Pelo menos sua família não conhece nenhuma outra mulher que viva na cidade de Renascença desde 1950, tempo que era um início de povoado com o nome de Vargem Bonita e pertencia a Clevelândia. Aos 94 anos, dona Teófilla tem dificuldade para caminhar, mas a cabeça continua muito lúcida e ela conta histórias do marido, dos filhos e da comunidade.
Guilherme e Teófilla Dapont Cavali vieram do Rio Grande do Sul para se estabelecer na Vargem Bonita em maio de 1950. Portanto, 70 anos atrás. Guilherme faleceu aos 75 anos (deu um tumor no cérebro), mas dona Teófilla continua firme. Ela vai completar 94 anos dia 8 de maio. Alguma dificuldade para caminhar, mas de cabeça continua perfeita. Lembra de muitas coisas que aconteceram nessas últimas sete décadas.
Vargem Bonita virou Distrito de Pato Branco pela mesma lei que criou os municípios de Francisco Beltrão e Pato Branco, a 790, de 14 de novembro de 1951. Quase dois anos depois, pela Lei Municipal nº 118, era criado o Distrito de Renascença, que pertencia a Clevelândia. À esquerda da estrada (hoje avenida Castelo Branco) era o Distrito de Renascença e à direita o Distrito de Vargem Bonita, que pertencia a Pato Branco. Em 25 de julho de 1960, a Lei 4.245, assinada pelo então governador Moisés Lupion, criou o município de Renascença, juntando os dois distritos. Teófila e Guilherme testemunharam todos esss acontecimentos.
Quando chegaram (procedentes de Espumoso, que naquele tempo pertencia a Soledade), tinham dois filhos, a Noeli e o Roberto. Em Renascença nasceu o Roque. Eles já lhes deram cinco netos e seis bisnetos.
Noeli é casada com o professor Darcy Pacce, tem dois filhos – Nádia e André – e dois netos – Betânia e Pedro, ambos filhos do André. Roberto (falecido) casou com Zenaide Pastorello, tem dois filhos: César (pai da Gabriela) e Evandro (pai da Eloísa e do Guilherme). Roque, casado com Neide Lavratti, tem uma filha: Raquel, mãe do Patrik.
Nesta entrevista ao Jornal de Beltrão, dona Teófilla estava acompanhada da filha Noeli e do genro Darcy, que deu informações sobre a história de Renascença.

Naquele tempo as famílias tinham muitos filhos e a senhora só teve três?
É. Não sei (risos) a minha família era em 12. Tem uma tia minha de 18, vivos.
Na sua família todos viveram bastante.
Ah, sim, decerto Deus não quer nós lá (risos). Minha irmã Teresa Cavali Pelissari tinha 99 anos. Ela faleceu em Pato Branco mas foi velada e enterrada em Ampere.
E seus pais viveram quanto?
Minha mãe veio da Áustria e o meu pai eu acho que nasceu em Caxias do Sul. A minha mãe quando me ganhou, eu tinha 17 dias quando ela faleceu. Quem me criou foi uma irmã minha de 20 anos. O meu pai faleceu com 75 anos, ele podia ter vivido mais, mas ele bebia muito.
A senhora conhece alguma outra mulher com o nome Teófila?
Não. Meu pai disse que tinha uma em Caxias do Sul, esses tempos atrás quando completei 90 anos fui na Igreja e o padre disse que em mês de abril era leitura do São Teófilo. Ele disse “hoje não é só Teófilo que tem, tem a Teófilla também, ela é ministra de Deus, companheira de Deus”. Aí comecei me gostar porque eu não gostava do nome. Sempre chamavam Teófilla, é um nome diferente mas vai fazer o que, me chamavam Teofillá. “Não, é Teófilla!” Em Caxias do Sul meu pai disse que tinha uma com meu nome.
A senhora estudou lá?
Até o 4º ano sim, antigamente a gente ia pra aula um dia sim, o outro não, eu e minha irmã, uma ia pra aula e a outra tinha que ficar em casa e ajudar carpi.
Quando a senhora chegou aqui, como que era?
Era puro mato, não tinha um pedaço de terra limpa para plantar, mas depois começou encher de gente do Rio Grande. Nossa terra tinha bastante pinheiro, foi vendido.
O marido derrubava mato a senhora cuidava da casa?
Sim, mas eu trabalhava na roça também, meus filhos os três foram criados na roça. Fazia de tudo um pouco.
Produzia muito feijão aqui?
Produzia, uma vez nós plantamos não sei quantas bolsas e daí eu sei que o falecido malhou 70 bolsas de mangual, ele suava muito, então pendurava a camisa num pé de milho e eu ajudava virar, quando estava na hora de limpar o pano. Ele molhava a camisa, ponhava em cima do pé de milho.
E vendia bem?
Barato, nem lembro, mas era bem baratinho.
Pra colher 70 sacos de feijão tem que plantar bastante.
Ah, sim, eu ajudava ele plantar com a máquina.
A ligação de vocês era com Pato Branco?
Pato Branco. Ia muito no Marrecas.
Quem eram os seus vizinhos mais próximos?
O Luís Lui, ele veio na frente, ia comprar terra mas como veio meu cunhado junto ele disse “vamos comprar aquela área de terra os três”. Aí foi comprado com meu esposo, meu cunhado e o Luís Lui. O Luís já é morto, o Guilherme também.
Como era o dia a dia nos primeiros tempos?
No primeiro tempo era bom de viver, a terra era boa, valia a pena ter trabalhado. Domingo a gente ficava em casa, não tinha pra onde ir. Tinha uma capela pequeninha, do Cristo Rei.
Quem rezava o terço?
Rezava em italiano, era o Copini. Mas hoje nem me lembro mais como que é.
Darcy Pacce – Na verdade era um italiano mestiçado com latim. Que o nosso pessoal, a descendência italiana nossa aqui no Brasil, fala quase só o Veneto. Até esses dias fui para Buenos Aires. Eu e minha filha fomos passear e achei muitos italianos lá, perguntei como que eles falavam italiano e eles disseram que o espanhol é muito parecido com italiano e ninguém preservou.
E as pessoas que não falavam italiano?
Darcy – Vamos supor, meu pai disse que não sabia falar em brasileiro, ele ficava brabo quando nós falava em brasileiro e ele disse que não compreendia, no tempo que foi proibido falar em alemão e italiano, por causa da guerra, que terminou em 45.
Quando vocês chegaram aqui tinha famílias que falavam só português? Elas participavam do terço?
Tinha sim. Sempre participavam. Rezavam em italiano, tudo em italiano e era o Copini que rezava, é falecido. Acostuma, no meu tempo de catecismo acostumei em italiano, hoje não me lembro mais.
E a capela como que era?
Era uma capelinha de madeira, não era grande coisa, tinha assoalho, mas enchia de gente de tarde quando ia na missa.
Vinha padre?
Vinha, uma vez por mês. Nós tinha um padre, Frei Deodato, ele vinha a cavalo. Antigamente os médicos também vinham a cavalo.
E o seu filho que nasceu aqui, foi muitos anos depois?
O Roberto tinha 15 anos de diferença de um e outro.
Então foi lá pelos anos 60, nasceu em casa ou no hospital?
Nasceu em casa, mas depois teve que ir pro hospital.
A senhora teve sempre parto natural?
Sim, em casa. Depois quando começou que as mulher ganham o neném e morria o neném e depois quase elas também, a irmã do Parizotto já faleceu, ganhou o neném e faleceu.
Logo que vocês chegaram aqui, vocês visitaram alguns parentes do Sul?
Sim, sim, visitemos. De vez em quando. O meu marido ia mais seguido pro Rio Grande, mas eu não, tinha que cuidar as crianças.
E a senhora não tinha mais a mãe.
Pois é, eu não conhecia minha mãe, minha mãe era aquela lá. O meu pai era o único “preto”.
A senhora gostou aqui da Vargem Bonita?
Claro que era bom de viver. Só que antigamente não tinha nada com veneno, hoje em dia eu acho que até o ar tá envenenado. Você comia as batatinha, comia tudo sem veneno.
E as pragas das lavouras não pegavam?
Não, antigamente não. Porque tinha que carpir bastante, e eu trabalhei a minha parte na vida, agora tô aqui que não posso mais.
Então a senhora sempre gostou de Renascença?
Sim. Sempre fomos bem daqui. É bom morar aqui. Cada colheita que nós fazia sempre era mais.
Qual foi a parte mais difícil da sua vida aqui?
Olha, a falta das coisas, às vezes. Gente pobre, que daí é mais difícil. Tem gente que diz que não é defeito ser pobre, não é? Na minha vida eu digo que é defeito.
E como que faz pra curar esse defeito?
Só ter um pouco de dinheiro no bolso.
E pra conseguir esse dinheiro?
Pra conseguir tem que trabalhar.
Tem gente que trabalha bastante e não consegue.
Tem gente que a cabeça não ajuda.
Como a senhora viu Renascença crescer? A senhora acreditava que podia ficar grande?
Pois é, acreditava, sim. Marmeleiro começou depois e tá muito mais que Renascença.
E a senhora desde que chegou aqui, votava?
Sim. Não faz muitos anos que deixei de votar. Eu comecei a votar com 18 anos – antigamente eleitora tinha que completar 18 anos.
Seu marido era contra o Getúlio ou a favor do Getúlio?
A favor.
Depois veio o Juscelino, Jânio Quadros… Lembra daquelas eleições?
Não, não lembro dessas eleições. Depois que eu cresci, vamos supor que ele venceu o prazo dele de prefeito, eu votei uma vez pra esse aqui que nós temos e depois não votei mais.
E o seu marido participava da política?
Oh, claro. Era fanático!
E desde o começo aqui tinha dos dois lados na política?
É, claro. No meu tempo, quando eu votava no Rio Grande, eu sempre ganhava churrasco.
Apostava churrasco?
Não, não era aposta. No dia da eleição fazia churrasco pra todos os eleitor.
Seu marido nunca foi candidato aqui?
Não, ele não sabia ler e nem escrever. Mas gostava da política. Mas, eu fazia uma conta de lápis e ele de cabeça ganhava de mim.
Ah é, não logravam ele?
Não, não… Porque uma vez daí, com a doença dele, minha filha levou pra Curitiba consultar lá—era marcada. Aí eu sempre dizia pro pai — ele sempre usava o dinheiro no bolso— aí eu disse “me dá o dinheiro pra mim que de repente tu vai perder o dinheiro”, e daí quando ele voltou, eu não queria dar mais, era 800 reais no bolso, que ele tinha. Eu dei duas nota de um, e ele fez assim (apertou com os dedos), ele era cego, por causa do câncer no cérebro. E daí e Noeli: “O que, pai?” E ele “A mãe me logrou”. Ele ficou 40 dias cego.
Ele era bem esperto.
É. Ele não sabia, escrevia o nome dele só.
A senhora sempre participou da igreja?
Sim, sim sempre católica. Tá ali meu terço. De manhã cedo tomo meu café e venho aqui rezar o terço todo dia. Aí eu assisto o jornal, leio o jornal… Uma pena que me dói tudo sempre, me quebrei a perna, então agora eu sofro muito, não sarou bem aonde foi feito a cirurgia, o médico não garantiu.
Tem mais mulheres e homens daquele tempo?
Olha, acho que não tem mais ninguém. Por causa, meu esposo faleceu, dois cunhado que faleceu, os Valdemeri também faleceu, e…. eu acho que não tem mais ninguém.
A senhora talvez seja a mais antiga que mora aqui?
Agora só eu. As minhas amigas já se foram tudo quase. Mas eu tenho sempre visita, eu não saio mas sempre tenho visita.
A senhora vai na missa?
Aqui não, não dá mais agora. Eu canso, canso demais, não dá de ficar muito de pé. Então eu fico em casa, o padre fala que, como não tenho como ir, mas então ele vem. E a minha filha é ministra, ela vem uma vez por mês me comungar.
A senhora toma muito remédio?
Tenho remédio pra pressão, pro estômago, aí o dr. Irno me trocou os remédios pra digestão, uma parte eu ganho do posto e outra eu compro.
A senhora não aparenta ter essa idade de quase 94 anos.
Pois é, todo mundo diz.
E a senhora sente que vai longe ainda?
Mas não sei. Eu só sei que esses tempo atrás me mandaram fazer um eletro do coração, daí o médico que fez o eletro disse assim. “Olha, dou mais dez anos pra você. Foi o ano passado. Eu consultei aqui, é que foi a médica daqui que me mandou fazer, daí ela disse que eu tinha que fazer um novo eletro do coração e do pulmão. Aí minha filha disse “mãe, vamos no especialista de coração de Beltrão, dr. Goya”, daí mostraram o exame e disseram “a senhora não tem nada no pulmão e no coração”. A gente sofre muito de ficar velho. Agora com saúde, tá. Eu vejo que tem o Caetano, ele tá com a minha idade, ele faz aniversário em outubro e eu faço em maio. Ele tá fraquinho, anda torto dentro de casa.
A senhora se sente bem? Fora o que dói.
Sim, fora o que dói, me sinto bem. Fé em Deus.