”O povo morria do jeito que caía. Todos nus, sem roupas, levei vários cobertores do armazém para cobrir os corpos. Repartia no meio para enrolar neles.”

O tornado que atingiu Francisco Beltrão na segunda-feira, 13, não foi o primeiro fenômeno natural de grande intensidade que se abateu sobre a região Sudoeste do Paraná. Alguns municípios têm histórico de eventos semelhantes ou até piores do que o registrado na comunidade do Km 8, onde os ventos, em determinado momento, superaram os 200 km por hora, com força suficiente para jogar um caminhão a 100 metros de distância. A fúria da natureza deixou um saldo de 19 pessoas feridas, 76 casas danificadas, sendo que 16 propriedades – entre casas, aviários, galpões, chiqueiros e estrebarias – ficaram completamente destruídas.
Em agosto de 1954, na comunidade de Gamelão, Eneas Marques, uma forte tempestade causou enormes prejuízos e ceifou vidas. O aposentado José “Zeca” Faust, 78, que morava no local, lembra que, além de diversas árvores arrancadas e casas destruídas, morreram três pessoas (dois adolescentes e uma mulher).
Ele recorda que no início da noite, ao escurecer, um grande temporal começou a se formar, mesmo assim a família seguiu sua rotina. Os rapazes foram para o paiol trabalhar e os pais e as meninas ficaram na casa. Por volta das 21 horas, começou um vento muito forte. Todos correram para se abrigar dentro da moradia, que era quadrada com uma varanda em uma das laterais.
“Era uma casa nova, feita um ano antes, e o forro não tava pregado, apenas foi colocado em cima pra secar. Quando veio a ventania e arrancou o telhado, aquelas tábuas começaram voar pra tudo que é lado.” Na residência moravam o casal – Eduardo Matias Faust e Maria Morais – e os filhos Zeca, Ventura (em memória), Verônica (em memória), Cecília (que era bebê). Eduardo tinha o costume de benzer tormentas (para que o vento não fosse forte), mas quando abriu a porta para proferir as orações, o vento derrubou ele junto com a porta.
As seis pessoas que estavam lá foram jogadas pra fora e a casa desabou. “Depois que levantei comecei a procurar minha família. Fui achando um e outro, de repente vi um vulto branco, era minha mãe vindo de longe. Com a chuva se formou uma enxurrada muito forte. O vento lançou ela pra dentro daquela enchente, formada por causa do Rio Jaracatiá. A mãe desceu agarrada com uma vaca mansinha que a gente tinha até se agarrar na costa do rio.” Ele lembra que tinha muitas tábuas pelo chão e as pessoas furavam os pés descalços com os pregos. O pai dele também ficou muito machucado e as cinco ou seis casas que existiam na comunidade foram todas destruídas. “Algumas o vento arrancou dos cepos e deixou caídas de lado.”
Todos os sobreviventes daquela noite se reuniram e fizeram uma fogueira para se aquecer e passar a noite. O irmão do Zeca veio a pé para Francisco Beltrão buscar ajuda. Chegou no outro dia, por volta das 11 horas, na casa de outro irmão (Matias) para pedir ajuda. A comunidade então se mobilizou, levou donativos e ajudou a reconstruir as casas. “O vento vinha em parafuso, arrancou toda uma mata virgem. Eu lembro que fiz uma safra de feijão em uma das áreas devastadas pelo vento, pois as árvores foram arrancadas com raiz e tudo. Depois de lá foi pra sede de Eneas Marques e derrubou a igreja, seguiu para o Rio Vitória e dali pra frente se dissipou.”
Miniciclone ou tornado?
Em 18 de abril de 2003, uma Sexta-feira Santa, um tornado ou miniclone (o fenômeno não foi identificado) atingiu as comunidades de Bela União e Vista Alegre, em Eneas Marques, e Cabeceira do Rio Tuna, em Francisco Beltrão, deixando um rastro de destruição. Dezenas de árvores foram arrancadas, casas destelhadas ou tiveram o teto arrancado, paióis e chiqueirões foram levados pelo vento, postes de energia elétrica e telefonia quebraram, deixando quatro pessoas feridas.
O fenômeno climático demorou cerca de um minuto, mas sua força e o rastro de destruição que deixou foi suficiente para que as pessoas ficassem apavoradas e se abrigaram na igreja.
Em Bela União, a capela, o centro comunitário, a cancha de bochas e a Casa Familiar Rural, que ficam no centro da comunidade, foram atingidas. O centro comunitário e a cancha de bochas ficaram praticamente destelhados. Com a queda de postes de energia elétrica, o microsistema de abastecimento d’água parou de funcionar e os moradores ficaram sem água e sem luz. A propriedade do suinocultor Elio Lanfredi teve grandes estragos. O chiqueirão foi destruído, havia oito suínos no local e um deles morreu. O outro chiqueirão e um paiol foram destelhados.
Na propriedade de dona Gentile Magagnin, distante 200 metros da sede da vila, houve grandes prejuízos nas instalações da criação de suínos. O telhado da creche de leitões caiu, matando três dos 300 animais.
Reconstruindo a vida
Na quarta-feira, depois de perder dois aviários com o tornado e registrar um prejuízo aproximado de R$ 700 mil, o produtor rural Adelino Casagrande, de Francisco Beltrão, se dirigiu ao banco, mas não foi para tomar um empréstimo e sim para honrar a parcela de R$ 8 mil de uma dívida contraída justamente para melhorar os galinheiros, sua principal fonte de renda. “O gerente disse, vem outra hora, primeiro veja o que o seguro faz, qualquer coisa prolongamos o prazo, mas prefiro pagar porque eu quero meu nome limpo.”
O produtor está na avicultura há 22 anos. “A empresa dava apoio e incentivava bastante a gente, daí começamos fazer o que eles pediam e via o resultado. Eu me animei em investir em cima, porque via que dava retorno.”
Ele perdeu dois aviários, um de 150 metros e outro de 100 metros. Cerca de duas horas antes do tornado, ele tinha recebido um lote de 59 mil pintinhos. Muitos morreram no dia, outros ainda estão circulando entre os escombros deixados para morrer. A empresa da qual é integralizado e a Secretaria Estadual de Agricultura não permitem que as aves sejam doadas ou utilizadas de qualquer outra forma, em função das normas sanitárias. Apesar do alto prejuízo, o seguro deve cobrir cerca de 20% (veja mais nas págs. 2A e 3A).
Tornado em Palmas matou 35 pessoas
Em Palmas, no dia 14 de agosto de 1959, cerca de 30 km da cidade, foi registrado o que talvez tenha sido o pior desastre natural que se tem conhecimento na região Sudoeste do Paraná. Um tornado atingiu a Fazenda Fortaleza, onde havia um pequeno vilarejo e uma serraria, provocando a morte de 35 pessoas e dezenas de animais. Todo estado se comoveu com a tragédia. As vítimas foram veladas no ginásio da cidade e o cortejo fúnebre reuniu centenas de pessoas.
No ano passado, quando se completaram 55 anos do fenômeno, o fato foi lembrado pela Revista Olhar e a Gazeta do Povo. Flora Tonial, uma das pessoas que presenciaram a tempestade, contou: “a finada mãe me disse ´segure a porta que não vai ser nada´, ela ficou sentada ao lado do fogão e eu fui fechar a porta, quando cheguei perto desceu tudo, não vi mais nada”. Na tragédia, ela perdeu a mãe, um sobrinho e uma tia. O tornado ocorreu entre as 18h30 e 19h.
“Antes de derrubar todas as casas, deu uma ventania e chuva de pedra. Minha mãe (Ortência) gritava de dor, então tiramos ela dos escombros, colocamos deitada em umas tábuas com uma coberta e saímos procurando as pessoas. Minha irmã (Leonilda) estava com nós e não encontrava o filho (Pedro), um menino de 10 anos. Meu irmão tinha levado uma pancada nas costas, mas insistiu em procurar nosso sobrinho. Saiu e achou o menino morto.” A mãe de Flora faleceu quando chegou ao hospital.
Glorisse Tonial Giacomet, na época com 18 anos, perdeu os pais e mais seis irmãos com o tornado. “Na minha casa não sobrou ninguém, varreu até o soalho da casa. Só ficou eu e meu irmão Lair, que mora em Maceió. Naquele tempo, as aulas depois das férias começavam em agosto e meu irmão estudava num colégio de internato. E eu vim com ele para a cidade, mas ia voltar no mesmo dia. Então meu tio disse que tinha que ir lá na outra fazenda e pediu pra eu passar a noite com a tia para ela não ficar sozinha.” Glorisse soube da tragédia no outro dia. Só teve coragem de voltar ao local um mês depois para uma missa. “Muita gente morreu. Meus outros irmãos que faleceram eram todos mais novos, tinha um de dois anos. Acharam eles longe, no campo. O locomóvel o vento derrubou longe. Minha afilhada perdeu o pai, a mãe e duas irmãs, ficou só ela.”
Dona Lourdes Carneiro, atual proprietária, também lembrou com detalhes do episódio. “Waldomiro (seu esposo) foi com o caminhão e mais um conhecido e quando chegaram lá encontraram a Aparecida, esposa do dono da fazenda, ferida e com o filho mais velho. O menor estava com a babazinha, uma menina, que foram encontrados mortos, uns 50 metros longe da casa. Chegaram na serraria e encontraram o caos, muita gente ferida.”
De acordo com ela, foi encontrado em Horizonte o paletó de um fazendeiro com a carteira dos documentos no bolso, cerca de 70 km. “Foi uma comoção na cidade. Muitos faleceram no hospital em Palmas, muito machucados. Eles iam num caminhão de reboque, tudo improvisado com cama e lona, não tinha ambulância. Waldomiro que foi o primeiro a chegar falou no encontro do ano passado com a reportagem: “O povo morria do jeito que caía. Todos nus, sem roupas, levei vários cobertores do armazém para cobrir os corpos. Repartia no meio para enrolar neles. Tinha a serraria e um morro de pedra, campo limpo. Lá onde os corpos caíram, muitos foram achados ali naquele lugar. Umas quantas casas foram destruídas. A sede da fazenda era de imbuia, pintada a olho, de dois pisos, ficou só o soalho. Recém construída.”