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Francisco Beltrão
sábado, 07 de junho de 2025

Edição 8.221

07/06/2025

Pioneiros de Ipiranga, centro do Sudoeste

 

Sobre uma suposição de que Ipiranga, de Itapejara D’Oeste, seria a comunidade mais centralizada do mapa do Sudoeste do Paraná, ninguém do local sabe confirmar nem desmentir, porque nunca alguém lhes falou sobre isso. Mas a respeito da história da comunidade, quem tem muito pra contar é a pioneira Oneide Guzzo Pegoraro, junto com o filho Clicir e a nora Clari. Sua propriedade é bem próxima da sede. Oneide vive ali desde que casou (com Arlindo Pegoraro, falecido em 2001), Clicir nasceu naquele local, em 1955, e Clari é de uma comunidade próxima, Serra Negra.

Clicir conta que Ipiranga já teve 210 famílias católicas ligadas à capela Divino Espírito Santo e mais 80 que pertenciam a uma capela luterana. Daquelas 290 famílias, restam 70 católicas e a capela luterana fechou porque quase todas as suas famílias foram embora (só restou uma). É o resultado da mecanização agrícola. “Nos primeiros tempos, muitas famílias viviam até com dois ou três alqueires, hoje quem tem 20 alqueires, como nós, acha que é pouca terra.” Dona Oneide lembra que, quando lhe ofereciam terra, plana e por baixo preço, seu marido perguntava “fazer o que com aquele samambaial?”. Mas outros compraram e foram juntando propriedades e diminuindo o número de famílias da comunidade.

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Arlindo e Oneide Guzzo Pegoraro casaram na Matriz São Pedro de Pato Branco, em 1954, e logo mudaram para Ipiranga. A mudança foi levada de carroça. As estradas eram ruins, havia poucos vizinhos e muito mato. O casal teve dois filhos: Clicir, que sempre viveu na mesma propriedade dos pais, e Alcione, hoje estabelecido em Espigão Alto do Iguaçu.

Clicir casou com Clari (filha de José Perin de Souza e Lúcia Marquetti) e tem quatro filhos: Saliane (casou com Rodrigo Lago e já deu uma neta aos pais, Isadora), Marcos, Saionara e Ana Paula.

O pioneiro da família, no Paraná, foi o avô de Clicir, Máximo Pegoraro, que era casado com Raquel Dariva e teve 11 filhos: Pedro (falecido em Xanxerê), Tereza (reside em Ipuaçu-SC), Elvira (falecida em Passo da Ilha, Pato Branco), José (falecido em Pato Branco), Arlindo (24.8.28 a 20.3.2001, falecido em Ipiranga), Hermínia (reside em Mariópolis), Elida e Marcelo (residem em Pato Branco), Severina e Inês (residem em Chapecó) e Benjamin (reside em Vitorino).

Oneide, viúva de Arlindo, nasceu em Veranópolis (9.6.25), mas se criou na linha Nossa Senhora da Saúde, ou Bracatinga, em Paim Filho (RS), de onde seus pais mudaram pro Paraná.

 

JdeB – A senhora chegou em 1954. Como era o Ipiranga?

Oneide – Era só o matão, tinha só os carreirinhos pra gente passar, principalmente quando nós compramos aqui. Quando eu casei, fui morar na casa do meu irmão Guilherme, ali embaixo do Zandoná. E daí nós compramos aqui, mas tivemos que subir num carreiro a pé e a mudança chegou numa carrocinha.

 

JdeB – O quê que tinha na mudança?

Oneide – Ah, tinha um pouco de tudo, o guarda-roupa, a mesa, o guarda-louça, a pia e a louça que precisava na casa, pouca coisa.

 

JdeB – E já tinha casa aqui?

Oneide – Tinha uma casinha pequena. Deus o livre, bem pequenininha, depois o meu marido foi emendando os pedacinhos.

 

JdeB – E já tinha capela?

Oneide – Tinha uma bem pequenininha.

 

JdeB – E a senhora lembra dos moradores que tinha naquele tempo?

Oneide – Que lembro era de Santo Rei, falecido Fiorello com a família dele, o Boeirinha Zandoná morava aqui.

 

JdeB – E tinha serraria?

Oneide – Serraria era lá do mano Guilherme, depois tinha serraria, sapataria.

 

JdeB – Aqui teve hotel?

Oneide – Teve. Era do meu irmão. Ele dava pouso, comida.

 

JdeB – Aqui era uma vila maior do que hoje?

Oneide – Era bem maior.

Clari – Tinha um armazém de secos e molhados. 

Oneide – Tinha ferraria. Tudo aqueles ranchinho, sabe, pequeno, mas tinha de tudo.

 

JdeB – Daquelas famílias primeiras, além da sua, quais que ficaram?

Oneide – Olha, naquela época tinha meu irmão, o Guilherme, que morava aqui em baixo, o Atílio é outro meu irmão que morava aqui em cima, um perto do outro. E os Duns, os velhos morreram, mas os filhos estão ainda aí. O Biber, a dona Elvira Etman, nossa, que mulher boa. Dos mais antigos sou a única daqui.

 

JdeB – Os outros ou foram embora ou morreram?

Oneide – Sim. O Francisco Fiorello morreu. E o outro pessoal que tinha por aí, uns foram embora, outros morreram.

 

JdeB – A comunidade foi sempre de paz que nem hoje ou teve brigas?

Oneide – Não, sempre de paz. Era bom de morar aqui. E o dia que eu precisava pra ajudar na roça, ia lá, convidava um “tu vai lá me ajudar?”, vinha sete ou oito. Era uma maravilha.

 

JdeB – E era um povo sadio ou tinha muita doença?

Oneide – Não, muito sadio. Povo trabalhador bastante, nossa. Levantava às 4 horas pra tomar o chimarrão (risos). No que clareava o dia, ia pro trabalho.

 

JdeB – E levava a mulher junto?

Oneide – Não, eu ficava um pouquinho mais, tirava leite, arrumava a casa, despijamava as crianças, mas depois eu ia pra roça também.

 

JdeB – A senhora fazia o que na roça?

Oneide – Carpia. Chegava a lavrar também.

 

JdeB – E ele derrubava mato?

Oneide – Derrubava, ah, vixe Maria, aqui era tudo mato.

 

JdeB – Tinha muita cobra?

Oneide – Ah, tinha, vixe Maria, como tem agora ainda bastante.

 

JdeB – Alguém já foi mordido de cobra?

Oneide – Só um irmão meu que foi pegado de cobra. É o filho da Otília. Porque quando eles iam ali perto desses bosques, derrubavam mato. Ficavam aqueles paus grandes caídos, eles deixavam matinho atrás do pau, o pai deles tinha que arrancar tudo, aí ele foi com a mão pra arrancar o mato e deu o dedo na boca da cobra, uma dessas da cabeça curta. Daí correram pro hospital, em Pato Branco, a cavalo. Mais de 20 quilômetros.

 

JdeB – O seo Arlindo gostava de caçar?

Oneide – Ah, ele gostava, Deus o livre. Ele convidava os amigos dele, principalmente, o Schornak e o Ivo Britti. Quando chegava sexta-feira era a farra que eles faziam, iam no mato e caçavam as pacas, as cotias, coisa boa (risos). E eles mesmo cozinhavam.

 

JdeB – Comiam com o quê?

Oneide – Com pão e com polenta também. Reunia as famílias e fazia a festa. Pra beber, compravam vinho.

 

JdeB – E quando era pra fazer compras, iam pra Pato Branco?

Oneide – Pato Branco. Itapejara nós começamos ir depois que ele foi vereador (Arlindo Pegoraro foi vereador na gestão 64/68, elegeu-se pelo PDC, com 117 votos), porque senão antes eu nem conhecia Itapejara, e era tão perto.

 

JdeB – Aqui era maior que Itapejara?

Clicir – O centro era maior, porque aqui tinha a loja do José dos secos e molhados, roupa, tudo tinha ali pra vender. Tinha hotel do Édipo, tinha hotel do Floreano Minski e a loja do Vitorino Boca lá em cima. Vinha gente de Itapejara fazer compra aqui no Ipiranga. E daí vinham os caminhões e traziam combustível em tambor, porque ficava toda aquela fila de 30 e 40. E, antigamente, quando nós era criança, que chovia, eles se hospedavam tudo nos hotéis aqui no Ipiranga. Tinha dois, aquelas casas de madeira, de dois andares, tinha só os quartinhos.

Clari – Tinha salão de baile.

Clicir – Tinha um salão bem grande. E tinha três campos de futebol. Nos domingos se reuniam, uma vez vinha pra cá o Guarani lá de cima da Serra do Ipiranga. Três campos de futebol e cada campo tinha três times. Era primeiro, segundo e terceiro. No domingo a gente tinha o divertimento de ver as partidas de futebol. E era todo domingo. Bastante gente, nossa! Só que antigamente o povo vivia com dois alqueires de terra, e ninguém interessava ter mais terra. Depois começou a febre do soja e as máquinas, daí que começou a expandir.

 

JdeB – A terra era boa e plana.

Clicir – Terra plana. Daí começaram a vender e ir embora, porque acharam que tinha companhia perto, mas aqui era bonito de ver.

 

JdeB – Isso foi mais nos anos 80 pra cá, porque no seu casamento, em 77, ainda tinha muitas famílias?

Clicir – Tinha 210 sócios na igreja católica e 80 dos evangélicos luteranos, aqui na mesma comunidade.

 

JdeB – E hoje?

Clicir – São 70 da igreja católica e os luteranos têm só um, que agora é sócio em Pato Branco, o seo Sérgio Shornak. Nas festas vinham os caras da igreja luterana e católica, tudo igual, era tudo unido. Nunca teve rivalidade entre os evangélicos com os católicos. Era até bonito de ver.

Clari – Ah, era gente boa. E trabalho na lavoura era só de enxada.

Clicir – E todo mundo tinha seus porco pra vender. O falecido pai era mais de porco, todo o mês ele vendia uma caminhonada de porco. Todo mundo, pouquinho ou bastante, tinha porco, o que segurava o agricultor na roça era vender dez porco gordo, que tinha saída.

Clair – E vender milho e feijão.

Clicir – É, milho e feijão. E era os agricultores que colhiam, viviam com aquilo e viviam tudo muito bem.

 

JdeB – Como eram as festas?

Clicir – As festas eram grandes. O pai sempre ajudava com o churrasco. Depois que ele parou, comecei eu, mas eles matavam quatro reses por uma festa no Ipiranga. Dava uns 800 quilos, 200 e pouco cada rês. E era engraçado pelo seguinte, hoje a gente não dá valor, chegavam antes de carnear, todo mundo já vendia a buchada pro outro fazer sabão. Na hora que matava a criação, embaixo das caneleiras, no sábado, eles começavam 2 horas da manhã a carnear, pra pôr na salmoura e até as 10 horas estar tudo picado na serrinha.

Clari – O bucho do animal era feito, inclusive, para vender sábado à noite e se fazia procissão, novena…

Clicir – Hoje a saúde fala tanta coisa. Nós começamos a fazer cocho de cerâmica. Os cochos eram de cedro, pra pôr a carne salgada, o cocho era de cedro. E era muito engraçado, hoje nem mais existe isso.

Clari – Os tanques de lavar roupa às vezes eram de cedro, nós tomava banho no verão no tanque de cedro.

 

JdeB – Pra lavar os pés na gamela também?

Clari – Gamela. Pra salgar a carne, lógico não era com a gamela dos pés, tinha duas gamelas, uma pros pés e uma pra carne.

 

JdeB – Dona Clari, lembra bem da igreja, quando vocês se casaram?

Clari – Muito bonita, de madeira, tabuinhas estreitas, o altar de antigamente, que o padre ficava de costas para o povo; depois dos anos 60 que o padre virou pro povo. A igreja era muito linda. Como eram as torres dela por fora, era o altar por dentro. Era muito lindo.

 

JdeB – E como é que vocês se conheceram?

Clari – A gente se via nas promoção, nos bailes, nas matinê.

 

JdeB – E os dois ligados à igreja.

Clari – É, e nós começamos na parte de missões, enquanto eles me ensinavam do Seminário Franciscano, a gente começou a namorar, nas últimas missões que teve.

 

JdeB – Nos bailes, dançavam até o amanhecer?

Clicir – Não, não era assim. Porque o baile começava às oito e meia, nove horas da noite. Uma hora ou duas da manhã terminava o baile, porque no outro dia todo mundo tinha que trabalhar. Não era que nem hoje, que começa meia-noite, uma hora.

 

JdeB – Muita madeira da igreja ainda continua nas casas por aí?

Clicir – Continua. Foi desmanchado e amontoado porque eles queriam fazer de alvenaria. Tava difícil recuperar aquela igreja, porque era muito alta. Se fosse pra querer recuperar, tinha que desmanchar e fazer mais baixa.

 

JdeB – Tinha madeira de quantos metros?

Clicir – Da frente das torres era 12 metros os paus quadrados e inteiro. Farquejado tudo, mas tudo de madeira também. Tinha três torres e era tudo aquelas madeira de pé.

Clari – Mas o assoalho também era de madeira.

Clicir – Tudo de madeira de 60 centímetros de grossura e de 20 metros, eles fizeram aqueles paus, só que o tempo começou a apodrecer a saia em baixo, sabe?

 

JdeB – Era madeira de pinheiro?

Clicir – As tábuas de pinheiro, o resto era madeira de lei. O cepo, de um metro de grossura, era muito bem feito. As portas, entalhadas feito aqueles trabalhos de marceneiro, porque tinha marcenaria no Ipiranga, e foi bem feitinho, depois as portas ficaram podres. As tábuas eram de sete metros de comprimento por causa das paredes da igreja, e por fora era de sete metros de madeira bruta. E era tudo forrado de madeira feita na plaina. Mas foi desmanchado e vendido tudo.

 

JdeB – A senhora acompanhou a construção daquela igreja de madeira?

Oneide – Aquela que ele está falando sim, mas quando eu entrei aqui tinha uma igrejinha bem pequena, pequena mesmo, já estava bem velhinha. Depois derrubaram aquela e construíram essa outra.

 

JdeB – Vocês fizeram um mutirão, foi uma construção grande?

Oneide – É, foi. Todo mundo ajudava.

Clicir – Não foi comprado madeira porque tinha serraria, a turma dava o pinheiro, fazia questão de tirar o pinheiro de dentro do terreno, e os donos da serraria serravam de graça. E aquelas pessoas mais antigas farquejavam a madeira para fazer aquelas madeiras altas, as vigas, farquejavam tudo no machado. Era tudo trabalho comunitário. Era comprar os pregos e as telhas para colocar.

 

JdeB – E depois o senhor participou da construção dessa que é agora?

Clicir – Sim, dessa aqui. Era para fazer uma igreja mais pequena porque a turma viu que tava saindo o povo, mas o bispo Dom Agostinho achou que não podia fazer mais pequena, disse que nunca se regredia, tinha que fazer do mesmo tamanho. E hoje serve muito, porque quando morre uma pessoa que vão velar, enche a igreja. Em dia de festa, enche a igreja também, só nos fins de semana tem pouca gente. E daí começou a igreja e era tarde, só o pedreiro, cada lenha para cada bancada com os serventes pra fazer massa e puxar concreto, tinha os três pedreiros e os sócios que fizeram a igreja da comunidade. Eu trabalhei a semana inteira de carriola levando massa.

 

JdeB – E o seu pai por que foi enterrado em Pato Branco?

Clicir – Porque já tinha o avô enterrado lá.

Clari – E a vó morreu há muitos anos, imagina, 53 anos que ela morreu, de infarto.

 

JdeB – E a história do seu avô, que veio do Rio Grande para comprar terras no Paraná?

Clicir – Ele chegou em Pato Branco e pegou um guia e foram pra Francisco Beltrão. Levaram 10 dias para sair de Beltrão a Pato Branco a cavalo, e foram vendo terra. Em Beltrão, ficaram dois dias no hotel. E depois vieram com uma picape numa estrada em que só se passava a cavalo e achou muito bonito. Depois passava o Santana, que não tinha ponte, não tinha nada, tinha um pau pra passar a cavalo no rio. E quando ele passou pra cá, no Bonito, achou um pinhal muito fechado e bonito.

 

JdeB – Já em Itapejara?

Clicir – Já em Itapejara, ali no Bonito. Foi olhar o pinhal e viu que tinha uma queda d’água boa. Comprou o terreno e o pinhal. Depois comprou mais um pinhal no Verê, ele queria instalar duas serrarias. Daí voltou a Pato Branco, ficou mais de 60 dias aqui e comprou uma chácara de seis alqueires. O homem vendeu a chácara pra ele, mas tinha casa, tinha tudo, até uma vaquinha. E ele queria em dinheiro, mas ele não podia pagar tudo aquilo. Daí ele chamou esse casal que tinha vindo do Rio Grande do Sul e queria serviço, e ele pediu se ficavam cuidando da chácara, que ele dava serviço. E ele pegou uma carona e partiu pro Rio Grande, pra buscar a mudança. Quando ele partiu, saiu um comentário que aquele velho do Rio Grande tinha muito dinheiro e comprou a chácara, e diz que foram lá pra fazer um assalto. E mataram o homem de um casal e a mulher do outro casal, lá na chácara. E, depois disso, os outros dois voltaram pro Rio Grande com a mudança que sobrou, e aqueles caras foram presos em Pato Branco, mas como Pato Branco não tinha estrutura, ficaram presos um dia ali, e daí levaram eles pra Clevelândia. E lincharam eles na saída de Pato Branco, na Encruzilhada.

 

JdeB – Lincharam os homens que assassinaram o homem e a mulher, mas que a intenção era matar o seu avô?

Clicir – É, de matar o meu avô.

 

JdeB – Ele veio de Erechim?

Clicir – Sim. Ele veio pra cá e depois voltou porque ele tava vendendo o moinho. Mas ele ainda não tinha vendido, daí ele acabou vendendo a serraria lá pros Pagnoncelli de Erechim, e eles ficaram aqui, pra cuidar da serraria do meu pai. Tinha uma serraria grande, que vendia a madeira pra Argentina.

 

JdeB – Seu avô veio de Erechim, mas ele nasceu…?

Clicir – Ele nasceu em Antônio Prado. Eu tenho um machado do meu avô ainda, que foi feito lá em Antônio Prado, que é aquele machado que a gente lascava as madeirinhas. E ele tava sempre com o ferreiro que fez o machado, que foi quem tirou o dente dele.

 

JdeB – Tirou o dente?

Clicir – É, porque naquela época não tinha dentista aqui, daí era ele que tirava os dentes. O ferreiro tinha feito um alicate (risos), e chegou lá, tava transpassando o dente, e daí o ferreiro pegou e mandou segurar um pouco de pinga dentro da boca.

Clari – A dor, ele disse que pra ele tanto fazia, que de tanta dor que ele tinha naquele dente, ele falava que nem ia sentir dor pra arrancar.

JdeB – Ele sofreu um pouco, mas passou a dor de dente.

Clicir – Passou a dor no dente na hora.

Clari – Ele sempre contava as histórias e gostava de conversar, ele era muito divertido. Ele era uma pessoa maravilhosa, conversava muito. Tanto que eu aprendi a jogar baralho com ele, e ai se roubasse numa jogada.

Clicir – Ele gostava de jogar que nossa.

Clari – Nos domingos a gente jogava, que ali do lado do Volneide eu tinha a minha casinha. Ele ia pra varanda e esperava pra jogar, cada pouquinho ele olhava pra cima. Às vezes eu tinha vontade de fazer outra coisa, depois de meio-dia, mas eu pensava melhor e ia lá jogar baralho com o vô. Ele descia na casa da dona Neide, pra jogar baralho com ele, e ele me ensinou a jogar, porque eu não sabia (risos). E como ele gostava muito de comer sopa de feijão, era todas as noites, com queijo e pão, e polenta sapecada com queijo. Eu trabalhava e ele dizia: “tu fez o teu queijinho?”, faz o teu serviço que depois eu faço.

 

JdeB – Ele morreu com quantos anos?

Clari – Com 84 anos. Mas era muito querido o vô, nossa, meu Deus do céu. E a minha filha mais velha foi o xodó dele. Quando nós tinha que ir a pé, que nós ia rezando o terço da igreja, o Nosso Querido Divino, voltava com chocolate a semana inteira. Todos os dias ele dava um chocolate pra bisneta, pra minha filha mais velha. Ela lembra dele até agora, ela tinha 4 anos quando ele morreu.

 

 

 

“Eu daqui saio só quando me carregarem”

JdeB – Aqui era um lugar de pouca violência, como é que era?

Clicir – É, nunca teve violência. Nos bailes, às vezes dava alguma desavença, mas era só de boca, e briga não dava. E a gente se cuidava muito quando saía fora, porque sabia que por aí tudo era muito mais perigoso. Aqui morreu só aquele cara do cemitério, que foi por causa da bebedeira, uma piazada que deu uma facada nas costas dele; até era um cara que tinha estudado no seminário, mas foi só isso. Em 57 anos que eu tô aqui, só morreu esse de violência. Nas bodegas aqui sempre tinha bastante gente, que a turma jogava baralho, mais nos finais de semana, mas nunca tinha brigas, sem nenhuma violência.

 

JdeB – Ao lado da capela tem até casa mortuária?

Clicir – É. Porque hoje você sabe que quando morre uma pessoa, você tem que ter toda uma estrutura pra fazer um velório. Antes foi feito uma proposta de cada um ajudar com 200 reais e foi feita uma promoção, daí já foi feito e pago. Em seis meses nós já estávamos com a capela funerária paga e feita.

Clair – Porque antes tinha que levar pra cidade.

 

JdeB – Ah, tinha que levar pra igreja?

Clair – É, porque depois que foi reformado o pavilhão da igreja, ali é muito espaço. E daí tinha que levar pra Itapejara e pagar um salário pra funerária de lá só pra velar, daí não dava, né.

Clicir – É, que nem foi feito pra construir aquela capelinha. Chegou no domingo, tava todo mundo trazendo os 200 reais, que todo mundo pagou, os sócios colaboraram muito. E ainda com mais a promoção, deu tudo certo.

Clair – Foi feito uma festa e um almoço. Vai fazer um ano, já.

Clicir – É, mas ali ficou muito bom. Não precisa mais depender de ninguém. Porque nos velórios, quando que eu era criança, tinha o seguinte: eram levadas aquelas estacas de cedro e comprado um pano preto. E tinha o Miguel Rizello. Quando morria uma pessoa aqui, avisavam o Miguel, pra ele fazer o caixão. Fazia mais de 30 anos que ele fabricava caixões e, olha, que caixão que ele fazia! Era tudo bem feitinho.

Clair – Dava até pra enxergar por dentro do caixão.

Clicir – E ele nunca cobrou.

Clair – É que antigamente tinha gente que tirava as tábuas e guardava em outro lugar, pra outra pessoa fazer o caixão.

Clicir – E outra coisa, quando chegou na época que o falecido pai tava internado na UTI, que a gente sempre ia lá visitar, quando que chegavam em casa, que nós tinha a nossa vaca de leite, tava tudo feito, porque os vizinhos tinham feito todo o serviço.

 

JdeB – Vocês sempre se ajudaram na comunidade?

Clicir – Sempre. Tu chegava ali, tinham tratado os porco, tava tudo feito. E quando a gente chegava e tava muito cansado também, eles sempre vinham ajudar a gente.

 

JdeB – Numa comunidade assim, a senhora nunca pensou em ir embora, dona Oneide?

Oneide – Não, eu sempre gostei muito de morar aqui. É que nem dizia o Arlindo, eu daqui saio só quando me carregarem, só depois quando eu morrer, senão eu nunca vou sair daqui. Às vezes falava em vender aqui pra ir lá perto dos meus irmãos, pro lado de Dois Vizinhos, mas ele dizia “não, daqui eu não saio!”. E agora é esse meu filho que fala a mesma coisa, que daqui ele não sai (risos).

Clicir – Mas vou aonde?

Oneide – Outro meu filho também queria que eu fosse lá com ele (em Espigão Alto do Iguaçu). Mas eu disse “pra que sair?”.

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