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Francisco Beltrão
domingo, 15 de junho de 2025

Edição 8.226

14/06/2025

Rosa de Mattes Ferreto: A viúva do expedicionário Constante Ferreto

Dona Rosa, 80 anos, é viúva de Constante Ferreto (26.9.19 a 19.5.95), expedicionário que foi pioneiro de Francisco Beltrão. Ela também foi pioneira. Chegou com seus pais, Alberto Fernandes e Luíza Maria de Mattes, na metade dos anos 40.
Nascida em Nova Prata (RS), dia 10 de maio de 1930, Rosa de Mattes Ferreto é hoje uma das moradoras mais antigas do interior do município. Desde que casou com Constante Ferreto, no fim dos anos 40, reside no Km 8, atualmente junto com os filhos Nelcy e Valmir.
Rosa e Constante tiveram dez filhos: Gessi (reside em Cascavel), Geni (Curitiba), Gastão (Londrina), Raul, Maria, Nelcy (todos de Beltrão), Hélio (Sinop), João Carlos, Hortência e Valmir (único solteiro; os últimos três também estão em Beltrão). Tem 18 netos e 11 bisnetos.
Constante Ferreto participou da 2ª Guerra Mundial, combateu na Itália como integrante da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Ao retornar da Europa, teve um filho no Rio Grande do Sul (Antônio Constante), mas depois mudou, sozinho, para Bituruna, no Paraná, de onde veio, cerca de um ano após, para a Vila Marrecas. Foi hóspede do Hotel do Damásio, o primeiro da vila. Logo casou com Rosa de Mattes.
Dona Rosa, muito atenciosa, acompanhada da filha Nelcy, respondeu várias perguntas ao Jornal de Beltrão, para esta entrevista.

JdeB – Como foi o namoro de vocês?
Rosa – Nosso namoro não foi muito demorado, não. Ele tava no meio da homarada, como dizem os jovens, tinha umas 30, 40 pessoas de homem, e ele tava no meio desse barracão que eles construíram pra Cango, e ele disse: “Eu vou dar um jeito de cair fora dessa turma aqui, eu vou arrumar uma mulher pra casar!” (risos). E aí casamos, eu era bem nova. Meu pai não queria, ele disse: “Tu vai sofrer com esse homem, do jeito que tá pulando pinheiro com o cavalo, desse jeito correndo e bêbado!”. E eu disse: “É meu destino, pai, e se for pra me acontecer isso eu vou me casar com ele”. Casamos, vivemos juntos e, graças a Deus, nunca me surrou, nunca judiou dos meus filhos nem nada. E estamos vivendo desse jeito, vivendo muito bem.

JdeB – Aquelas crises que dava nele, aqueles tiros que ele dava dentro do Hotel do Damásio, era porque ele bebia?
Rosa – Era porque ele bebia. Ele saía daqui às vezes e ia comprar pinga no Damásio e lá ele se achava, decerto, e começava dá tiro de varde, porque matar, matar ele não matou nenhum, graças a Deus.

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JdeB – Ele sempre lembrava do tempo da guerra?
Rosa – Sempre, sempre. Sempre se lembrava do tempo da guerra. Quando vinha visita ele começava puxar dos tempos que foi na guerra e coisa. Ele passava a contar pra essas pessoas, sabe, contava pra essas pessoas do jeito que ele passou lá. Mas era triste, ele disse, era triste porque matava muita pessoa, e do meu tempo, ele dizia, não sabia o que era isso, mas era obrigado, aí tinha que fazer, como os outros atiravam, ele tinha que atirar também. Mas dava dó. De noite, quando ia dormir, ele ficava sentido, “Por que eu matei essas pessoas? Eu não devia fazer isso!” Mas os outros diziam “é guerra, nós temos que guerrear contra os italianos e os alemão! Temos que guerrear!” E era assim.

JdeB – Quando ele falava da guerra, depois ele não dormia direito?
Rosa – Não dormia direito. Ele variava muito, falava, conversava a noite inteira, ficava conversando. Decerto ele sentia que aquilo não era pra ele fazer, e ficava com ele.

JdeB – Mas ele foi um homem trabalhador?
Rosa – Mas Deus o livre! Não tenho queixa! Era um homem muito trabalhador! Depois que ele fez tudo aqui, as nossas roças, ele trabalhava fora pros vizinhos. Ele era um homem muito trabalhador.

JdeB – E naquele tempo era tudo a braço ou já tinha boi?
Rosa – Não, era tudo a braço, depois ele começou a comprar uma junta de boi, começou a lavrar, e fazer os pedaços de roça pra nós.

JdeB – Ele derrubava mato?
Rosa – Ele derrubava o mato. Cortava mato. Pinheiro, tinha bastante pinheiro. Pinheiro dessa grossura! Se eu conto pro senhor que eu tenho até uma serra americana, que eu e ele serrava pinheiro. Desse tamanho assim! Grosso! Eu serrava com ele aqui no meio do mato. Eu ajudava serrar e ajudava queimar. Nós desmanchava aqueles pinheiro pra fazer tabuinha, pra fazer uma casa pra nós, diferente. Que era tudo rancho. O primeiro rancho a fresta maior era assim. E nós moramos nesse rancho a vida toda.

JdeB – Quando a senhora casou, ele já tinha feito uma casinha?
Rosa – Não, não. Construímos nós juntos, quando viemos pra cá construímos junto.

JdeB – Mas o dia em que casaram foram morar onde?
Rosa – Num ranchinho que ele fez, mas pequeno, sabe. Só da gente colocar uma chapa, mas era uma chapa das antigas, só da gente colocar ali, e nós morava num ranchinho pequeno.

JdeB – E o dia do casamento, como foi? Choveu?
Rosa – Deu Sol. Um dia muito bonito foi o do meu casamento. Foi no Km 8 o casamento. Eu casei lá no Santana.

JdeB – Ah, casou lá no Santana. Foi de manhã ou tarde?
Rosa – Foi à tarde. Numa tarde com um caminhão. O primeiro caminhão que entrou aqui, foi com um caminhão. E aquele caminhão matava muito bicho, sabe, levava couro pra fora, pra cidade.

JdeB – E tinha muitos convidados no seu casamento?
Rosa – Tinha umas 30, 40 pessoas só. Bem pouquinho.

JdeB – E depois de casados teve festa, como foi?
Rosa – Não, nós tivemos um bailezinho de noite, numa casa, no vizinho. Nós fizemos um bailezinho e dançamos até umas horas. Com gaiteiro.

JdeB – Na mesma noite vocês já foram dormir no ranchinho?
Rosa – Dormimos no ranchinho a primeira noite.

JdeB – Com tigre lá fora?
Rosa – Não, já tinham matado o tigre (risos). Tinha bicho brabo quando entramos aqui, tinha tigre, tinha leão, tinha tudo isso. Mas a turma de companheiros dele que morava no 8, aqueles 30, 40 pessoas de homem que tinha, era só homem bem dizer, vinha com eles, mataram antes de nós vir pra cá, mataram esses bicho brabo. Ele disse: “Vamos comigo lá, eu vou morar no mato, mas eu quero que vocês me deem uma mão, ajudar a matar esses bicho”, e aí veio aquela turma com as espingarda e atiravam, matavam.

JdeB – E o seu vestido era aquele branco de noiva?
Rosa – Era aquele branco de noiva. Foi comprado em Pato Branco. Foi meu pai que me comprou um vestido branco.

JdeB – Teve fotógrafo também? Foi feito foto?
Rosa – Não, não foi feito foto.

JdeB – E logo começaram a aparecer os filhos?
Rosa – Não, eu fiquei dois anos aqui sem ter nenhum. A gente controlava. Ele quando não bebia, quando era são sempre me ajudava fazer tudo o que eu pedia. Ele era um homem muito boa pessoa. Ele era bêbado e tudo meio louco na bebida, mas ele era muito boa pessoa. Mas no começo, se contar pro senhor, passamos fome. Logo que casamos, eu ia catar aqueles raditi do mato. Se tivesse criança, acho que teria morrido de fome.

JdeB – E aí, nasceram os filhos, um cada dois anos?
Rosa – Das vezes primeiras era dois anos, dois anos e pouquinho cada um. Longinho um pouquinho, porque tinha que… (risos).

JdeB – E a senhora tinha alguém que lhe ajudava em casa?
Rosa – Eu tinha que me virar sozinha. Tinha a minha mãe que morava ali no 8, ela me ajudava. E a cegonha também que tinha que cuidar de mim quando eu ficava doente, ela vinha, ficava aqui comigo, era uma velhinha separada do marido, mas ela me ajudava também. Queria muito bem pra velhinha.

JdeB – No começo tinha muita cobra aqui?
Rosa – Ah, cobra tinha bastante, nossa senhora! Quanta cobra que tinha! Vinha cada uma que às vezes o Constante ia fazer cerca no mato pra nós criar porco, e começar a criar os bichinho. Ele dizia que tinha aquelas cobras grandes, e ele matava. Mas cada cobra que era isso! Cobra grossa mesmo. Ele dizia que tava cheio de cobra, “tu não facilita sair muito no meio do mato que as cobras te pegam!” E eu me cuidava, sabe, mas quando chegavam muito perto de casa eu matava! Elas atacavam as galinhas, queriam pegar os pintinhos. E eu matava elas, não deixava matar meus bichinhos.

JdeB – Criou coragem?
Rosa – Criei coragem (risos). A gente no começo tem que ter uma coraginha, né.

JdeB – A senhora criou a sua família sadia, todos os filhos.
Rosa – Graças a Deus, quase tudo sadio. Bem pouquinho que levei em médico.

JdeB – Sempre parto natural?
Rosa – Sempre natural. Todos.

JdeB – E quem lhe assistia?
Rosa – Só essa velhinha que eu contava pro senhor e o meu velho. Nona Bera que eles chamavam, mas era Maria Luiza.

JdeB – Todos nasceram com ela?
Rosa – Não, o mais velho nasceu com a dona Rosa, três.
Nelcy – A Gessi, a Geni e o Gastão nasceram com outra parteira, a falecida Rosa Zucchi. Do Gastão pra baixo nasceram com a nona deles.
Rosa – E três nasceram com a dona Niquilina, a velha mãe da Antoninha. É, graças a Deus não tive nenhum no médico, tudo em casa.

JdeB – O que a senhora lembra do Damásio Gonçalves?
Rosa – Ah, me lembro pouco. Nós ia lá na casa dele às vezes, ele tinha um armazenzinho e nós saía cedo daqui e ia tomar café lá. A gente controlava, nós gostava dele, o meu marido gostava muito dele.

JdeB – Desses 60 e tantos anos aqui, dona Rosa, qual foi o melhor período que a senhora viveu?
Rosa – Ah, mas agora… Sempre vivi bem. A felicidade da gente, que passeamos bem, como dizia a Hortência quando fazia festinha em casa, nós era tudo de acordo, nunca tivemos intriga com ninguém. Sempre vivemos bem. Os vizinhos que nós tinha eram tudo bom vizinho. E fomos vivendo assim. É o Constante, do jeito que ele era. Todo mundo conhecia ele, e respeitava, diziam que ele era um homem da guerra, porque tinha que ter muita coragem pra ir na guerra pra brigar, e diz que tudo eles tomavam aquela injeção forte pra ter coragem pra atirar nos alemão.

JdeB – E no tempo da política, ele se envolvia?
Rosa – Não. Ele não se envolvia na política.

JdeB – Aconteceu alguma coisa com vocês no tempo na Revolta?
Rosa – Tinha no tempo da Revolta que deu na primeira vez em Beltrão, tinha gente daqui do 8, se eu conto pro senhor que tinha aquelas tocas daqueles bicho brabo assim, foram cair dentro das tocas dos bicho pra se esconder, pra correr da turma lá, da guerra, tavam com medo e corriam pra cá se esconder (risos).

JdeB – A senhora não foi pra cidade naqueles dias?
Rosa – Não, não fui.

JdeB – E aquela vez que ele conseguiu o sítio da Cango?
Rosa – Sim. Ele foi tirar o sítio daqui, ele foi em Pato Branco, com o Bauduíno Daros e o Comunelo. Foi lá e disse assim: “Qual é de vocês três que são expedicionário?” E ele disse: “Nós dois não, mas o Constante Ferreto é expedicionário!” “Esse aí tem direito da terra, mas vocês dois por enquanto não têm direito de terra.” E daí ele veio e tirou o sítio. Ele mesmo marcou o sítio. É esse que nós temos até hoje. Graças a Deus.

JdeB – Ele era muito amigo do Damásio?
Rosa – Era, era bem amigão do seu Damásio. Só que eu quase não saía, ia ele pra cidade, eu ficava. E ele disse que, Deus o livre, era muito amigo do seu Damásio.

JdeB – Quando a senhora chegou, o que que tinha em Beltrão?
Rosa – Ah, quando eu cheguei em Beltrão não tinha nada! Daí que construíram um rancho comprido, sabe, um rancho grande e coberto, e daí começaram erguer e tirar madeira e vir madeira de fora pra fazer o começo da cidade. Ali onde tem o quartel, ali foi o começo das casas que fizeram. É bem onde que tem o quartel. Era tudo ali.

JdeB – A senhora viu a cidade nascer.
Rosa – Sim, vi a cidade nascer. Quando chegamos, não tinha nada, nada. eu vou agora pra Beltrão, fico boba. Não tinha uma casa, nada.

JdeB – E a senhora tem ido seguido pra cidade?
Rosa – Sim, eu ia seguido, às vezes com ele nós ia lá no Balduíno, ia no Francisco Comunelo. E tinha um médico também, o primeiro médico veio de Pato Branco e morou junto na casa da dona Elsa e Francisco Comunelo que ela fazia a cozinha dela era pra lá, e o médico era pra cá. Era o médico que nós tinha. Nós ia seguido pra lá.

JdeB – E hoje, quando a senhora vai pra cidade, vai em que lugar?
Rosa – Ah, eu vou fazer rancho, vou fazer compra. Eu vou no quartel, todos os meses eu vou no quartel. Uma vez por ano. Em maio, no dia do meu aniversário ele disse que é pra mim tá lá, no mês de maio, 10 de maio. E tá chegando o dia pra mim ir lá de novo.

JdeB – O que que a senhora gosta de ver lá na cidade?
Rosa – O povo, que são tudo de acordo. É bonita a cidade, bonita e bastante gente, tudo de acordo. E na igreja nós imos.

JdeB – A senhora vai na missa na Concatedral?
Rosa – É, nós imos na missa seguido, quando não tem os bichinho ali, os pintinho, que nós temo aviário, daí a gente vai.

JdeB – E do Suplicy?
Rosa – O doutor Suplicy era um homem muito bom, que mandava tudo ali, ele era o governador da turma, era ele. O primeiro homem que entrou na cidade era ele, que veio do Rio de Janeiro. Era o doutor Suplicy que mandava tudo aí.

JdeB – Quando a senhora casou, a senhora trabalhava, ajudava a mãe, já sabia cozinhar?
Rosa – A falecida mãe me deixava fazer comida. Ela dizia: “Tem que aprender fazer comida, porque daí você casa e tem que fazer comida pro marido e cuidar de uma casa, que nem uma dona de casa”. E a gente tinha que fazer, eu fazia comida, lavava roupa, ajudava, quando não tinha serviço na casa, a fazer alguma coisa na roça. E ajudei ele trabalhar na roça também.

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