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Francisco Beltrão
sexta-feira, 30 de maio de 2025

Edição 8.215

30/05/2025

Soja, o ouro dos grãos

A soja do Sudoeste superou a maior crise hídrica dos últimos anos e puxou o mercado Agro na região com uma safra recorde. A alta do dólar também favoreceu o setor, que passa praticamente ileso diante de uma pandemia.

Depois de uma colheita nem tão comemorada pelos produtores, a primeira safra da soja alcançou patamares surpreendentes este ano. Foram 2.421.470 toneladas de soja só no Sudoeste do Paraná, sendo 55% desta fatia do Núcleo Regional de Pato Branco e 45% dos Núcleos Regionais de Francisco Beltrão e Dois Vizinhos. O índice foi comemorado, sobretudo porque a região foi castigada duplamente: pela estiagem e pela pandemia do novo coronavírus. Com os números, a soja se mostrou o ouro do setor, puxando o mercado Agro não só na região, mas no Estado.

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Segundo estimativas da Secretaria de Agricultura e do Abastecimento do Paraná (Seab), os 2,4 milhões de toneladas de soja renderam uma movimentação financeira estimada em R$ 3,5 bilhões só no Sudoeste – o índice definitivo do Valor Bruto da Produção deve ser divulgado em setembro pelo Deral. Os valores foram incrementados pelo fator dólar, que criou um cenário atípico e agregou valor à cultura.

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Na avaliação de Ivano Carniel, do Departamento de Economia Rural (Deral), de Pato Branco, o faturamento bruto com as três principais culturas de verão – milho, soja e feijão – deve girar em torno de R$ 2,45 bilhões, contra 1,67 bilhão da safra passada.

Região sudoeste foi responsável por 2,4 milhões de toneladas do grão na primeira safra de soja.

Foto: Jônatas Araújo

Safra recorde
Os números confortáveis da safra, de acordo com quatro especialistas, responsáveis pelos núcleos regionais do Deral, foram alcançados devido a pelo menos duas variáveis: a tecnologia aliada ao campo e uma “estiagem no tempo certo”.

Entre as regiões de Francisco Beltrão e Dois Vizinhos, que abrangem 27 municípios, a variação de terra plantada entre os anos agrícolas 18/19 e 19/20 foi de apenas 1,7%, mesmo assim, o rendimento, por hectare, foi 29,8% maior. Em grãos totais, a produção passou de 804.105 toneladas para 1.089.175. No núcleo de Pato Branco, que comporta 15 municípios, a variação foi de 21,3% (passando de 1.098.192 toneladas para 1.332.295).

“O que chama a atenção desta safra de soja é o rendimento altamente satisfatório em meio à maior crise hídrica que o Estado do Paraná enfrentou nos últimos 35 anos. Isso se deve ao fato de termos ocorrências de chuvas no momento certo e com volumes que foram dando condição de sustentação para as lavouras”, aponta Ivano Luiz Carniel, técnico do Deral do Núcleo Regional de Pato Branco. “O período seco também propiciou a não proliferação de doenças como a ferrugem asiática, que nos últimos anos vinha limitando o potencial produtivo das lavouras, isso aliado ao emprego do vazio sanitário.”

O técnico agrícola Agostinho Girardello, do Deral/Seab Núcleo de Francisco Beltrão, cita neste contexto o uso de sementes mais resistentes e adaptadas ao clima, o manejo de pragas e doenças aliado à tecnologia rural e o apoio da assistência privada e pública aos produtores para os resultados positivos.

Em relação a chuvas, a região foi atingida por uma média de 151 milímetros ao mês, entre outubro e fevereiro. E foi neste último mês, fevereiro, que o final da primeira safra foi colhida. Agostinho não viu esse volume como perigoso para a primeira safra, apenas na safrinha, que voltou a ser cultivada depois de cinco anos, e que rendeu 7,2 mil toneladas nas regiões de Francisco Beltrão e Dois Vizinhos – isso logo na sequência da primeira safra.

“Na safra normal nós escapamos da estiagem. Veja bem: a estiagem veio do Sul para nós e aqui tivemos chuvas normais entre novembro e janeiro, o que favoreceu. Apenas quando a soja foi plantada, em meados de setembro, houve um período mais seco”, apontou Agostinho. “Então nossa safra normal não sofreu, agora, a safrinha teve 10% de quebra. A produtividade fechou 1.100 quilos por hectare.”

As exportações do complexo soja pelo Corredor de Exportação do porto de Paranaguá mais que dobraram em maio.

Foto: José Fernando Ogura/ANPr

 

Fator dólar ajudou
Além da quantidade dos grãos, que também movimentou os portos, o que transformou o pequeno e amarelado grão em ouro foi a cotação da moeda americana, que se manteve na casa dos R$ 5.

Para se ter uma ideia, ainda no mês de abril a moeda americana fechou em um valor próximo a R$ 5,20 e os preços médios no Brasil, no mês citado, atingiram a marca de R$ 87,18 a saca de 60 quilos de soja (valor superior ao cotado em março de 2020, que foi de R$ 82,86 e mais de 30,84% superior ao cotado em abril de 2019, no valor de R$ 66,63, quando a média do dólar era de R$ 3,89). Apesar dos preços internacionais com tendência de baixa para maio de 2020 e prêmios de portos dentro da média, os preços internos continuaram aquecidos, motivados ainda pela alta do dólar.

Quando chegaram os dias de estiagem, e como citou Agostinho, um fator quase irrelevante para a soja, boa parte do grão já havia sido comercializado e fechado em acordos quando a moeda americana estava em alta.

Altos e baixos
Na propriedade e Adelar Luiz Soberay, de 55 anos, poucos quilômetros à frente da região do rio Tuna e onde planta em 16 alqueires milho, soja e trigo, foi a soja que se destacou. “Saiu muito bem”, resumiu a colheita. “Teve sojas que me deu 180, 185, outras partes 150 sacas por alqueire”, apontou. Foi em 18 de março que o agricultor disse que terminou a colheita.

Os grãos do agricultor são encaminhados a uma cooperativa, o que o manteve seguro. “Este ano, pela questão de valores, o pessoal está contente. Me saí muito bem este ano. Vendi um pouco de soja a R$ 77, mas esperei mais um pouco e vendi a R$ 81, depois vendi a mais”, e ri, sem citar o total do lucro pessoal.

Mas o cenário atípico que trouxe conforto para o produtor não foi bem visto por todos os elos. No meio da cadeia, Antônio Luís Schmoller, de 44 anos, gerente da Schmoller Cereais, empresa que possui unidades nos municípios de Dois Vizinhos, Itapejara D’Oeste, Verê e São João, aponta como esse fator atingiu de forma diferente as partes do processo.

“Para o produtor sim, haverá uma estabilidade financeira com os preços praticados. Para comerciantes e processadores, as oscilações de mercado (principalmente do dólar) não trazem uma tranquilidade para isso. As margens estão apertadas e qualquer mudança no cenário econômico muda drasticamente as margens. Processadores, por exemplo, esmagam o soja para subtrair o farelo e o óleo. Todo processo de comercialização é baseado em dólar. Existe um grande risco de esmagar o soja num preço alto e vender os subprodutos num preço baixo. Não estamos tendo esta estabilidade na comercialização, com a variação cambial forte, subindo 2 a 3% num dia, e caindo 2 a 3% no outro dia. Não se consegue manter estabilidade de margens.”

Grãos inabaláveis?
O impacto dólar é analisado porque a soja da região praticamente não fica na região. O engenheiro agrônomo Ricardo Martyn Kaspreski, também do Deral/Seab, projeta que 70% dela é exportada, seja para outros países ou para outros estados do próprio Brasil.

Neste cenário macro, a chegada da pandemia da Covid-19, que fechou algumas estradas, assustou, mas não afetou o andamento da safra brasileira de grãos. Então ela seria imune? Doutor em Economia e pesquisador do Centro de Agronegócios da FGV (FGV Agro), Felippe Serigatti analisa com cautela:

“Enquanto a gente está passando por uma terrível tempestade, notarialmente no setor de serviços, como também na indústria brasileira, uma parte relevante do universo Agro tem conseguido contornar esse furacão, essa tempestade. Mas isso é fotografia de agora. Não dá para dizer, na minha opinião, que isso ‘é estrutural, é permanente!’. Não, não dá para dizer isso. Há diversos fatores. Vamos olhar primeiro para o lado da oferta, da produção: até agora a coisa tem funcionado, mas a gente tem percebido problemas no setor de insumos, aí pode ser tanto a parte de fertilizantes, dos silos, mas também a parte de máquinas e equipamentos. E quanto disso vai bater na próxima safra? A reposta mais sincera é: não sabemos”, aponta Serigatti.

Entre os maiores compradores do grão, a China segue no topo. Mesmo sendo o país onde eclodiu o início da pandemia, suas medidas impediram a quebra total da economia e as importações do país oriental permaneceram.

“E quando a gente abre essa pauta exportadora, quem é que tem puxado esse crescimento? É justamente a soja. Então, olha só que coisa curiosa, apesar de toda essa turbulência, de toda essa tempestade, a demanda permanece. Nós temos observado que a variação cambial tem conseguido sustentar um preço em reais em patamares mais razoáveis, convidativos. E além disso, quando a gente olha pra quantidade, não para preço, merece especial destaque a soja, porque os embarques estão acontecendo. Se a gente for lembrar que estamos encontrando problemas lá nos Estados Unidos, problemas também na Argentina, embora de naturezas distintas (a da Argentina é porque fechou mesmo a economia e os Estados Unidos porque estão encontrando problemas ao longo da cadeia), isso tem aberto espaço para produtos brasileiros, não só na parte de grãos, mas também de carnes no mercado internacional, o que naturalmente gera reflexo para a taxa de grãos, também aqui dentro”, analisa Serigatti.

Os primeiros meses de 2020 começaram com este espectro favorável para o setor, apesar de todas as variáveis. Mas o que o segundo semestre tem para o futuro do grão? É difícil dizer. “A crise é complicada. Não é apenas brasileira e o mundo vai crescer menos este ano. Na verdade, o mundo vai encolher: o PIB [Produto Interno Bruto] do planeta vai ficar menor. Ou seja, o mundo encerrará este ano com menos renda, mais pobre. É verdade que quando a gente olha para os nossos compradores na Ásia, China e leste asiático, a situação é mais confortável. E eles tiveram a crise da pandemia agora no primeiro trimestre, mas ainda assim, poxa vida, há uma incerteza muito grande sobre como eles vão retomar as atividades.”

A safrinha está de volta

Interrompida desde 2015 pela Portaria 193/2015, da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), a safrinha voltou a ser autorizada no Estado do Paraná. A medida, que implantava os vazios sanitários na intenção de evitar a proliferação da ferrugem asiática (fungo que passa da primeira para a segunda lavoura e que baixa a produtividade), caiu após análises socioeconômicas e a necessidade de harmonização do plantio ao lado do Estado de Santa Catarina, sendo validada pela Portaria 342/19.

Na última vez que a safrinha havia ocorrido, 15/16, foram colhidos na região de Beltrão mais de 43 mil toneladas em uma área de 23.460 hectares. A retomada neste plantio, safrinha 19/20, foi irrisória e alcançou apenas 7,2 mil toneladas em 4 hectares. A tardia liberação da safrinha pode ter surpreendido alguns produtores que não conseguiram se adaptar às exigências, justifica Agostinho, como um dos motivos da fraca representatividade do grão.

Segundo a engenheira agrônoma Ellis Cristina Ticinini, da Adapar, na época da portaria 193, estudos da Embrapa apontaram para a necessidade de regulamentação desse plantio devido à ferrugem. “A incidência era grande e se usava muito fungicida. Mas o que as pesquisas apontavam é que a soja começou a se tornar resistente ao próprio fungicida. Ou seja: os fungicidas eram pouco eficientes.”
A portaria 193 definiu então que a semeadura da soja deveria ocorrer no período entre 16 de setembro a 31 de dezembro de cada ano agrícola. Essa determinação específica é que minou a possibilidade da safrinha, que era plantada em janeiro.

Na sequência, a portaria 202, de 19 de julho de 2017, manteve as medidas já adotadas e foi só o texto da portaria 342, de novembro de 2019, que revogou esses limites. A justificativa foi que “a data limite de 31 de dezembro para o plantio de soja (…) tem se mostrado fator impeditivo para cultivo da oleaginosa em razão das peculiaridades climáticas, em especial, das regiões Sul e Sudoeste do Paraná, resultando em prejuízos socioecômicos ao setor agropecuário e à economia paranaense”.

De acordo com Agostinho, há 28 mil produtores na região, e, desses, 25 mil devem produzir soja, estima. Além do impacto socioeconômico, foi levado em conta a proximidade do Estado de Santa Catarina, onde o plantio da soja se estende até 10 de fevereiro, o que exigia “harmonização de procedimentos”.

Essa foi a mudança mais brusca para o setor e que passou a permitir a volta da safrinha de soja. Outras medidas que foram citadas nas primeiras portarias, mas que permaneceram, foram o prazo final para colheita ou interrupção do ciclo da cultura da soja até 15 de maio e a proibição da semeadura e cultivo de soja em sucessão à soja (ou seja: não se pode plantar soja em cima de soja).
O vazio sanitário também se manteve pelo período de 90 dias. Ele começa em 10 de junho e segue até 10 de setembro.

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