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Francisco Beltrão
quinta-feira, 29 de maio de 2025

Edição 8.214

29/05/2025

Padre Zeca: Uma vida dedicada aos mais humildes

Geral

Jozef Gustaav Hendrik Geenrickx, ou simplesmente Padre Zeca, veio de El Salvador, de férias, visitar amigos que fez em Beltrão e região nos anos de 1970 a 1990. 

Foto: Ivo Pegoraro/JdeB

Quando Jozef completou 21 anos, o mundo vivia um período de grandes manifestações sociais. Ele participou de alguns movimentos de jovens na Europa, mas não gostou. Era seminarista. Pediu a um superior que o deixasse vir para o Brasil. Isso aconteceu em 31 de outubro de 1968. Após um período de adaptação em São Paulo, seguiu para seu destino definitivo. Chegou em Francisco Beltrão dia 1º (ou 2, ele não tem certeza) de fevereiro de 1969, portanto exatamente há 51 anos deste fim de semana.

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Em 1972 regressou à Europa para cursar Teologia. Após sua consagração como sacerdote, retornou ao Brasil. Permaneceu no Sudoeste até 1980. Foi um período que participou intensamente, atuando pela Igreja Católica, da evangelização e de um trabalho de conscientização da população, através da formação de grupos de jovens e adultos, sindicatos, cooperativas e entidades como a Assesoar. Foi um período que lhe mostrou a importância da catequese, tema no qual tornou-se especialista, com formação em Roma, na década de 1990.

Padre Zeca foi muitas vezes chamado para prestar serviços em Brasília, mas sua preferência sempre foi pelo trabalho nas comunidades. Por muitos anos, atuou em Cuiabá (MT); também trabalhou alguns anos no Japão (ele fala sete línguas: holandês, francês, alemão, inglês, espanhol, italiano e português, mas sentiu dificuldades com o japonês; desistiu, após dois anos de tentativa, quando lhe disseram que em sua idade – estava com 60 anos – é muito difícil alguém de línguas latinas aprender o japonês). Desde 2017, está em El Salvador, na América Central.
Nesta semana, em visita ao Sudoeste, onde reviu muitos amigos, ele concedeu esta entrevista ao Jornal de Beltrão.

Jozef Gustaav Hendrik Geenrickx, nascido em 15 de março de 1947 na Bélgica, é filho de Justina Gistavina de Pauw e Jan Louis Melaine. O apelido de Padre Zeca ele recebeu logo que chegou ao Sudoeste, em 1969, para distinguir de vários outros padres belgas que atuavam na região.

Como foi a sua decisão de sair da Bélgica, o senhor já era padre há alguns anos?
Padre Zeca – Eu não era nada, era seminarista, fiz o noviciado, a Filosofia lá na Bélgica, era um jovenzinho, tinha só 21 anos quando cheguei aqui. Em maio de 68, eram manifestações estudantis por toda parte, em Paris, em Berlim, em Lovaina lá na Bélgica, em Roma, por toda a parte, aqui em São Paulo também.

“68 o ano que não terminou.”
Não sei. Em todo o caso, a nossa Filosofia foi a Filosofia bem clássica mesmo, Santo Tomás de Aquino, esta era a Filosofia da Igreja e nós seguimos por essa e pronto, nada de escutar esses filósofos Heidegger, Sartre, Simone de Beauvoir que são mesmo ateístas e que só vinham mesmo perturbar a coisa. Por isso, eu me senti mal. Participei de várias manifestações lá em Lovaina, uma vez quando fiquei preso também, no meio, os policiais encurralaram a gente num beco sem saída, e todo mundo, uns 40 a 50 fomos todos num caminhão da polícia pra ficar uma noite inteira praticamente. Às 3h da madrugada foram soltando um e daí o outro, e dizendo que não ia fazer um processo, podia ir direto pra casa, nada de ficar ali agrupando-se de novo. Em todo o caso, isso foi em 68, eu tava desgostoso, realmente eu não gostei daquilo e tava perdendo a própria vocação, eu pedi pra conversar com um provincial, um superior nosso lá e eu disse pra ele: escuta, padre, eu gostaria de interromper aqui e ir pra uns dois ou três anos no Brasil. “Tá bem”, ele disse, “quando que quer partir?”. Então eu vim junto com o padre Willy que era superior aqui dos padres belgas, e ele tem uma rua lá, loteamento São José, onde tem o seminário, ele tem uma rua nomeado lá. Em todo o caso eu vim junto com ele, com o superior. E eu e o padre Afonso de Nijs viemos aqui pela primeira vez. Chegamos em São Paulo dia 31 de outubro e passamos o período do AI-5. Pra mim foi um susto, realmente não esperava isso porque, de repente, tinha milico por toda parte, tanque de guerra na rua, controle de Polícia e Exército por toda a parte.Você não podia sair sem os documentos, foi assustador. Depois eu vim pra cá. Eu era destinado pra ir pro Seminário São José e lá, no seminário, estava o padre Willy Van Hootegem, padre Valério, o Irmão Alberto, padre Vitor que depois saiu do ministério. E era destinado pra eu ir lá pro seminário, mas eles disseram: “Que é que ele vem fazer esse piá novo ainda?”. Eu só tinha 21 anos, revolucionário, porque esse rapaz veio lá da Lovaina, na Bélgica, das revoluções, das manifestações de rua e por isso ficaram desconfiando de mim, eu senti muito bem isso. Fiquei de molho uns três dias aqui na Concatedral, porque a casa paroquial não tinha como entrar nela, estavam construindo a casa paroquial da Glória, e eu fiquei hospedado num quarto improvisado na sacristia da Concatedral. E depois de uns três a quatro dias, o padre Jeff, fundador da Assesoar, e disse: “Então que o Zeca venha pra cá”. Como que eu cheguei a ter esse nome, esse apelido Zeca? Quando eu cheguei, eu era o sétimo José entre os Missionários do Sagrado Coração, o sétimo. Havia o José Bossman, de Ampere, o padre Alfonso de Marmeleiro, o padre Jeff, o padre Nicolau. Sim, eu era o sétimo, o caçula, por isso começaram a me chamar de seminarista Zeca, e ficou por aí. Comecei a trabalhar na Assesoar, em 69, que era o ano que se assentou pouco a pouco as conclusões da Conferência de Medellin em 68, que sempre dom Albano Cavallin, que depois foi o meu patrão, ele disse: “É como o conselho latino americano foi, tudo aquilo que foi discutido no Conselho Vaticano II, lá em Roma, foi aplicado aqui pra América Latina. Naquela conferência dos bispos da América Latina que foi em Medellin em 68.

E aqui, o que fizeram?
Nós tentamos começar com um grupo de reflexão pra tentar formar comunidade de base. A renovação da catequese, começou naquela época publicando “Ser e Construir”, uma coleção própria da Assesoar, uma catequese mais assentada na realidade do Sudoeste. Aqui, depois grupo de reflexão de adultos, de adolescentes e jovens. O Célio Bonetti, justamente quando eu cheguei, acho que foi o último ano que ele estava na coordenação, ele era presidente nacional da Juventude Agrária Católica (JAC) e nós aspiramos sempre de ter essa presença da igreja entre os jovens com a JAC do campo, os operários na JOC (Juventude Operária Católica) e depois em São Paulo e no Rio havia a JUC (Juventude Universitária Católica), como aquilo que é chamado ação católica e tem uma força muito grande na Igreja do Brasil. O interessante é que naqueles meses que eu cheguei aqui, nós estávamos ainda com a Assesoar no antigo hospital do Dr. Walter, em cima do barranco, quando agora pega a Avenida e sobe pela Rua Palmas, uma subida braba. Lá, então, ficamos alguns meses, porque no final do ano, na época do Natal em 69, mudamos então a sede da Assesoar da Rua São Paulo até o Colégio das Irmãs, no morro do Calvário, colégio de madeira.

Foi no tempo que elas mudaram pro centro da cidade?
Funcionava já aqui, e depois decidiram de vender aquela casa. Então fomos lá. O que marcou aquele ano também foi que começaram a fazer uma pesquisa sócio-religiosa aqui no Sudoeste. Acontece que a Acarpa tinha feito uma pesquisa socioeconômica de todo o sudoeste, a realidade rural, naquele ano justamente de 68 e 69. Nós, conversando com o pessoal da Acarpa, nós, eu tô falando de eu e do padre Jeff como Assesoar, decidimos de fazer uma pesquisa sócio-religiosa aqui no Sudoeste, como que fizemos já que a Acarpa era muito sistemática e tinha feito isso com critérios estatísticos muito precisos, então nós, eu não sei se a amostra deles foi de 1.500 famílias em todo o sudoeste. Nós pegamos 10% daquele total que eles tinham pesquisado, ou seja, 150 famílias em Capanema, Barracão, Coronel Vivida, Realeza, Francisco Beltrão, vários municípios aqui no Sudoeste, e quem orientou foi a Irmã Cristina, socióloga, formada em sociologia. Ela elaborou um questionário, umas 50 perguntas que se faziam aos colonos, e nós, os permanentes da Assesoar, íamos de dois a dois lá pro interior, com a casa marcada, o nome do agricultor, nós íamos lá com aquela pesquisa e fazendo as perguntas, qual a sua religião? Você frequenta às vezes benzedor? Em que situação você vai até arrumador de ossos? Você já foi a uma sessão espírita? Tem um santo de sua preferência? Assim uma série de perguntas sobre religião, pra tentar destilar a partir dessa pesquisa aquilo que Paulo Freire chama “palavras geradoras”, seja os temas principais da vida do pequeno agricultor, isso que nós queríamos descobrir no plano da religião para depois poder, elaborar um material para os grupos de reflexão, para catequese, muito perto da realidade. E aí o que me admirou de ver, não sei se ainda tem lá na Assesoar o resultado daquela pesquisa, talvez tenha ainda nos arquivos, mas seria bom poder recuperar isso, daquela época, eu tô falando de 1969. Por exemplo, o que me admirei de ver, eu pensava que o santo preferido aqui da região fosse Nossa Senhora Aparecida e sabe quem foi? Santo Antônio! Era naquela época o mais admirado entre os santos católicos, pelo menos pelo pessoal do interior, na cidade não foi feito. Mas o interessante é que se essa pesquisa se fôssemos estudar, se quer saber algo da religião dos migrantes do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina pra cá, dos anos 60, creio que vale a pena.

Tem pesquisa posterior sobre nomes que predominam, e Antônio é um dos que mais existem, junto com João e José. Maria e Ana entre as mulheres.
Então. Esse era um dos trabalhos que nós fazíamos e elaborar o material. Estávamos elaborando “Crescer em Comunhão” e a ideia era de uma catequese continuada para as crianças. A catequese não é em primeiro lugar, catequese de primeira Comunhão, não é pra fazer a Crisma e depois parar; a nossa ideia sempre foi que os sacramentos, como a primeira comunhão, são como pontos altos, importantes sim, mas não se pode dizer catequese de primeira Comunhão ou catequese de Crisma, catequese de Matrimônio; deve ser uma contínua linha de condução que vem da nossa fé cristã, por isso uma catequese de iniciação.

E aqueles grupos de jovens que vocês estimulavam foi marcante.
É. E outra coisa, de um lado a catequese, do outro lado os ministros da Eucaristia, que me lembro de ter dado um curso lá no Verê também de uma das primeiras turmas de ministros, que era através da Assesoar, em 72, mas começou naquela época já formar lideranças nas comunidades para que eles pudessem assumir a responsabilidade. E depois também, era a época que se estabeleceram mais fortes as cooperativas, sindicatos de pequenos agricultores, de trabalhadores rurais, e o padre Jeff era um grande promotor dessa formação de sindicatos. Então havia a formação humana e comunitária, que era pelos sindicatos e cooperativas, e nós trabalhamos questões de higiene, não sei se você se lembra sobre como construir uma privada (risos), como cavar, a profundidade que tinha que ser, o composto orgânico, então essas coisas, nós tínhamos algum serrilhado, porque não havia eletricidade, não havia luz no interior, a gente levava um serrilhado com folhas A3, passava os cartazes pro pessoal.
Do tempo que o nosso povo evoluiu, do mato com sabugo de milho pra privada com papel higiênico.

Sim, foi isso mesmo. E a Assesoar teve um grande papel naquela época também, além da conscientização política, formação de comunidades, consciência política do regime militar, não foi sem razão que uma vez que estávamos lá na Assesoar e que eu acho que era o capitão Curió, que era o comandante aqui, ele uma vez tava andando tão desconfiado da Assesoar que montaram dois ou três dias um posto, um pouco pra cima da gruta do Morro do Calvário e embaixo da Assesoar também, e ficavam anotando todas as placas de carros que entravam na Assesoar, estavam realmente desconfiados.

Foi em 1975.
Mas a Assesoar sempre foi uma força crítica da oposição. Outra coisa interessante é que quando nós íamos lá pro interior pra formar os grupos de reflexão, havia uma certa desconfiança do povo que não fosse de um dos “Grupos dos 11”, que os gaúchos tinham uma experiência muito problemática com esse assunto, sofreram demais, eles não queriam que entrássemos diretamente na política porque poderia causar problemas com os nossos militares, e etc. Mas aqui em Beltrão, digamos que a Assesoar sempre foi de oposição nesse sentido, que nunca aceitamos a opressão, a perseguição das ditaturas que haviam acontecido, os maus tratos, e defendíamos sempre o pequeno agricultor, isso sempre foi.

O senhor foi ordenado padre aqui?
Não, eu depois de dois anos, no dia 15 de novembro de 1970, voltei pra Bélgica e comecei a Teologia, a última fase da formação, em Lovaina, porque primeiro queria me mudar pra Roma pra estudar nas universidades de Roma. Eu nunca tive problemas de estudos, sempre fui o primeiro da classe, por isso pensavam me enviar pra Roma. mas acontece que, justamente naquele ano de 70, foi fechada a casa de estudantes de Teologia que a congregação tinha em Roma. Então pararam com isso, e só admitiam estudantes em Roma que já estivessem ordenados padres, era só pra doutorados, pós-graduação que se podia ir pra Roma.

Por isso eu fui pra Lovaina fazer o curso de Teologia, e três anos pra bacharelado. Depois, pra graduação, eu fui pra Bruxelas, no Instituto Internacional de Catequese, porque desde a Assesoar, essa experiência aqui me mostrou que é tão importante a catequese na formação.

O senhor se especializou em catequese?
Sim, me especializei em catequese. De tal forma que quando fui ordenado padre e voltei aqui, em agosto de 75, era a sua época mesmo, naquela época já estava começando a ter ascensões do povo de Curitiba pra começar aqui, já eram vendidos muitos livros aqui “Crescer e Construir”. Dessa catequese foi vendido muito pra Cascavel, Toledo, Curitiba.

A equipe pouco a pouco foi se transformando, e umas irmãs de Curitiba também começaram a fazer parte e ali decidimos eu então, sendo formado, especialista em catequese, fui nomeado para a CNBB-Sul 2, como coordenador regional da catequese do Paraná e, a partir daí, em 80, me nomearam para ser assessor nacional de catequese.

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