérito administrativo, alguma coisa que tenha base. Aí eu contratei um advogado, que não foi meu irmão, é o tal de Mota, lá de Clevelândia, e entrei com uma ação, contra o prefeito, ele devia ter feito o inquérito administrativo, dizendo o motivo da demissão por justa causa. Aí aconteceu o seguinte: o seu João ficou doente, ficou mal e tal, mas ele chegou a cumprir o mandato dele. Aí o Graeff concorreu, ganhou a eleição (de 1956) e me levou de volta pra secretaria da prefeitura. Aí o meu sogro, Dionísio Zílio, foi fazer uma visita pro seu João Viganó, que estava de cama passando muito mal, e o seu João pediu que o seu Dionísio me levasse lá que ele queria falar comigo. Aí ele estava morrendo, eu cheguei lá e falei: “Olha, seu João, já passei no Fórum, já retirei a denúncia, esqueça isso”, e aí continuei como secretário. Aí veio a época da convenção e eu fui escolhido pra candidato a prefeito. Mas o grupo do PSD de Pato Branco, ao invés de me apoiar com Cândido Martins e Antoninho Rupp, uma série de deputados aqui se bandearam pro Maculam, o camisa amarela. E lá em Pato Branco, a maioria do diretório, Neptuno Carraro, bom, a maioria do pessoal do diretório.
JdeB – O Bortot do outro lado?
Oswaldo – Não, o Bortot ficou comigo. Mas grande parte do pessoal do diretório passou a apoiar o Pozza, porque o Alberto Pozza era o candidato do PTB.
JdeB – Já tinha sido em 56 também.
Oswaldo – É, o (Ivo) Tomazoni era candidato da UDN, por quê? Porque o Ivo Tomazoni, na revolta do Sudoeste, foi em 57 pra 58, ele era radialista, em uma das únicas rádios da região, que era a Colmeia, e tinha os programas de futebol e uma série de programas, e era a única rádio que se ouvia ali e a Guaíba, de Porto Alegre, que entrava em toda parte. E aí o Tomazoni começou a campanha, começou a visitar no interior e tal, e surgiu o problema quando veio aquele grupo da Comercial lá do Norte do Estado, e já tinha feito loteamentos, tinham colonizado a região. Mas eles colonizaram lá na base da bala! E quando chegaram ali, nas Glebas Missões, Chopim, Marrecas e tal, eles encontraram a gauchada, e a gauchada já tinha tomado posse, alguém já tinha pago pra outros que vendiam e tal, que estavam em cima do terreno e começaram a botar essa jagunçada, fizeram coisas lá que não podiam ter feito. E diziam que o Cândido Martins e o Lupion faziam parte da Citla. Bom, com isso houve uma debandada pro lado do Ivo Tomazoni, por causa do movimento que ele fazia pela rádio. Até que, numa altura, ele convocou o pessoal pra vir para a praça, nós, eu e meus irmãos, tivemos que ficar até meio recolhidos. Minhas duas irmãs foram desaforadas em plena praça de Pato Branco, por um cidadão chamado Porto Alegre. Ele era vendedor da casa rádio, ele visitava todos os colonos, sabia da história e tal e tal. Era amigo do Tomazoni e aliou-se com os posseiros, se bem que nós nunca estivemos contra os posseiros, não tínhamos nada a ver com a história, nem eu nem o Íris, tanto é que o Íris comandou. Quando houve a renúncia, quando o Cândido se declarou em favor da candidatura do Maculam, Antoninho Rupp, o grupo do PSD que fez a cisão dentro do PSD do Paraná incluindo todos os municípios do Estado. Quando eles fizeram essa cisão, o pessoal do PSD ficou dividido. Então eu, por exemplo, fui muito prejudicado em Pato Branco, nessa eleição, porque até os últimos 20 dias se falava em Pozza e Oswaldo. Depois foi o Hermes Macedo pra Pato Branco, conversou com um padre que era dono da Rádio Colmeia, que ele já tinha comprado a rádio, e um programa que eu tinha na rádio, me cortaram o programa. E eu concorri. Bom, pensei “ganha ou perca eu fui escolhido, agora eu vou desempenhar!”. Perdi a eleição.
JdeB – Esta pergunta é sobre o seu irmão, o Íris, a gente gostaria inclusive de conversar com ele. Porque na história lá da região, pra quem olha só os documentos que ficaram, dá a impressão que ele era uma pessoa que estava contra os posseiros, inclusive, naquele documento do Maringá, ele foi acusado de ser mandante do assassinato do Pedrinho Barbeiro.
Oswaldo – O Pedrinho Barbeiro era compadre do Íris. Nada a ver, era um companheiraço, a gente queria ele muito bem. Ele, o João Maria dos Santos e o pessoal lá do nosso time, porque depois que nós saímos é que foram desmembrados Verê, Itapejara, Bom Sucesso, Dois Vizinhos, e Beltrão, Renascença, Marmeleiro. Nós tínhamos amizades assim em todos os municípios. Agora, quando nós chegamos não tinha um metro quadrado de paralelepípedo. As ruas de Pato Branco só foram possíveis de fazer aquela alteração e dar um aspecto de cidade porque o doutor Graeff foi pro Rio e conseguiu com o general Araí Terra Magalhães, que era chefe do material do Exército, um trator de 28 mil quilos e duas motoniveladoras, as três máquinas novinhas em folha, com os motoristas, e me passou um telegrama do Rio e eu fui a União da Vitória falar com o coronel Gerson de Sá Tavares que era o comandante do batalhão, e ele me disse “negativo”! Só que o doutor Graeff tinha se formado junto com o doutor Lauro, que era prefeito de União da Vitória, e ele me disse “você fica, eles jogam dominó no final da tarde, assim, assim e assado, você fica por ali, uma hora dessas ele cansa”. Depois de dois, três dias que eu fiquei por ali conversando com ele e mostrando pra ele o telegrama que eu tinha conseguido do Rio com a assinatura do general e com a Prefeitura de Pato Branco, ele disse assim pra mim: “Tá bom, vamos lá no quartel amanhã!”. Aí eu fui e ele me fez assinar um contrato que eu acho que devia ter uns 60 artigos mais ou menos. No final do uso, que queríamos fazer o campo de aviação e ajeitar as ruas de Pato Branco e não tínhamos equipamento. A prefeitura era nova, não tinha absolutamente nada. Aí ele foi lá, me fez assinar o contrato, eu falei “agora eu quero ver como é que você vai levar essas máquinas pra Pato Branco”. Aí eu liguei de União da Vitória pra Curitiba e falei com meu irmão Íris que estava despachando no Departamento de Estradas e Rodagens com Airton Cornelsem, que era secretário de obras públicas. O Íris falou na hora com o Airton, e o Cornelsem disse: “O teu irmão tem muita sorte, eu tô com um caminhão pra transporte desse trator, que está em Ponta Grossa, vou passar um rádio já pra lá, pra transferir esse caminhão pra União da Vitória, pra carregar esse negócio pra Pato Branco”. No outro dia de tarde chegou o caminhão. Foi me procurar no hotel e eu fui com o caminhão no quartel. Cheguei lá e digo “taí quem vai levar”. Ele disse; “vai levar, tudo bem, quero ver o senhor passar na na ponte do Passo da Galinha, vai cair o caminhão e a máquina”. Aí o motorista disse “não, o senhor pode deixar que nós vamos dar um jeito”. Saímos num comboio, eu com o jipe na frente e as duas motoniveladoras e o caminhão carregando o trator. Quando chegamos no Passo da Galinha, antes da ponte encostamos o caminhão de ré num barranco, o trator desceu e passou por dentro do rio.
JdeB – A ponte era fraca?
Oswaldo – Era uma ponte de madeira! Bom, aí passamos. Quando chegamos em Clevelândia eu disse “agora para a turma toda aí! Porque eu vou comprar uns foguete!”. Comprei umas duas, três caixas de foguete, entrei em Pato Branco com aquelas três baita máquinas, fizemos o campo de aviação. Olha, foi feito de movimentação de terra em Pato Branco, aquela praça central em frente à matriz, foi tirado mais ou menos três metros de altura pra poder deixar uma coisa com cara, com aspecto melhor porque não tinha condições como estava. Enfim, foi de uma utilidade muito grande. Fizemos uma movimentação de terra no campo de aviação que foi uma coisa extraordinária, a remoção pra ampliar a pista, que depois foi asfaltada.
JdeB – Até então a prefeitura não tinha máquinas?
Oswaldo – Não tinha máquinas! Nós tínhamos máquinas emprestadas pelo distrito rodoviário, mas era uma patrolinha! E tínhamos um tratorzinho que não pesava oito, dez mil quilos, tinha que deixar sempre numa descida pra poder fazer pegar (risos). Era uma luta! E caminhões. Aí você vê, hoje são seis municípios, de Pato Branco foram desmembrados cinco. Então você imagine o que era.