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Francisco Beltrão
domingo, 25 de maio de 2025

Edição 8.211

24/05/2025

Sem auxílio emergencial, famílias sobrevivem com o mínimo: “Eu não lembro o que é comer carne”

Segundo Assistência Social, novo auxílio, aprovado na semana passada, pode deixar de fora dez mil beneficiários em Francisco Beltrão.

Neli Lara dos Santos tem 37 anos. Sem auxílio emergencial, ela busca se recolocar no mercado de trabalho no serviço de limpeza.

O contrato que Neli Lara dos Santos, de 37, tinha como estagiária do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) do Bairro Padre Ulrico venceu em outubro do ano passado, um mês depois de nascer a sua filha mais nova. A partir de então, ela passou a sobreviver apenas com o valor do auxílio emergencial, de R$ 600, para sustentar uma família de seis: ela, o esposo e as quatro filhas. Quando o marido conseguiu o emprego numa cooperativa de catadores, o benefício foi encerrado, e hoje a renda per capita da família não ultrapassa R$ 160 reais mensais. “Eu nem lembro o que é comer carne”, diz.

 

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O auxílio emergencial de R$ 600 foi finalizado em dezembro do ano passado, deixando muitas pessoas sem a única fonte de renda que conseguiram no período. O desemprego e a falta de oportunidades devido à crise causada pela pandemia, deixaram estas famílias reféns do benefício, que deve retornar, mas em valores reduzidos.

A Medida Provisória 1.039, publicada em edição extra do Diário Oficial da União, no dia 18 de março deste ano, definiu como será feita a distribuição do novo benefício. Dessa vez, não será possível solicitar o auxílio: o governo deve utilizar o cadastro feito no ano passado para avaliar se o trabalhador e a trabalhadora atendem aos critérios e pagará automaticamente na conta cadastrada.

Para quem mora sozinho o valor será de R$ 150; famílias com mais de uma pessoa e que não são chefiadas por mulheres, de R$ 250; já famílias chefiadas por mulheres, de R$ 375.

Em Francisco Beltrão, segundo a Assistência Social do município, recebiam o auxílio emergencial no ano passado 20.778 pessoas. Dessas, 1,5 mil vinham do Bolsa Família, 4.417 do Cadastro Único e 14.861 do Caixa Tem, a partir de solicitação. Mas com o novo modelo, a expectativa é de que metade das pessoas que recebiam no ano passado fiquem de fora, devido às condições determinadas na MP.

“A impressão que tenho é que irão aumentar as dificuldades”, aponta a coordenadora do Cras do Padre Ulrico, Miriam Bonissoni Cela. “Mesmo com o auxílio, elas [famílias] não conseguem emprego e o valor é muito pouco.”

Cestas básicas
O Cras deste bairro tem mais de 2,7 mil pessoas cadastradas, sendo 97 incluídas apenas no ano de 2021. Desse total, 1.033 são beneficiárias do Bolsa Família. E só nos três primeiris meses deste ano foram cerca de 4,5 mil atendimentos individualizados para diversas famílias, sobretudo através de doações de cestas básicas, o que tem ajudado a garantir o mínimo durante a pandemia.

Neli diz que sua alimentação vem integralmente das cestas recebidas. “Não fui mais ao mercado. Vou ir como, se o arroz está R$ 11?”, questiona.

Nos meses em que a família sobreviveu apenas com o auxílio emergencial, no fim do ano passado, ela disse que houve dias em que a família não teve nada. Hoje, os alimentos, segundo ela, têm dado no limite para a família, que vive em uma casa de ocupação no bairro, com frestas entre as madeiras e onde todos se agrupam numa pequena sala que se curva para dentro, demonstrando a fragilidade da moradia. “Se eu faço macarrão à noite é pra ter pro outro dia. Nada vai fora. E carne, carne aqui é só sambiqueira. Um ovo também. Porque ovo tem proteína”, diz, e ri.

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Ela não sabe se estará entre os beneficiários do novo auxílio emergencial. Mas mesmo antes dessa insegurança, tem gastado energia atrás de um emprego. Portas, diz, encontradas sempre fechadas. “Eu quero fazer faxina, quero limpar. Um emprego fixo que me registre”, enfatiza, já que ainda que receba o benefício, a renda per capita não passará de R$ 200 para a família.

 

“Minha mãe fazia cuscuz para matar a fome e agora eu faço”

Magali Correa de Lima tem 52 anos. Ela trabalha em casa como manicure e faz aulas do EJA em busca do estudo que não teve na infância.

“Minha mãe fazia cuscuz para matar a fome e agora eu faço”, disse a manicure Magali Correa de Lima, de 52 anos, segurando três sacos de farinha de milho, usado para fazer o prato típico nordestino. “Ela misturava leite de coco. Quanta gente isso ajudou a matar a fome.”

Na casa sem reboco, onde vive com o marido e dois filhos, ela estava contente em mostrar que ontem, 25, a geladeira tinha comida. Da cesta básica que ganhou do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), do Bairiro Padre Ulrico, conseguiu fazer um pudim e uma gelatina. A ajuda, comum no último ano, segundo ela, também veio de outras frentes: do kit da merenda escolar e de um serviço do Exército, que existe em Beltrão. Sem isso, acredita, teria sido mais difícil, mesmo com o auxílio emergencial.

Magali mudou-se há 13 anos para Beltrão, onde casou-se com o marido, que é natural daqui. A cerimônia foi coletiva, promovida pelo Cras, e pelo qual pode ter a guarda do neto, o qual chama de filho.

Na casa onde vive, com uma ampla sala e com rebocos por fazer, é que ela atende suas clientes, mas a pandemia as afastou e muitas acabam pendurando a conta, não dando renda para a família. “E o que que eu vou dizer de uma pernambucana morando aqui?”, começa a desabafar.

No mês passado, faltou gás. Com o botijão custando em torno de R$ 100, o jeito, disse, foi ligar numa rádio de Beltrão para pedir ajuda. “Às vezes as clientes não têm todo o dinheiro para pagar. Eu deixo que paguem menos. Quando consigo fazer um pé e uma mão, que dá R$ 35, eu já fico feliz, porque aí eu garanto a comida do fim de semana.”

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A manutenção da família vem por esses bicos e o Bolsa Família. Seu marido também consegue alguns trabalhos. Mas devido a um acidente que sofreu numa obra, há dois anos, pelo qual não foi indenizado e que o deixou com sequelas, ele tem limitações para alguns serviços.

Com o fim do auxílio emergencial, em dezembro, ela teme as contas que se acumulam e também não sabe se entrará na lista dos novos beneficiários. Ela até tentou ir ao banco para sacar o Bolsa Família. Mas como a Caixa depositou no pix, e ela não sabia o que era isso, ficou sem o dinheiro. Deve voltar nas próximas semanas para recuperar os valores.

Agora, a família se reorganiza. Ontem, quando conversou com a reportagem, o filho mais velho não estava. Buscava emprego na cidade. E ela, em casa, estudava junto do mais novo. Busca através do Ensino para Jovens e Adultos (EJA) a formação que não teve na infância e espera que a comida bata na sua porta através do trabalho que ama. “Eu tô esperando minha bandeja de ovo bater aqui. E será quando chegar uma nova cliente”, frisa.

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