Natural de Maximiliano de Almeida (RS), Valdir Picolotto, 51, é um empreendedor na iniciativa privada e no poder público. Os pais Metilde e Ernesto mudaram-se do Rio Grande do Sul para o Paraná em 1966, em busca de uma melhor condição de vida. O casal teve seis filhos. Um deles, Valdir, tornou-se muito conhecido por ser um vanguardista como agricultor, comerciante e no poder público. Em 2004, foi eleito prefeito pela primeira vez. Quatro anos depois reelegeu-se para mais um mandato.
Valdir é casado com Ivone. Eles tiveram o filho Luiz Fernando, casado com Luana. Toda família trabalha na propriedade, na Linha São Donato, às margens da PR 280. Ali eles mantêm rebanhos de suínos e bovinos de leite, agroindústrias de queijos e derivados de suínos, plantam milho e soja e ainda possuem pastagem consorciada com plantio de eucaliptos. Levam uma vida simples e de muito trabalho.
JdeB – Como era o garotinho Valdir Picolotto, quando chegou aqui em Vitorino no ano de 1966?
Valdir – Bom, a gente já veio de Maximiliano como agricultor e também tinha um comércio lá. E a gente comprou essa área de terra com 25 alqueires e viemos aqui pros “carreador” de roça e no descarregar a mudança já matamos uma cobra, era no meio do mato. E com muita dificuldade nossa família se instalou, começou a trabalhar e estamos até hoje no nosso município de Vitorino. Foi muita dificuldade, não tinha estrada, a gente ia na escola de pé no chão, em cima da geada; ia na roça de pé no chão, não tinha bota, não tinha botina, não tinha nem chinelo de dedo. E pra você ter uma ideia, a primeira vez que eu comi um galeto puro, sem mistura, eu já tinha 13 anos. Depois a gente foi trabalhando, a família, os dois manos foram pra Mato Grosso, as minhas manas casaram, eu acabei comprando a parte deles e ficando aqui na nossa propriedade. Daí a gente foi implementando, foi trabalhando. Em 79 eu servi o Exército em Francisco Beltrão. Estudei até a 4ª série aqui em Vitorino, daí fiz o supletivo em Francisco Beltrão. Fiz curso de encanador também, mais dedicado à agricultura e à parte de administração. Com o tempo, a gente foi montando uma agroindústria, junto com a minha mãe, a minha esposa, o meu filho, e hoje a gente tá aí fechando o ciclo na propriedade, 15 anos de trabalho, eu abri aqui no dia 7 de agosto de 96. Daí fui vereador, de 93 a 96, depois saí da política, não quis mais. Mas em 2004 vieram me procurar pra ser candidato de novo. Com muita dificuldade fui candidato e eleito quando ninguém acreditava na gente.
JdeB – E como era o cotidiano da infância?
Valdir – Pra você ter uma ideia, nós não tinha esse negócio de descanso. Os nossos doces era coco, ariticum, vergamota, laranja, não tinha esse negócio de hoje que os caras tão no refrigerante ou tão no salgadinho; nós não tinha, era trabalhar até o sábado de tarde e o domingo até o meio-dia, a gente preparava, arrancava mandioca pros porco e pras vaca, fazia o trato, deixava tudo prontinho. No domingo de tarde era folga, daí a gente ia no culto aqui na comunidade São Donato, depois do culto a gente tinha aquela folga, das três horas da tarde até aí pras cinco horas tinha de voltar, e na segunda tava no pega de novo. A gente não tinha esse negócio de infância, de brincar e se divertir. Jogar bola a gente jogava com uma bolinha de meia. Naquela época não tinha dia de folga, era trabalhar, praticamente, 12, 13 horas por dia desde criança, e quem não tinha força pra ir com uma enxada grande tinha que ir com uma enxada mais pequena, uma foice mais pequena, ou um descascava o milho, o outro ia debulhar, com a mão, com uma maquininha daquelas pequenas. A gente foi sempre dedicado ao trabalho, a gente não teve a infância assim, com diversão, às vezes fazia uma arapuca. E quando ia em um torneio de bola, a gente ia junto, fazia uns 10 quilômetros a pé, de pé no chão pra ir num torneio de bola, pra bater os pênaltis. Quando inventaram que só batia de chuteira, tinha uns três ou quatro que tinham chuteira, daí um ia batendo e ia trocando a chuteira e emprestando pro outro.
JdeB – O senhor acabou deixando a escola na 4ª série, é isso?
Valdir – Isso, eu estudei até a 4ª série e depois fiz o supletivo em Francisco Beltrão. E a minha faculdade maior é da vida.
JdeB – Mas o senhor deixou porque os pais precisavam do filho na atividade da propriedade, é isso ou não tinha motivação?
Valdir – Nós moramos aqui a dez quilômetros do município, na época não tinha transporte, não tinha como você frequentar pra continuar os estudos. Por isso, quando eu fui vereador, o que eu sofri eu não queria que os outros sofressem. Pra você ter uma ideia, a gente tinha de ir a cavalo, mas o cavalo a gente ocupava pra passar o aradinho no meio do milho, no meio da soja, e a gente não tinha condição de fazer 20 quilômetros por dia pra poder estudar, 10 de ida e 10 de volta. Então, a gente fez a 4ª série, quando teve a oportunidade de seguir o Exército em Beltrão eu continuei fazendo o supletivo, e na época não tinha o transporte escolar, daí que o que eu sofri eu não quero que os outros sofram, eu me dediquei muito no transporte escolar. Quando fui vereador eu prometi, que o prefeito mandou prometer na época o transporte escolar gratuito, e eu prometi e ele não cumpriu, e eu acabei pagando do meu bolso, na região que me elegi, pra 98 alunos eu paguei três anos do meu bolso, ganhava 330 por mês como vereador e pagava 450, 500 por mês de transporte escolar, mas cumpri com a promessa de campanha. Tanto me dediquei ao transporte escolar que quando eu, no último ano de mandato de vereador, conseguimos através de uma luta muito grande, eu coloquei o prefeito numa prensa e isentamos o transporte escolar pros filhos de agricultor. E quando eu entrei prefeito foi uma meta de fazer um transporte escolar de qualidade, é onde que hoje nós compramos seis ônibus com recurso próprio, dois ônibus com recurso próprio no primeiro ano de mandato com muita economia, depois comprei mais seis ônibus financiados, e hoje nós estamos com 13 ônibus novos pro melhor transporte escolar do Brasil, hoje é orgulho pra nós. Muita gente não acreditava na gente, porque a gente era agricultor e veio aí fazendo um trabalho que deu uma boa melhorada no nosso município.
JdeB – E ainda na infância, na adolescência, o que o senhor pensava pro futuro. Aquilo que o senhor pensava se concretizou?
Valdir – Bom, eu sempre pensava de permanecer na agricultura. Eu pensava assim, quando a gente plantava milho com aquelas maquininhas de mão, sem adubo, roçava de foice, tinha que, às vezes, lutar com as cobras, matar cobra de pé descalço eu sempre pensava em uma agricultura moderna, aonde que eu olhava, assim, de como ia plantar no meio das coivaras, puxar de cesto nas costas, que nós puxava no tempo das carroças, tempo do boi, do cavalo, pra fazer alimentação você ia nos moinhos próximos – aqui tinha dois -, plantava o arroz pro sustento da família, ia no moinho pro milho, plantava trigo pro sustento da família. E eu pensava que um dia tinha que acontecer uma agricultura moderna, a gente lavrava com boi, mas eu sempre tive uma expectativa avançada, eu sempre acreditava que a agricultura tinha que melhorar, que o agricultor ia ser o responsável pelo sustento do mundo. Eu sempre me dediquei na agricultura. E a ideia da gente era continuar com uma agricultura diferente, moderna e bem mais avançada.
JdeB – E o período no Exército mudou alguma coisa na sua vida?
Valdir – Pra mim foi uma grande escola, porque a gente foi criado aqui na agricultura. Eu fui pro Exército em 79, e a gente era acostumado a trabalhar de manhã à noite, 12, 13 horas por dia, no quartel pra nós era uma moleza, ir lá cortar uma grama, eu era voluntário pra tudo. E eu era o único cara do município de Vitorino que foi servir em 79, e aonde precisasse, limpar um poço, cortar uma grama, descarregar uma mudança, ou fazer um serviço fora, eu era sempre voluntário. E quando eu saí do Exército fiquei amigo dos 134 soldados, tenho uma amizade muito boa, a maioria da equipe de 79 veio por duas vezes já no nosso município pra desfilar junto com nós. Foi uma grande escola pra mim. No quartel, a primeira vez que eu fui receber meio salário eu quase fiquei louco, eu nem pensava o que ia fazer com todo aquele dinheiro. Eu fiz poupança, recebendo meio salário, e eu sempre tinha dinheiro pra emprestar pros soldados. Ia pra casa, a maioria vinha na carona, a gente fez uma amizade muito boa e o Exército pra mim foi uma grande escola.
JdeB – E aquela vez que foi pra cadeia?
Valdir – É, eu fui o soldado que peguei a primeira cadeia de 79, porque nós tava no estante de tiro, tinha um soldado que me encheu a baioneta de pedrinha, e eu percebi que era ele e fui jogar um pouco de poeira dentro do capacete dele, e ele acabou me entregando pra companhia e eu, pra não deixar a companhia sofrer, assumi a responsabilidade, peguei uma punição de oito dias de cadeia, mas depois veio uma visita do general Pacheco, de Cascavel, eu fui inocentado pelas respostas e pelo brilhante trabalho que nós fizemos da apresentação da companhia. Fui inocentado da cadeia e saí com honra ao mérito. Quando saí fui inocentado pelo trabalho, porque eu era voluntário, e fui até perdoado.
JdeB – O senhor ainda hoje costuma fazer poupança?
Valdir – Hoje não, hoje tudo que a gente ganha, arrecada com o trabalho da família, a gente só tá investindo. Eu pego a farinha de um lado, o fermento de outro e tô amassando. Pra tu ter uma ideia, eu comecei em 96, que a gente foi se dividindo da família. De 26 alqueires que eu comprei a parte dos meus irmãos, hoje eu tô com 72 alqueires de terra, temos aqui uma agroindústria de derivados de queijos e embutidos, e fazendo o ciclo completo na propriedade, eu sou muito econômico, mas assim, de dinheiro em poupança, eu já não deixo mais, a gente tá aplicando, plantando, e em vez de fazer uma poupança eu planto dez mil pés de eucalipto, que é uma coisa que vai render muito mais.
JdeB – Antes de ser vereador em 93, o senhor já tinha alguma atuação política no município?
Valdir – Não, eu apenas fui presidente da nossa comunidade em 88, 89 e a gente fez uma revolução também na nossa comunidade, que é São Donato. Pra você ter uma ideia, naquela época nós trouxemos a televisão, a gravação de programas, nós tinha aqueles cinco gêmeos de São Miguel do Oeste, nós tinha seis conjuntos pra tocar o matinê no domingo à tarde, nós tinha também a exposição de máquinas, todas as agências de representação de máquinas agrícolas fazendo exposição, carro e lojas também de Pato Branco e região fazendo exposição na comunidade de São Donato. Eu sempre fui empreendedor, de fazer acontecer, eu nunca gostei de fazer coisas pequenas, sempre foi com algo a mais, na época foi a festa mais grande que aconteceu no município de Vitorino, nunca mais aconteceu uma festa daquela grandeza, só de carne foi vendido no dia 1.800, hoje todas as festas feitas aqui vai em torno de 300, 400 quilos de carne, a gente alcançou um objetivo muito alto.
JdeB – E como a política surgiu na sua vida, como aconteceu de ser candidato a vereador?
Valdir – Eu fui candidato a vereador porque eles enxergaram que o meu trabalho é diferente na propriedade e na comunidade, sempre sendo comunicativo, sempre indo atrás das coisas novas, querendo ver as coisas diferentes, eu sempre fui um lutador. Eu nunca quis ir, assim, de oferecido em política, foi o grupo político que veio atrás e me convidava sempre pra ser candidato. Pra você ter uma ideia em 88, eu tinha 28 anos, e casei com 25 anos de idade, no dia do meu aniversário, quando eu completei 50 anos eram 25 anos de casado. Eu nunca fui atrás de fazer campanha ou de lutar pra ser candidato a nada, a comunidade veio atrás, daí com muito custo aceitei e hoje estamos aí, venho sacrificando a minha família pra poder servir a família dos outros. Eu tenho um dizer: “Trabalho com a minha família para servir a sua”, mas não tem ninguém da minha família trabalhando na prefeitura. Eu trabalho dobrado com a minha família aqui na propriedade pra eles me cederem pra servir a família dos outros.
JdeB – Como é essa história do “abençoadinho, Deus que te abençoe”?
Valdir – Então, eu já quando vim, com 6 anos de idade aqui na comunidade, quando o padre ia batizar as crianças precisava de um menino e uma menina pra segurar a bacia pra eles derramar a água e batizar as crianças, e como no interior a turma é bastante envergonhada, eu tinha aquela coragem de ir lá na frente segurar a bacia pra lavar a cabecinha da criança, e daí eu já era chamado de compadre pelo pai da criança, e quando as crianças cresciam iam dizer bênção pra madrinha e pro padrinho e eu também acabei ficando padrinho deles e dizia “Deus que te abençoe, abençoadinho”, ou “Deus que te abençoe, abençoadinha”. E isso aí não é um ato político, não é nada pra aparecer, mas sim uma palavra muito linda e muito forte pra quem acredita em Deus. E eu peguei aquele costume, porque eu aprendi que uma palavra, Deus que te abençoe, se você refletir é uma palavra muito forte e abre muitos caminhos pra quem você pede. Então, veja bem, não é eu que tô abençoando, eu faço um pedido de Deus que te abençoe, abençoadinho ou abençoadinha. Pegue, deite de noite, faça sua oração e pense bem o que quer dizer Deus que te abençoe. Agora, pra quem não acredita, isso não adianta, mas eu acredito muito nas palavras, porque é uma palavra muito forte e é um costume que a gente tinha e vou continuar com essa palavra até o dia da minha morte, porque com esse dizer a gente é conhecido, inclusive pelo presidente da República, o governador do Estado, eles me conhecem assim, no Brasil inteiro, por abençoadinho, mas na verdade a gente apenas tem o dizer Deus que te abençoe, abençoadinho. E todas as noites eu rezo uma oração pra todos os nossos abençoadinhos.
JdeB – E o senhor tinha bastante afilhados oficiais? (risos)
Valdir – Oficial entre casamento e batizado, entre o município de Vitorino e na região, passa de 400, oficial, né. E aqueles que não é, pra mim são todos afilhados também.
JdeB – E como é que surgiu sua esposa, dona Ivone, na sua vida, como vocês se conheceram?
Valdir – A gente trabalhava na agricultura e frequentava as únicas festas que tinha, era algum baile ou um matinê. A gente se encontrou num matinê, e percebendo que ela era de uma família também que batia com o meu pensamento, uma guerreira, muito trabalhadeira, também não teve oportunidade de estudo. A gente acabou se unindo e foi feito o casamento, e a gente não se arrepende até hoje, criamos um filho, temos só um filho. E hoje a gente tem a condição, ela foi a minha companheira junto com a minha mãe e meu pai, e agora minha nora e meu neto Luís Felipe. Ela foi uma grande companheira pra gente ter essa evolução. Pra você ter uma ideia, a gente comprou a parte de todos os meus manos, era 24 alqueires em tudo, a gente deu a parte pra todos e hoje a gente ainda tá pagando essa dívida, mas hoje a gente tá com 72 alqueires, graças ao grande companheirismo dela. Ela é a prefeita do queijo trançado, ela, o Luís Fernando, minha nora, minha mãe e agora o Luís Felipe são prefeitos do queijo trançado, e eu sou prefeito do município de Vitorino graças ao trabalho deles. O meu filho também acabou fazendo só o 2º grau… eles me cederam pra política. Acabei sacrificando o meu filho de não fazer uma faculdade também, pra poder servir a comunidade.