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Francisco Beltrão
quarta-feira, 04 de junho de 2025

Edição 8.219

05/06/2025

Raimundo de Carli: Sessenta anos de Paraná e Dois Vizinhos

Raimundo Carli, empresário da Cidade Sul, é um dos moradores mais antigos de Dois Vizinhos. Neste mês de agosto está completando 60 anos de sua chegada, junto com os pais, Angélica Zorzi e Francisco Carli, e quatro dos 14 filhos: Santo, Honorina, Glória Benvenute e Raimundo, além dos mais velhos que tinham vindo antes: Caetano (chegou em 46, hoje reside em Baldeário Camboriú) e Jorge (falecido).
Raimundo é gaúcho de Vacaria (nasceu em 15.6.1937). Ele tinha 13 anos quando seu pai, que era construtor de moinhos, decidiu mudar para o Paraná e se tornar agricultor.
O empresário tem dois filhos: o advogado Vinícius, que reside em Flor da Serra do Sul, e Gláucia Aparecida (adotiva), que reside em São Paulo.

JdeB – O que que o senhor lembra de sua chegada em Dois Vizinhos?
Raimundo – A gente veio morar na Nossa Senhora do Amparo, e ficamos 90 dias lá. Em seguida, o meu pai comprou aqui no bairro São Francisco Xavier (de Pedro e Alcides Maia) e daí veio o resto da mudança. Pra falar bem certo, o caminhão veio até no Verê, não tinha ponte no Rio Verê e a estrada não dava condições, dali a gente veio de carroça. Depois foi comprada a propriedade aqui, aí que a gente veio em definitivo morar aí, que vem ser a morada em frente ao moinho do Pagnonceli.

JdeB – E o que que tinha em Dois Vizinhos quando o senhor chegou?
Raimundo – Tinha a bodega do Ari Müller, a bodega do Arlindo Azevedo, o moinho do Arsênio Gonçalves de Azevedo, tinha mais um morador em frente à pracinha, eu não me recordo o nome dele.

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JdeB – E aqui na Cidade Sul o que que tinha?  
Raimundo – Tinha uma escolinha perto do moinho, mas não tinha professor, só a casa. E tinha o cemitério, perto do hospital do Gazale. Depois, eu recordo muito bem, que o Ari mandou chamar pra gente ajudar a roçar ali na praça da igreja, mas aparecemos eu e o filho do Ari Müller, e um tal de Xavier. Viemos em três pra roçar, pra fazer a terceira festa, porque a primeira foi no pátio da bodega do Ari Müller, tinha um lugar bom que foi limpado e arrumado. A segunda missa foi realizada ali. Não tinha capela. A capela foi construída onde é a Praça Ari Müller, já com o Santo Antônio padroeiro.

JdeB – E tinha outra entrada pra Dois Vizinhos ou era só essa do Verê?
Raimundo – Só pelo Verê. E só de carroça e cargueiro. Carroça ainda pra descer a Serra do Lambedor, a gente tinha que trepar do lado da carroça pra ela não tombar! Porque a estrada era toda cheia de buracos de onde os animais pisavam. Faziam trilha.

JdeB – Como é aquela história que comeram um cachorro?
Raimundo – Tem uma história que eles matavam os bichos pra tirar o couro, e daí começou a chover, chover, e não conseguiram mais matar animal nenhum pra se alimentar, e daí diz que mataram uma cachorra e comeram. É história, não sei se é certo ou o quê.

JdeB – Teria acontecido com quem?
Raimundo – Atanásio Pires, primeiro morador lá na Barra do Chopim, onde é a Usina do Chopim 2.

JdeB – E aqui surgiu antes Dois Vizinhos e depois o Girau?
Raimundo – Acho que naquele tempo não chamava Girau Alto. Tanto é que se chama Girau Alto. Onde era nossa terra ali em baixo, tinha um olho d’água que era onde os bichos vinham tomar água, chamava-se lambedor, e como o tiro deu um susto nos caçador, eles fizeram o girau mais alto, daí quando eles iam caçar, eles não iam caçar que nem hoje, eles iam caçar no Girau Alto. Aí eles disseram: “vamos batizar esse rio”, foi quando batizaram “Girau Alto”. E daí o lugar se chamava Girau Alto até um certo tempo.  Depois, na gestão do Jaime Guzzo, passou a ser Cidade Sul, mas antes era Girau Alto.

JdeB – O pessoal fala que tinha uma rivalidade grande entre as duas vilas. O senhor chegou a sentir isso?
Raimundo – Sim, um pouco era por causa de política. Tinha o PTB e o PSD, então tinha aquela rivalidade. Porque, na realidade, a igreja era pra ser ali onde é a Suvel, daí o padre marcou que era pra ser ali, mas daí quando ele veio, não tinham formado diretoria, não tinham feito nada, aí ele foi lá no Ari Müller, ele já tinha marcado pra vir rezar uma missa aí e fazer os batizados, deu 260 e poucos batizados.

JdeB – Tá, mas então a igreja era pra ser na Cidade Sul?
Raimundo – Era pra ser ali. É, meio a meio. Era pra ser ali onde é a Suvel. Aqui no meio das duas. Depois começou aquele puxa ali, aí onde foi que o Arlindo Azevedo, que era o outro comerciante, ele passou, montou a bodega dele, que era ali perto do Mercado Amigão, ele passou e montou aqui perto do… aqui na Cidade Sul, ele montou a bodega dele ali. Ele reforçou mais. Foi um dos muitos bom comerciantes como o Ari Müller também, que deu a quadra pra igreja.

JdeB – Dos seus 73 anos, 60 vividos em Dois Vizinhos, a maior parte da sua vida. Se voltasse atrás, hoje viria de novo pra cá, ou iria pra outro lugar?
Raimundo – Áh, não, se eu fosse novo eu voltava aqui. Se eu fosse novo e se fosse sertão que nem era aquela vez, eu me interessaria de novo. Mas com a experiência que eu tinha, porque naquela tempo eu não tinha experiência. E eu até meus 22 anos quem comandava em casa era o pai, eu não fazia negócio nenhum. Depois é que eu fui aprender a negociar, comecei a viajar, conhecer o mundo, que é muito, muito, muito interessante viajar, conhecer, saber respeitar e ser respeitado.

JdeB – Então a história que você contava, Raimundo, se foi você que não vinha mais trabalhar na roça e ia ser advogado? Como é que teu pai falou?
Raimundo – Inclusive um dia eu tava carpindo e bati com a enxada no pé, cortou o dedo e daí joguei a enxada fora! Joguei e voltei pra casa; eram 9 horas, 10 horas. O pai disse: “Como que já voltou?”. Digo: “Eu não vou mais trabalhar na roça”. Daí ele disse: “Vai trabalhar de contador?”, porque eu não sabia quase ler e escrever. “Ele vai trabalhar de contador!” Não, de guarda-livros que chamavam antigamente. Daí eu disse: “Não, eu vou trabalhar em qualquer outra coisa”. Aí fui enfrentar profissão de ferreiro, foram dois anos de ferreiro, aí que passei a trabalhar com caminhão, motorista, nos anos 60. Tenho 50 e poucos anos de motorista, motorista e comércio. Mas quando eu fui aprender a dirigir, trabalhava como motorista, empregado, tinha um caminhãozinho, quebrei.

JdeB – E qual foi  a dificuldade maior que o senhor enfrentou nesses anos todos?
Raimundo – Ah, naquele tempo a gente não ligava. Sofria. Eu passei bem, graças a Deus. A dificuldade maior foi quando eu me acidentei, o primeiro acidente em 2000 foi com um jipe meu contra um ônibus, o ônibus me pegou numa curva e me jogou dois metros e oitenta de volta. A dificuldade foi aquela ali, que fiquei uns meses sem trabalhar.

JdeB – Como era no começo aqui, como se viravam, compravam o quê? O mantimento, a roupa, calçado, onde que comprava?
Raimundo – Naquela época se escolhia, por exemplo, eu recordo uma vez que meu pai colheu uns três, quatro sacos de feijão e não tinha comércio pra transportar pra fora. Com muito custo foi vendido na bodega do Veraceno e o Ari Müller também comprava soltinho porque ele levava até na Coxilha Rica, o Varaceno tinha um comércio muito forte lá.

JdeB – Levava de carroça?
Raimundo – De carroça! E de lá trazia a mercadoria, esse Ari Müller e o Arlindo também, toda mercadoria era buscada de carroça no Verê, Itapejara, Coxilha Rica, o comércio era isso aí. Cerveja, por exemplo, não existia, porque não iam fazer, mais era bebida assim nas bodega, era vinho e cachaça.

JdeB – E armazém?
Raimundo – E armazém era açúcar em bolsa, em quilo, sal em bolsa. O comércio maior era do tal sal. Caçador, matava um bicho, salgava uma carne e tudo.

JdeB – Como seu pai comprou o sítio, trouxe dinheiro de lá?
Raimundo – Trouxe dinheiro do Rio Grande, ele vendeu um moinho lá e comprou o sítio ali. Pagou 25 contos. Depois ele dividiu, que era 100 alqueires mais ou menos, dividiu um pedaço pra um filho, um pedaço pra outro. E dividiu pra todo mundo. Teve uns que já tinham ganhado a parte no Rio Grande, daí aqui eles pagaram pro pai. Mas é muita dificuldade. Eu, por exemplo, teve uma época que eu puxava no sábado, eu puxava muita madeira, tábua, quando saiu a primeira serraria do Pierino Galvão, aí eu pleiteava com a carroça e ganhava uns trocos. O que eu ganhava com a carroça, com as junta de boi, eu puxava. Eles iam fazer uma casinha ali pra cima, não tinha quem levasse a madeira, daí eu carregava e levava. Depois veio mais serrarias também, então era muito dificultoso, aí eu ganhava uns troco. Eu até puxava também, o açougueiro carneava lá embaixo no Rio Girau, e eu forrava a carroça com folha de palmeira pra trazer a carne pra cidade. Não existia o plástico. Então daí forrava bem limpa, lavava as folhas, a carroça e carregava os quatro pedaços. Eu ficava o dia inteiro, era o Zeca Açougueiro, e ele me dava 50 mil réis, seria no valor hoje de 50 reais mais ou menos, nem bem isso acho que não era.

JdeB – Em 57 o senhor tinha 20 anos. O senhor lembra o que do tempo da revolta?
Raimundo – Ah, eu lembro muita coisa, mas eu nem gosto muito de comentar. Mas mesmo que o pai não deixava a gente sair, porque mais era notícia braba, que acontecia, acidente. Rádio não tinha, então não ficava sabendo quase nada. Tinha meus irmãos que vinham pra cidade, eles contavam.

JdeB – O senhor acha que ficou muito tempo essa estrada do Verê pra Dois Vizinhos passando só carroça?
Raimundo – Eu não recordo agora bem certo. Porque o primeiro caminhão que veio em Dois Vizinhos parece que foi o Ibraino Vegote, mas eu não recordo agora em que ano foi, que era o primeiro caminhão que veio. Depois veio os Pinzon morar e já vieram com um fordinho alemão, caminhãozinho. O Saraiva era o motorista dos caminhão, porque não tinha motoristas. Saraiva, Claudino Galvão. Claudino Galvão era um que trabalhava com dois caminhão, pro Arlindo Azevedo e pro Vegote. Isso aí foi muito sofrido, os caminhão na primeira época passavam por dentro da água. Por exemplo, eu recordo do meu compadre Neri Bonato que cansou de trocar diferencial de caminhão dentro do rio, porque quebrava ali dentro e não tinha outro repuxo, não tinha máquina pra puxar o caminhão. Tinha que arrumar ali. Então o Neri era o braço direito dos outros e não dele. Quebrava, o que iam fazer? E ele era um homem entendido, me ensinou.

JdeB – O senhor lembra da primeira vez que votou?
Raimundo – Lembro, foi em 60, foi antes das eleições do município, pro município foi a segunda vez que eu votei. O município foi em 61. Votei pro (Ervelino) Coletti. E prefeito de Pato Branco não sei se foi o Ivo Thomazoni, era comandado pelo Coletti.

JdeB – E sua família se envolvia na política?
Raimundo – Não. Só eu que uma vez, porque o gerente do Banestado tinha uma boa amizade, ele quis ser candidato, porque o governo queria que fosse candidato. Daí ele pediu que eu fosse, mas eu fui contra a vontade. Mais sempre, eu graças a Deus, sempre que eu votei, que foi pra dois, três, mas sempre minha amizade conservou.

JdeB – Seu Raimundo, do pessoal antigo de Dois Vizinhos, quem mais tem aqui, quem o senhor encontra, dos anos antigos?
Raimundo – É, eu sou, que me considero o único aqui dentro da cidade. Aí tem o Saraiva, que veio logo em seguida. Foi o meu irmão que construiu e vendeu a terra pra ele, e construiu a casa. Ah, o Miro Galvão veio logo em seguida também, ele é um dos antigos. E, depois do Saraiva, os Pinzon.

JdeB – Quando o senhor chegou  tinha padre aqui?
Raimundo – Não, não. Esse Padre Florenço parou no Verê e daí soube que Dois Vizinhos estava desenvolvendo umas vendas, ele veio e se instalou. Chegou aí e formou a paróquia.

JdeB – O senhor imaginava naquele tempo que pudesse se transformar numa cidade como está hoje?
Raimundo – Não, porque a gente não tinha estrutura, não tinha ensino. Mas o meu pai, eu lembro quando ele falou, que deu aquela festa, aquele monte de batizado em 60, de 200 e poucos, o meu pai que já tinha uma boa experiência ele dizia assim: “Vai ser um lugar muito bom aqui, uma cidade muito grande”. Só que em 59 ele faleceu. Mas ele pregou.

JdeB – E hoje o que o senhor diz de Dois Vizinhos, como o senhor vê essa cidade?
Raimundo – Hoje é excelente de bom. Temos tudo aí. Tudo bem formado. E pelo que eu posso dizer, por exemplo, que eu fui uma pessoa de muita sorte, nunca vi brigarem de um matar o outro; nunca fui na delegacia pra dar depoimento, eu só ia na delegacia pra tirar licença pra baile e pra igreja, isso porque eu trabalhei muito na igreja aqui da Cidade Sul; e no Fórum, fui do corpo de jurados; também nunca tive inimizades, sempre tive boas amizades, graças a Deus.

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