Coordenadora da Pastoral do Idoso na Diocese de Palmas/Francisco Beltrão nos últimos seis anos, a professora aposentada Verônica Strelow Matos é natural de Verê, mas reside em Itapejara D`Oeste há 37 anos.
Casada com o também professor Celito Matos, tem duas filhas: Ronise que, casada com Ênio Matos (mesmo sobrenome mas eles garantem que não são parentes), lhe deu seu único neto até hoje, Bruno, de 17 anos; e Gerusa, casada com Ânderson do Nascimento. Ronise reside em Francisco Beltrão e Gerusa, em Curitiba.
Verônica é a segunda das seis filhas que Herwart Strelow teve de seu segundo casamento. Strelow foi o proprietário das águas termais de Verê. Pioneiro do município e da região, estabeleceu-se na volta do Rio Chopim denominada Águas do Verê em 1949, com três filhos, mas em pouco tempo a esposa, Lizeta, faleceu. Ele retornou por algum tempo a Santa Catarina, onde casou com a também descendente de alemães Edeltraud Lindmann, com quem teve seis filhas.
Verônica iniciou seus estudos nas Águas de Verê. A 4ª série foi na escola da professora Frida, em Pato Branco. A 5ª série, no Colégio Glória, de Francisco Beltrão. O Científico (segundo grau), em Clevelândia, onde conheceu seu futuro marido, Celito Matos, que era de uma família de Anita Garibaldi (SC). E a faculdade, Letras-Inglês, foi em União da Vitória, no início dos anos 70, quando começou a lecionar no então Ginásio Humberto de Alencar Castelo Branco, de Verê. Nos dias de prova, uma colega telefonava de União da Vitória para outra que residia em Pato Branco e esta comunicava a Verônica pelo rádio, porque em Verê não tinha telefone.
No dia de seu aniversário, 5 de maio (anteontem), a professora Verônica concedeu a seguinte entrevista para o Jornal de Beltrão.
JdeB – Ao longo de 30 anos de professora, a senhora viveu fatos marcantes. O que a senhora lembra de mais importante?
Verônica Matos – São tantos momentos marcantes. Mas você sabe que depois que o aluno deixa de ser aluno é que vêm os momentos que a gente se emociona quando vê o aluno se dar bem, fazendo vestibular pra crescer na vida, vendo o aluno se realizar, daí a gente se realiza também.
JdeB – E aquela fama de professora durona?
Verônica – Bem, na época que eu dei aula era mais fácil que agora. Sempre me dizem que eu fui uma professora bem braba, mas não é braba, é que a gente gostava que os alunos fizessem as coisas certas, fizessem o tema de casa, que estudassem, que fossem bem. Então, o que marcou as minhas aulas foi a disciplina dos alunos e hoje eles dizem “professora, você era braba mas valeu a pena, pelo menos aprendi alguma coisa!” Então não tem assim alguma coisa, claro, eles procuraram, de vez em quando, fazer alguma brincadeira, mas senão era bastante seriedade.
JdeB – Hoje se fala muito de recursos audiovisuais, de planejamento, antecipar atividades prevendo o ano. Naquela época não se tinha tantos recursos como se tem hoje, e precisava usar a criatividade.
Verônica – O planejamento a gente já fazia no início do ano. Só queria contar uma coisinha: eu trabalhei dois anos no Colégio das Irmãs, em Clevelândia, quando eu fiz o magistério, científico, mas na época não tinha carteira assinada, era um colégio particular e eu lecionei dois anos. Quando chegou a hora de eu me aposentar e daí? Como fazer pra provar os dois anos? Eu fui até Clevelândia, fui no INSS, e nos finalmente da história tirei de um baú da minha mãe os meus cadernos onde eu preparava as aulas, e eu achei os cadernos com aulas preparadas dos dois anos que eu trabalhei em Clevelândia. E não precisou mais nada pra provar pro INSS. Então, naquela época eu já planejava tudinho. Fazia o plano anual, depois fazia o mensal, mas fazia o planejamento de todas as aulas. E o incrível é que as aulas do ano passado já não me serviam para este ano, tinham que ser diferentes. Eu tenho pilhas de cadernos dos meus planejamentos. E, claro, tinha que usar muita criatividade porque tinha no máximo um retroprojetor que vivia quebrando a lâmpada, era muito caro, não podia comprar. Era mais quadro negro mesmo que a gente usava e dava conta. Mas não era tão difícil assim.
JdeB – Nos primeiros anos não tinha asfalto, não tinha calçamento, as estradas eram ruins, não tinha transporte particular também, como que era a vinda desse pessoal, dos alunos, pra estudar na cidade?
Verônica – Eles vinham a pé, alguns vinham de bicicleta, mas dia de chuva a bicicleta não andava, eles vinham a pé, tadinhos. Alguns chegavam embarrados na sala, daí iam lavar o pé para então pôr um calçado. Até o nosso deputado Augustinho Zucchi fez isso, de chegar embarrado, lavar o pé pra entrar na aula e pôr o calçado. Os alunos fizeram muito sacrifício pra estudar naquela época. E é também por isso que valorizavam mais, hoje tá muito fácil, a escola na porta da casa, o ônibus na porta de casa, por isso muitos não querem estudar, não valorizam. A faculdade que eu fiz em União da Vitória, era no tempo que não tinha asfalto, e foram quatro anos de estrada. Uma vez eu tive que ir a Curitiba, já tinha asfalto de Pato Branco a Curitiba, morava no Verê, em Pato Branco pegava um ônibus pra Curitiba, pra de lá ir a União da Vitória fazer as provas. Tinha bastante dificuldade, mas graças a Deus a gente venceu e superou. E, como não tinha telefone no Verê, quando os professores marcavam provas, uma colega de Curitiba ligava pra outra de Pato Branco e ela me avisava pelo rádio.
JdeB – A senhora vem de uma família grande, de pioneiros e de muitos irmãos, foram proprietários também das Águas do Verê. Quais são as recordações que a senhora tem das Águas do Verê?
Verônica – Muito gostoso, agora a gente fica com saudade, só que a gente vai lá e tá tão bonito, tão organizado que a gente só quer que cada vez fique mais bonito. A gente tem aquele sentimento, aquele amor, parece que aquilo é sempre da gente. Eu acho que, graças ao empenho do meu pai e da minha mãe, eu fui estudar, porque na época conhecia muita gente que ia no hotel, na verdade eu saí de casa a primeira vez com um casal que tinha no hotel, me convidaram pra morar na casa deles pra estudar, e daí continuou. Eu morei uns quantos anos com casais, e depois fiquei um tempo num internato, mas eu acho que tudo aquilo ajudou pra gente sair um pouquinho daquele fundo, lá só tinha aula até a 3ª série e eu acho que colaborou bastante. Eu tenho muitas saudades das Águas do Verê.
JdeB – Como era uma família grande, os irmãos se ajudavam pra cuidar das águas termais?
Verônica – Bem, desde pequeno todo mundo aprendeu a trabalhar. Eu fui a que menos trabalhou lá porque eu saí pra estudar, e as minhas irmãs e tal não faziam tanta questão de estudar. Os meus irmãos, eu me lembro até o casamento deles, eles moravam com o pai, depois todo mundo tomou seu rumo, foram morar em Santa Catarina, Mato Grosso, daí vinham só pra visitar.
JdeB – Também chegou a época de aposentadoria, a senhora como professora, e aí o que fazer após a aposentadoria?
Verônica – Eu queria fazer tudo o que eu não tinha feito, fiz até curso de costura. Enquanto a gente é professora 140 horas, mais filhos, filhas, mais casa e tudo, a gente não tinha tanto tempo de fazer tanta coisa como eu tenho agora, mas eu vi que não era por aí, sou muito acostumada a trabalhar com gente. Eu trabalhei na direção de uma escola de pré, dois anos, daí a escola teve que fechar. Trabalhei como secretária da Educação, trabalhei com a Pastoral da Criança, e hoje já há seis anos estou na Pastoral da Pessoa Idosa. Não tem essa de se aposentar e ficar em casa, tem que fazer alguma coisa.
JdeB – Sobre a Pastoral da Pessoa Idosa, na terceira idade tem pessoas que entram em depressão que não sabem o que fazer.
Verônica – A Pastoral da Pessoa Idosa veio dar um motivo novo pras pessoas idosas, porque não adianta ficar idoso e ficar triste, porque ficam muito sozinhas, porque os filhos não visitam. A Pastoral da Pessoa Idosa veio justamente pra fazer a visita a essas pessoas idosas e levar a vida pra essa gente, sempre fazendo uma ponte entre o que existe, alguma coisa que gosta e uma coisa que precise fazer. Idoso que não ocupa a cabeça é depressão na certa.
JdeB – E esse trabalho, a senhora teve alguns exemplos de idosos que saíram do fundo do poço e melhoraram suas vidas?
Verônica – Bastante. Na Pastoral da Pessoa Idosa a gente sentiu na pele isso. As pessoas precisam de atenção, valorização e estar ocupadas, aí sai da depressão com certeza, tem muitos casos, graças a Deus.
JdeB – Há muitos voluntários, em pastoral, na igreja, muitas entidades de assistência civil, mas há espaço pra mais pessoas ajudarem?
Verônica – Meu Deus do céu! Falta gente! A messe é grande e os operários são poucos. Nós temos na nossa diocese em torno de 800 líderes que acompanham 9.500 idosos, mas se hoje os idosos são 15% da população, veja quantos que nós ainda temos pra visitar. Só na nossa diocese falta metade das paróquias que a gente ainda não conseguiu implantar. Mas tem muito trabalho na Pastoral da Pessoa Idosa.
JdeB – Além da senhora, mais alguma pessoa da família se envolve nas comunidades, nos eventos que a senhora organiza?
Verônica – Bem, o Celito, meu esposo, me acompanha em tudo e também eu só disse o sim, que eu assumiria a coordenação diocesana, quando ele disse “sim”, que me acompanharia. A gente faz um trabalho junto, eu sozinha não faço pastoral, é o casal.
JdeB – A senhora trabalhou com crianças e idosos. Com qual gostou mais de trabalhar?
Verônica – Eu trabalhei com crianças e jovens como professora. Na pastoral também eu trabalhei com crianças e depois com idosos. Os dois são gratificantes. As crianças na Pastoral da Criança a gente tá ali sempre esperando que elas vivam em grupo, que elas tenham saúde, cresçam, não vê a hora delas pegarem uns seis anos pra formar uma turminha da Pastoral da Criança. E com os idosos tem que pensar no futuro, sempre ajudando eles a cuidarem da saúde e tal. E quando acontece que um idoso falece, a gente fica muito triste, e na verdade é a vida, né? Mas os dois são gratificantes.
JdeB – E a fase mais difícil das crianças qual é?
Verônica – A pastoral atende de zero a três anos, começa na gestação e tem a gestante que também é acompanhada. Se você cuidar direitinho, usar a multimistura e fizer os exames tudo certinho, o pré-natal, tudo beleza, mas quando a criança nasce abaixo do peso é um pouco complicado pra pôr a criança na linha. Mas hoje ainda, graças a Deus, os projetos com crianças a maioria estão dentro do esperado.
JdeB – E sobre os idosos, qual a fase mais difícil de trabalhar com eles, qual a idade mais crítica?
Verônica – A diferença, na verdade, é de uma pessoa pra outra. Alguns têm mais problemas quando se aposentam. Tem os inválidos que se fecham na sua casinha, entram em depressão e acabam ficando doentes. Mas quando a pessoa enfrenta o pós-aposentadoria com vitalidade, vai fazer alguma coisa, daí vai embora. Não tem uma fase mais difícil.
JdeB – Tem pessoas mais difíceis e pessoas mais simples?
Verônica – Depende do temperamento da pessoa. O que ela sempre foi, com certeza ela vai ser quando for idosa, porque você passa a vida toda se preparando pra ser idoso, então, depende de como ela foi durante sua vida, ela vai colher quando for idosa.
JdeB – A pessoa que é nervosa quando jovem, continua nervosa depois de idade?
Verônica – A maioria. Algumas com experiência e tal ficam mais calmas, mas a maioria que era uma pessoa nervosa continua sendo.
JdeB – E o que os idosos mais lamentam de não terem feito durante a vida?
Verônica – Alguns deles gostariam de ter aos 40 anos, 30 anos a sabedoria e a experiência de hoje. Mas tem uma coisa que eles reclamam bastante é de filhos e netos que passam a mão na aposentadoria deles, fazem empréstimos no nome deles e eles assinam e não sabem o que estão assinando e na hora de receber a aposentadoria deles fica complicado.
JdeB – Nossa, acontece muito disso? O pessoal não tem dó dos pais?
Verônica – Muito, muito. Não tem dó, não tem dó. E sabe que pai e mãe é pai e mãe, se eles sabem que o filho tá precisando, eles dão o que não têm. O que acontece, eles até contam pra gente, porque da vida lá na pastoral eles contam tudo. Mas se chegar a fazer uma denúncia, eles negam e dizem que não, de dó dos filhos. A gente torce que a lei faça alguma coisa, porque esse é um caso bem sério e, olha, não precisa ir longe. Eu vi casos aqui em Itapejara. Porque a vida inteira trabalharam pelos filhos e agora os filhos que têm que ajudar os pais.
JdeB – O Censo de 2010 mostrou que nós temos dezenas de idosos aqui no Sudoeste com mais de 100 anos. A senhora chegou a trabalhar com algum deles?
Verônica – Sim, ainda tenho contato com uma senhora aqui de Beltrão que fez 100 anos. Não tem doença nenhuma e vivem em paz. Chegou aos 100 anos com qualidade de vida.
JdeB – É uma esperança pra nós, então?
Verônica – Sim. Vale a pena. Não adianta dizer que a pessoa idosa tá na melhor idade e tá triste, doente.
JdeB – E o que a senhora diz de Itapejara, onde vive há 37 anos?
Verônica – Ah, Itapejara é a nossa casa. Aqui a gente encontra alunos, encontra pais de alunos, é a nossa grande conquista.
JdeB – Não pretende sair daí então?
Verônica – Não, não, vou ficar aqui, vou ficar com nossos alunos, ex-alunos. Claro que Itapejara não tem só alunos.