
O movimento intenso de pessoas durante o dia todo revelava o entusiasmo de uma legião de trabalhadores empenhados em cumprir seu projeto, ao tempo em que a hegemonia da estrutura, que se concebia pouco a pouco, em dois anos se tornaria, definitivamente, a Usina Hidrelétrica Baixo Iguaçu. Um empreendimento de menor impacto ambiental, com a maior área de seu reservatório utilizando a calha do Rio Iguaçu e capacidade instalada de 3520,2 megawatts, suficiente para abastecer um milhão de pessoas.
A edificação da barragem ocorre no trecho do rio entre os municípios de Capanema e Capitão Leônidas Marques, mas atinge também os municípios de Realeza, Planalto e Nova Prata do Iguaçu. Com investimentos estimados em mais de R$ 1,6 bilhão, o empreendimento será administrado pelo consórcio Geração Céu Azul e o início das operações comerciais estava previstos para o final de 2016. Mas, infelizmente, este prazo não será cumprido.
Obra parada, gente desempregada
Há exatos 77 dias as atividades no canteiro de obras da Usina Baixo Iguaçu estão paralisadas. Depois de vários meses de trabalho, quase dois mil funcionários contratados e cerca de R$ 600 milhões investidos, uma decisão judicial proferida pelo Tribunal Regional Federal e motivada por uma ação de organizações ambientalistas forçou a construtora Odebrecht, responsável pela obra, a interromper a instalação.
“Tínhamos 1.800 pessoas trabalhando aqui. Desde o dia 7 de julho, quando tudo parou, as demissões têm sido constantes. Atualmente, estamos com apenas 600 colaboradores, os outros já foram demitidos, e ainda pode haver mais demissões. Se não tivesse ocorrido a paralisação, no mês de outubro atingiríamos o auge das contratações, e deveria ter 3.600 trabalhadores”, relata o gerente administrativo e financeiro da Odebrecht, Rodrigo Larralde.
Obviamente, a construtora é a primeira atingida com o fato, e também vive a expectativa de que a liberação seja dada o mais breve possível. De acordo com Rodrigo, a parada não comprometerá em nada a obra, apenas irá alterar o prazo de entrega. “Era para o final de 2016, mas agora já passou para 2017. O pessoal está desmotivado, alguns meses atrás isso aqui era um formigueiro, tinha muita gente, muito movimento, agora tá tudo parado, é triste ver assim. Esperamos que volte ao normal logo”, diz.
Quando reduzia o feijão, tinha demissão
O capanemense Gilmar Banerman viu a construção da usina como uma boa oportunidade de trabalho e se candidatou. Foi contratado pela Odebrecht para o refeitório e entrou para a equipe logo no início das atividades. As tendas provisórias logo deram espaço a uma ampla estrutura, com cozinha industrial e até climatização.
Gilmar conta que a convivência dos trabalhadores era excelente e todos estavam muito animados com a obra. “Tinha muita expectativa e a estrutura era muito boa. A cada dia, o número de trabalhadores crescia e todos se davam bem, inclusive os que vieram de fora, de outras regiões, gostaram muito daqui. Aí teve a enchente e começaram a aparecer os problemas. Começaram algumas demissões e a preocupação e insegurança foram tomando conta da turma”, revela.
Ele trabalhou por quase um ano, até ser demitido. “A gente acordava e não sabia se iria continuar. Na cozinha, a chefe chegava cedo e dizia: ‘Amanhã vamos servir 200 almoços a menos, pode reduzir o feijão que vai ter menos gente’. E então nós sabíamos que era mais demissão. O pessoal demitido que não foi embora, procurou outros empregos, que também estão mais escassos. Acredito que se retomar a obra ainda posso voltar trabalhar lá”, comenta Gilmar.
Não acreditavam na paralisação
“Depois de muita espera e incertezas, e finalmente iniciada a construção da usina, surge uma liminar e paralisa tudo?! Os empresários estavam fazendo investimentos, organizando suas empresas para atender essa nova demanda, prontos para viver um novo momento. Ninguém acreditava que a obra iria parar, mesmo com a liminar”, declara Luiz Hartmann, presidente da Associação Comercial e Empresarial de Capanema (Acec).
Percebendo a frustração da comunidade e o princípio de desespero dos comerciantes, que registraram uma queda acentuada no movimento nos últimos dois meses, as autoridades planejaram a mobilização para chamar atenção da imprensa e dos órgãos responsáveis. “A primeira ideia foi chamar atenção para o problema, estamos numa situação bem atípica, pois a obra paralisou, mas não se deu um motivo forte ou convincente, até onde se sabe não haveria problemas maiores para impedir a construção. Se há condicionantes a serem cumpridos, que se cumpra, mas não paralise a obra”, frisa o presidente da Acec.
Luiz teme que, numa remota hipótese de a obra não ser mais liberada, o município entre numa recessão econômica. “Na verdade, nem se pondera a chance de não retomar a obra. Mas, caso ocorra, temos como parâmetro a ressaca que foi o fechamento da Estrada do Colono, que demoramos anos para nos reerguer. Coisas assim causam um baixo astral muito grande, e estávamos num momento de bom astral econômico, com investimentos. Ou seja, esta situação trará enormes dificuldades para o município”, prevê.
Autoridades querem solução
A prefeita de Capanema, Lindamir Denardin (PSDB), enfatizou que o município não irá admitir o “desperdício do dinheiro do povo já investido na obra”. “Tá na hora de parar a discriminação com Capanema. Todos estão perdendo com esta paralisação das obras. Peço a força dos políticos para que a coisa ande, precisamos de ações imediatas. Mais de R$ 600 milhões já foram investidos neste canteiro de obras e não podemos desperdiçar esse dinheiro assim. Não podemos admitir que uma obra desse porte fique parada.”
O prefeito Ivar Barea (PDT), de Capitão Leônidas Marques, vai além. “Já temos 30% da obra concluída, se houve impacto ambiental, ele já aconteceu, não é reversível. Essa insegurança tomando conta de nossa região, empregados demitidos, não pode continuar por muito tempo. É importante para região, para o país. Acreditamos que haja o bom senso do Poder Judiciário nesta questão”, pontua.
No dia da mobilização, quarta-feira, 17, havia a expectativa de que o Supremo Tribunal Federal julgasse o recurso que autorizaria a liberação da obra, mas não ocorreu, e conforme a assessoria, é possível que a situação entre em pauta na terça-feira, 23.
A retração já iniciou
Desde a paralisação da obra, em 7 de julho, os municípios atingidos já sentem os efeitos negativos. A começar pelo setor de empregos, onde o número de vagas tem sido extremamente escasso, sem contar que novas vagas tem sido raras. “Dos trabalhadores da usina, muitos voltaram para suas regiões, visto que muitos eram de fora. Os que moram aqui estão procurando outras opções, alguns solicitam o seguro desemprego, outros não cumpriram o prazo mínimo para ter o benefício”, revela Isaura Challiol, do setor de intermediação de mão de obra da Agência do Trabalhador de Capanema.
Contudo, em ‘tempos normais’, a média diária de vagas disponíveis girava em torno de 100 oportunidades. Nas últimas semanas, este número dificilmente tem passado dos 20. Uma das estratégias da Agência tem sido tentar encaixar os trabalhadores em seus antigos empregos. “Na maioria dos casos, o pessoal deixou algum emprego para trabalhar na usina. Então tentamos ver se o antigo patrão ainda precisa, ainda tem a vaga. O problema é que o comércio não está gerando empregos desde que a obra parou, ninguém quer se arriscar muito”, destaca.
Aliado a esta situação, outro setor diretamente e fortemente afetado é o de imóveis e construção civil. Os investimentos frearam e as opções de imóveis disponíveis para locação cresceu. “De maio para cá, a procura por casas para alugar era enorme, estavam faltando opções. Agora, nos últimos 30 dias, o setor parou, tem muita oferta e os preços começaram a cair”, conta Márcia Resener, colaboradora da Imobiliária Ideal.
Márcia conta que, inclusive, a imobiliária teve que abrir algumas exceções contratuais para os ex-trabalhadores obra. “Tivemos que rescindir os contratos antes do prazo, e houve um consenso para ajudar esse pessoal. Com a paralisação e as demissões, muitos devolveram as casas alugadas”, afirma.

aponta para o canteiro de obras da Usina Hidrelétrica Baixo Iguaçu. Trabalhos foram paralisados.