
“Morre o estudioso Jorge Baleeiro de Lacerda” foi a manchete do Jornal de Beltrão do dia 21 de setembro de 2016.
Seguiam-se duas informações impactantes. Uma, que sua morte se devia a um “infarte fulminante”, aos 66 anos de idade; outra, que o sepultamento seria em Passo Fundo.
Os beltronenses, que se orgulhavam de ter um intelectual de renome nacional, mal tiveram oportunidade de se despedir dele. Após poucas horas velado na casa mortuária Cristo Ressuscitado, seu corpo foi levado para o Rio Grande do Sul ainda na noite do dia 20 de setembro.
Jorge deixou viúva a professora Sueli Beviláqua de Lacerda, um casal de filhos – Lígia e Afonso – e milhares de leitores, Brasil afora, que semanalmente liam seus artigos escritos durante mais de 40 anos. Não foi divulgado nenhum evento para hoje, sobre o primeiro aniversário da morte de Baleeiro. Os filhos não residem em Beltrão, a professora Sueli viajou para São Paulo e seu celular não atendeu aos chamados do Jornal de Beltrão.
Filho de Firmino Gomes de Lacerda e Olímpia Baleeiro de Lacerda, Jorge nasceu em Belém do Pará dia 3 de março de 1950. Quando já era adolescente, residiu no Rio de Janeiro e, junto com sua mãe, voltava seguidamente para Belém. Foi o período que iniciou suas viagens pelo Brasil, assim como fez, e intensificou, depois que morou uns tempos em Foz do Iguaçu e, em definitivo, Francisco Beltrão, a partir de 1976, fazendo o que ele denominava de “jornalismo cultural”.
Jorge é uma das poucas pessoas que conheceram todo o Brasil em viagens de estudos. Daqui, não se conhece ninguém mais que tenha feito isso. E ele transmitia seus conhecimentos através de artigos de jornais. Ele publicou muitos artigos em grandes jornais de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro; a partir de 1976, manteve coluna semanal na Folha do Sudoeste e, desde 2002, também no Jornal de Beltrão.
Em 1998, publicou seu primeiro livro: “Os Dez Brasis”, uma coletânea de seus artigos de estudos do País. Em 2010, publicou “Os Dez Sudoestes, muito antes e além depois”, uma coletânea de artigos de estudos sobre o Sudoeste do Paraná. E deixou inédito o número dois: “Os Dez Sudoestes II, Poranduba Sudoestina”.
Uma pasta de documentos
Seguido o Jorge me entregava folders de sua produção, cartas dele e dos amigos que lhe escreviam. “Guarde aí, um dia poderá aproveitar”, ele me dizia. São muitos documentos, pena que alguns, copiados no fax, se perderam, as letras sumiram. Também é difícil ler algumas anotações que ele fez a caneta.
Como lhe escreveu o famoso Jarbas Passarinho, numa carta de 5 de abril de 2006: “Prefiro quando me mandas cartas datilografadas. Tua letra é quase intraduzível. Dá saudade do Pero Vaz no quinhentismo dele”.
O significado das palavras
Além de escrever com correção, Jorge Baleeiro de Lacerda vivia pesquisando palavras novas ou regionalismos, com o objetivo de retratar cada região, cada local pesquisado, cada linguajar. Pode-se ver isso numa carta que ele me escreveu em 2 de outubro de 2009: “Amigo Ivo, colega de deambulações sudoestinas: saudações de légua e meia! Nos meus 35 anos de Sul nunca ouvira falar a expressão “está carmariando muito”, no sentido de está relampejando ou relampagueando muito no fundo do horizonte. Você já ouviu alguma vez essa expressão? Quem registra isso, como li, é o Heitor Lothieu Angel, velho balseiro do Uruguai. Como os nossos Aurélio e Houaiss são faltos, lacunosos em tantos vocábulos de cunho regionalista e hiper-regionalistas, gostaria de citá-los em artigo vindouro sobre os balseiros antigos, mas colocando algum testemunho de quem já o ouviu da boca do povo. Outra palavra que achei nessa pesquisa e me não parece usual: Ferral (Lampião). Já ouviu em algum lugar? Veja com o Tio Itamar (Pereira) se ele, que é dos confins de Anita Garibaldi, SC, conhece essa expressão”.

de 13 de dezembro de 1998.
Fotos: Arquivo JdeB
Programa do Jô, Destaque e cidadão honorário de Francisco Beltrão
Jorge Baleeiro de Lacerda esteve seis vezes no programa do Jô Soares, da Rede Globo. E só não foi sete vezes porque, ao receber o último convite, em 2016, sua saúde já não lhe permitia fazer uma viagem ao Rio de Janeiro. Através do Jô, Jorge foi divulgado nacionalmente e esgotou a venda de seu livro Os Dez Brasis. No ano da publicação deste livro, foi escolhido Destaque do Ano, como cultura, na promoção do Jornal de Beltrão.
Jorge não recebeu o título de vulto emérito ou cidadão honorário de Francisco Beltrão porque não quis. Várias tentativas foram feitas, mas ele sempre recusou. Uma delas foi por iniciativa do atual prefeito, Cleber Fontana, que era vereador. Confira na carta que Cleber enviou para o Baleeiro em 17 de abril de 2013.
Prezado Jorge:
Tomo a liberdade de escrever-lhe, pois sei que se não for dessa maneira tenho diminuída em grande parte minha responsabilidade de argumentação, pois seria praticamente inútil defender pessoalmente uma ideia tendo como contraponto alguém tão convicto e munido de argumentos sábios e especiais.
Como membro do Parlamento Municipal, tenho o direito e a possibilidade de estar indicando este ano o nome de uma personalidade a ser homenageada por nosso município. Ora, como de praxe, poderia estar citando figuras políticas, empresários ou pioneiros, estaria sendo justo pois são merecedores, mas com certeza não estaria extraindo o máximo possível de aproveitamento deste momento. Num País onde temos carência de valores éticos, morais e meritórios, não poderia deixar de aproveitar para fazer referência a alguém cujo trabalho e dedicação tem sido o conhecer, o saber e o resgate de nossa história. Precisamos de alguém para homenagear, (e tenho absoluta certeza que Vossa Senhoria não precisa e não galga isso), mostrar para nossa juventude que vale a pena estudar, que vale a pena fazer a diferença, se destacar, ter orgulho do seu lugar, precisamos dar exemplos aos desorientados de que a sociedade ainda premia, reconhece e valoriza pessoas que se diferenciam e engrandecem culturalmente todos nós. Jorge tem o direito de não querer receber, mas permita-me pedir, não nos tire esse privilégio, esta honra e oportunidade de te agradecer por tudo o que tem feito por nossa Francisco Beltrão. Sabes quanto me és quisto, e embora não tenhamos maior convívio, tem na minha pessoa um grande admirador, portanto não se sinta contrariado, mas estarei exercendo meu direito de representante do povo beltronense prestando-lhe uma reconhecida homenagem.
Francisco Beltrão,17 de abril de 2013.
Cleber Fontana