10.7 C
Francisco Beltrão
segunda-feira, 30 de junho de 2025

Edição 8.235

28/06/2025

Sebastião Telles da Silva: temos dois dentro de nós, o Caim e o Abel

Sobrenome Silva, mas ele garante que não é o original, seu avô era judeu e o pai veio do Ceará. Aos 82 anos, ele ensina como levar uma vida tranquila, mas travando sempre um combate interno entre Caim e Abel, um do mal e outro do bem que tem dentro de nós.

 

No próximo dia 18, seu Sebastião Telles da Silva vai completar 82 anos. Ele tem um jeito calmo e sereno de se relacionar com as pessoas e a filosofia de vida que ele pratica é assim mesmo. Alerta que existem dentro de nós um Caim (que é mau) e um Abel (que é bom) e que nós devemos defender o bom. E fazer o bem para as pessoas.
Descendente de judeus, cultiva as tradições judaicas e ganha a vida como pintor. 
Foto: Ivo Pegoraro/JdeB

 

Depois de morar em muitas cidades, acompanhando seu pai que era mascate, Sebastião Telles da Silva veio a Francisco Beltrão fazer umas pinturas durante a Exposição Regional (atual Expobel) de 1974 e acabou ficando. Aqui constituiu nova família e hoje conta com quatro filhos, sete netos e vários bisnetos e trinetos.
Nascido em São Pedro do Turvo, SP (18.12.34), é filho de Júlio Telles da Silva e Izabel Flauzina da Rocha. Com a primeira esposa, Eunice Petruski, teve duas filhas: Débora, que é advogada em Palhoça (SC), e Tânia, que fabrica celulares em Ribeirão Preto (SP). De seu segundo casamento, com Odete Ana Goerck, tem Kalil e Laís Latife (mãe da Amanda). 
Em 42 anos de Francisco Beltrão, sempre com seu jeito simples e atencioso, seu Sebastião fez muitos amigos e despertou a atenção de quem gosta de reconhecer o trabalho e a conduta dessas pessoas, como aconteceu com o Rotary, que lhe fez uma homenagem.
Pessoa simples, diz aos amigos “me chamem de Bastião e agradeçam o Luiz Alberto Tomazoni, ele é um executivo amigo da gente, não sei nem como agradecer”.
Seu Sebastião diz que o sobrenome Silva foi acrescentado no Brasil, depois que seu avô veio da Europa, fugido da guerra entre alemães e judeus. 
Do judaísmo, ele preserva a religião e ensinamentos que, através de seu pai, herdou dos antepassados. E diz que “existem dois dentro de nós, o Caim (mau) e o Abel (bom)”, e devemos lutar para que o bom prevaleça.

- Publicidade -

JdeB – O senhor viveu muitos anos em São Pedro do Turvo?
Sebastião –
Saí de lá com 6 anos, fui pra Bernardino de Campos (SP), fui pra Siqueira César (SP), meu pai mudava sempre, meu pai era mascate. Ele tentou outros trabalhos, não deu certo, daí começou a mascatear. Pegava as malas e saía, às vezes levava um dos filhos junto.

Qual é a origem do seu pai?
 Ele nasceu no Ceará. Quando saiu de lá, não veio pro Sul porque tinha muito alemão aqui e eram inimigos lá da guerra, porque teve uma revolução em 1917. É uma história que eu nem sei contar direito. Depois que veio pra cá que ele viu que nem era assim tão assustador.

Qual era o seu sobrenome original?
Meu avô veio de Israel, chamava-se Gil Telles, esse Silva foi colocado aqui, não existia. Até o meu filho assina Telles, não gosta do Silva por causa da história. Eu tenho lá em casa a Mezuzá. Sabe o que é Mezuzá? Quando da época de Moisés, quando eles foram sair do Egito e ir pra terra prometida, que Deus começou mandar castigo lá pros faraós, tinha que ter um sinal no batente da porta pra não morrer os filhos primogênitos judeus, ia morrer só os primogênitos egípcios. Então eles matavam o carneiro e passavam sangue de carneiro no batente pra não morrer.

Qual é a religião da sua família?
A minha mulher é católica, mas não segue, os católicos não seguem a religião direito. Eu sou judeu.

O senhor pratica o judaísmo?
Pratico. Você conhece a Cabala? A Cabala é o seguinte: sexta-feira, às quatro horas, quatro e meia, você tem que preparar duas velas brancas, em uma mesa com a toalha branca que não tenha nada, e fazer as orações agradecendo. Esse é um ritual que eu faço. Também tem o Yom Kippur, todo ano eu tenho que pedir perdão pra Deus, se eu te prejudiquei, do mal que eu fiz também, que ninguém é puro. Isso chama dia do perdão.

Da família alguém seguiu o senhor?
O meu filho não precisa eu nem falar nada pra ele, o que eu faço, ele faz, e a menina também. Só que o Sul discrimina nós por causa disso.

Por causa da religião?
É, aí eu não dou nem bola, porque eu não tenho a religião por propaganda, eu tenho a religião pra viver bem. Se você está conversando aqui comigo, me tratando bem, eu devo ao judaísmo que me ensinou o que é educação. Isso que o Tomazoni me fez, ele e o Fábris, devo também ao judaísmo, tiveram admiração por mim, por causa do meu jeito de conviver com eles, porque eu sou o seguinte, pode passar 100 anos, se você é meu amigo, eu não vou falar nenhuma palavra pra te prejudicar, nem por brincadeira, eu compartilho com você o bem. Eu tenho uma relação de pessoas que pedem pra mim fazer oração pra eles, não sei o que eles veem, mas essa oração eu sempre venho fazendo, pros meus filhos ir bem na vida, progredir, trabalhar, não prejudicar ninguém, não roubar ninguém. Tem gente que tem admiração por isso, dá o nome. Todo dia eu tenho esse compromisso, chegou naquela hora certa, eu vou pro quarto, fecho, faço as orações, aí sim eu fico livre.

O seu pai vendia o que como mascate?
Em São Paulo, falava com os patrícios, eles davam cinta, roupa, meia, tecido pra ele vender. Ele vendia e levava o dinheiro, pagava, eles faziam um preço bom pra ele também, tudo companheiro, e o que sobrava ele gastava com a família. Ele levou a vida muitos anos assim.

Andaram muito em cidades de São Paulo e depois vieram pro Paraná?
No Paraná andei bastante, aquela linha do Norte de Maringá conheço tudo. Por qualquer bronca, meu pai tinha medo de ser discriminado e passava de uma cidade pra outra. Pra ele era fácil, era só vender.

E o seu casamento como foi? 
O meu casamento primeiro foi em Pitanga, mas depois separei da esposa, naquele tempo tinha o desquite, não é como hoje, ficava dois anos aguardando a separação. Passou 25 anos, casei com essa, mas eu casei por causa dela, tava bom do jeito que tava.

Casou em Beltrão?
Casei, tava bom, sabe por quê? Não me preocupava com nada, tava tudo em dia, mas ela começou atravessar na minha frente, convidava pra levar não sei aonde, eu tinha naquele tempo o Charle, não sei se você lembra, então ela começou me levar em tal lugar e dali foi surgindo um negócio. Um dia eu peguei uma dona pra dar um passeio, com respeito, não tinha maldade, essa que é minha esposa disse “qual é a tua, quem é essa dona?” Aí que eu descobri que ela estava a fim.

Como é que o senhor veio parar em Beltrão?
Eu sempre fui pintor. Morava em Apucarana e tinha um senhor com cinco parques de diversão. Ele disse “tô com ideia de empreitar um serviço pra reformar um parque meu”. Eu disse “mas eu tô pronto pra ir, não tenho compromisso com ninguém”. Aí ele disse “é lá em Francisco Beltrão”. Eu disse “onde é isso?” Ele disse “eu te levo lá”. Quando eu cheguei aqui de noite, veio o capataz dele e disse “vamos conversar lá no escritório na Expobel, eu vou te dar o serviço que o Lourival mandou, mas 12% do lucro do senhor é meu”. Eu falei “então você está falando com a pessoa errada, não vou trabalhar pro senhor”. Ele falou “ah, não, agora você não vai fazer eu passar vergonha”. Eu falei “ah, não, você já fez eu passar vergonha, você é agiota, malandro”. Nessa mesma noite eu conheci o Ezidio Perondi, o Dama, o Domingos Pessoa e conheci mais um cara, e esse cara disse “não, você não vai embora, você vai ficar, amanhã na exposição você vai fazer o meu serviço”. Eu fiquei, mas não trabalhei pro homem. Fui ficando e tô até hoje. Consegui comprar terreno, fazer a casa, comprar carro. Eu não tô bem de vida, mas também não tô mal. Eu não gosto de prejudicar os outros. 

E nesse tempo o senhor viveu só de pintura?
Toda a vida, nunca tive vontade de fazer outra coisa. Todo dia eu pinto, tô pintando tela aí pra turma.

Faz tempo isso?
Toda vida eu fiz. A dona Carmes Franciosi fez amizade comigo pra ver como é que eu pintava as telas. Aí só tive um problema, eu nunca tive coragem de pintar tela e estar oferecendo pros outros, eu não tenho jeito de chegar e dizer ‘quer comprar’ e tal. Eu só pinto quando o cara pede.

Como aprendeu pintar?
Eu aprendi a pintar na marra. Quando saí de Pitanga, eu vim ali pra Arapongas, Norte do Paraná, que tinha um progresso tremendo ali, tinha uma propaganda de muito serviço, o serviço era tudo braçal, fazer buraco, fazer palanque, servente de pedreiro, e aquele tempo não existia tecnologia que existe hoje pra construção, era tudo no pesado mesmo. Comecei trabalhar como pintor fazendo caiação nos prédios. “Ô chefe, me faz uma plaquinha escrito ‘vende-se'”. Peguei e escrevi com carvão. Gostei do negócio, a turma precisava de alguma coisa, me chamava, aí eu comecei comprar pincel, parece que o negócio já foi vindo, quando eu vi, já tava pegando letreiro aprendi sozinho.

Estudou onde?
Ah, o estudo meu foi perturbado, eu consegui estudar um pouco aqui em Beltrão. Eu entrei no primário em Bernardino de Campos, meu pai mudou de lá, foi pra Avaré, fui lá também, já atrapalhou. No fim eu cheguei à conclusão de que era melhor parar. Eu saía da sala e levava castigo, porque era tudo diferente. Aqui em Beltrão fiz amizade com o professor Bráulio, falecido Vicente de Carli, com o Ivaldo, irmão do Paulo Schwartz. Essa turma toda me incentivou a entrar no Supletivo Brasil ali na Pernambucanas. Aprendi bem porque tinha interesse. 

Qual é o segredo da pintura, Sebastião?
O segredo da pintura é nascer com ela por dentro. Ter ela dentro da mente e tentar passar pra tela. No começo o cara tem dificuldade, mas ele tem que ir desenvolvendo. Se tiver vocação, vai; se não tiver, abandone. 

Por quê?
Nós temos dois dentro de nós. Um é Caim e o outro é Abel. Quando você tá bem, as coisas começam dar certo, é o Abel que está agindo. Quando se está mal e vai mal é o Caim. É assim que funciona. O importante é matar o Caim que tá dentro de você, porque o Caim traz preguiça, e a preguiça é terrível. O Caim era assim, só pensava nele. Ele não pensava no outro. O Abel já compartilhava. E nós temos esses dois dentro de nós. O cara tem que conhecer isso e lutar contra isso. Se tem um grande um inimigo que às vezes te acaba. Pra eu configurar o negócio: o medo. O medo é um inimigo terrível. Perde negócio, deixa de fazer viagem, deixa de socorrer um amigo, não compra remédio pra melhorar. Tudo que é bom nós temos que aproveitar dos profetas. Jesus não tinha esse inimigo, o medo. 

E o que prevalece no Sebastião, o Abel ou o Caim?
Nós temos os dois dentro de nós. Isso é terrível. Tem que lutar. Se você cuidar bem do Abel, não dá oportunidade pro Caim dominar. Se não cuidar bem do Abel, já era.

Tem gente que se deixa dominar pelo Caim.
Sabe por quê? Aí que está o negócio. Por causa da fraqueza de espírito, porque nós temos que zelar mais do espírito do que da matéria. Pra matéria estar bem, nós temos que zelar o espírito, estar bem espiritualmente. O espírito quer saúde também, quer paz, harmonia. Tendo isso, ele passa pra matéria. A pessoa dorme bem, se alimenta bem. Ele vai numa coisa, se vê que não dá certo, não faz. Está sempre bem! Não pode ter fraqueza de espírito, porque o cara que só pensa em dinheiro, não abandonar tudo pelo dinheiro. Porque tem gente que abandona irmão, mãe, filho e amigos pelo dinheiro. Ele está em uma estratégia errada, porque o dinheiro tá hoje na sua mão e amanhã não está mais. O cara confia numa coisa que não vai ajudar. Pagã, no modo de dizer. O cara que cuida muito da vida espiritual, ele tá ligado a Deus porque ele só procura coisas boas.

O senhor dizia que a ambição tem que ter limite.
O cara pode ser ambicioso, mas tem que ter ambição que seja sadia e que não prejudique terceiros. Porque se tiro cem de você, o outro me tira mil. Já vi esse exemplo aqui em Beltrão mesmo. O cara batalhou pra deixar o outro mal, hoje ele não tem nada. Perdeu muito mais. Pra pessoa ir bem, se todas as coisas que ele for fazer ele pensar em Deus, é diferente. Ele tá sempre bem! Quando vai almoçar ou jantar aquela comida tem um sabor gostoso, abençoado. Por Deus! Se ele não tá bem, não sente o sabor da comida, tá nervoso, sai depressa. Aquilo se chama perturbação, fraqueza de espírito. 

Em Beltrão o senhor tem visto mais gente que predomina o Abel ou o Caim?
Aqui nós temos 30% Abel e 70% Caim. Infelizmente é assim no mundo inteiro. 
 
E a homenagem que o Rotary lhe fez?

Sinceramente, de coração, eles me deram uma sensação de otimismo. Me fizeram gostar ainda mais do Brasil. Tem gente boa no mundo, não tá perdido!

Encontrou bastante Abel no Rotary?
Eles gostam de compartilhar, não gostam de criticar. Isso é importante! Se for pra criticar uma pessoa, é melhor não falar nada, porque todo o mal que eu faço, se for falar mal de você, a metade fica comigo, e aquilo me prejudica e pode até transformar em câncer. 

 

Mezuzá – (“umbral”) é o nome de um mandamento da Torá que ordena que seja afixado no umbral das portas um pequeno rolo de pergaminho (klaf) que contém as duas passagens da Torá que ordenam este mandamento, “Shemá” e “Vehaiá” (Deuteronômio 6:4-9 e 11:13-21).

Yom Kippur – Dia do perdão, a mais importante data da religião judaica. Celebrado no décimo dia de tishrei (entre setembro e outubro), é dedicado à contrição, às orações e ao jejum, como demonstração de arrependimento e expiação, em busca do perdão divino e de felicidade no ano que se inicia.

Kabbalah – (“receber/tradição”; também romanizada como Cabala, Qabbalâ etc.; transliterações diferentes agora tendem a denotar tradições alternativas) é um método esotérico, disciplina e escola de pensamento que se originou no judaísmo.
Fonte: Wikipédia

Seu Sabastião Telles da Silva na homenage, que recebeu do Rotary Club Francisco Beltrão e Rotary Club Francisco Beltrão Novas Gerações.

 

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Destaques