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Francisco Beltrão
segunda-feira, 02 de junho de 2025

Edição 8.217

03/06/2025

Zenon Siqueira de Arruda: 93 anos de muita disposição

Entre os vivos, ele é o mais antigo morador de Clevelândia, cidade onde nasceu em 1922. Disposto, atencioso, sempre bem-humorado, fala do muito que fez e que viu ? do esporte, da vida social clevelandense, da família, dos feridos da batalha de 1925, dos nove prefeitos que ele serviu como funcionário público e dos oito times de futebol que ele torce.

 

Zenon Siqueira de Arruda nasceu em Clevelândia, há 93 anos. Foi funcionário público municipal nas gestões de nove prefeitos. Sabe muito sobre a história do município. Lembra detalhes até dos feridos do confronto de 1925, que eram medicados na igreja. Foi músico e desportista. Gostava de jogar futebol e casou com uma filha do alemão que daria o nome ao principal estádio do município, Max Stahlschmidt. Hoje só torce, mas por oito times, um de cada Estado. 

Quando uma escola de Clevelândia quer alguém para falar “dos tempos de antigamente”, convida Mozart Rocha Loures ou Zenon Siqueira de Arruda. O primeiro com 92, o segundo com 93 anos. Lúcidos, ambos forneceram informações orais sobre a batalha de 1925, entre tropas legalistas e a Coluna Prestes, para o recém-lançado livro “Um Rio por Testemunha”, de autoria do professor Guibarra Loureiro de Andrade e do advogado Milton Rocha Loures.

Zenon nasceu em Clevelândia dia 15 de maio de 1922. Diz que seu pai, João Nazário de Arruda, também era natural de Clevelândia e nascido em 1897. E sua mãe, Maria de Siqueira Arruda, era filha de João Fernandes de Siqueira, que veio de Guarapuava e era filha de um chefe de tribo indígena chamado Curumbatá.
Zenon é genro de Max Stahlschmidt, o desportista clevelandense que deixou seu nome no principal estádio de futebol da cidade. A esposa, Terezinha, lhe deu dois filhos: Tehany (1950-1998), falecida em acidente de carro; e Ubiraci de Jesus Stahlschmidt Arruda. Tem ainda a adotiva Claudete Aguirre Dauble Nogueira. Os três filhos lhes deram seis netos e cinco bisnetos.
Como funcionário público municipal de 1945 a 1983, Zenon participou das administrações de nove prefeitos: Antônio Anibelli, Crescêncio Martins, Abílio Carneiro, Synval Martins Araújo (51 a 55 e 59 a 63), Jesuíno Nuta Siqueira Bello, Arival Antônio Zardo, José Guerreiro de Paula, Idevaldo Zardo e Nelson Petry.
Desportista, jogador de futebol até os 62 anos, torce por oito clubes: Botafogo (o clube de seu coração) e mais sete: Internacional, Chapecoense, Atlético Paranaense, Palmeiras, Ceará, Santa Cruz e Atlético Mineiro.
Ele conta que foi muito dedicado ao trabalho, tomava banho de água fria até em dia de geada e levantava antes do sol, mas hoje, devido à idade, deita mais cedo e dorme um pouco mais pela manhã. E sua agenda continua cheia. Dia 2 deste mês, ele tinha vários lugares pra ir (levado pelo amigo Manoel Maneco da Silva, seu amigo motorista): pela manhã, foi acompanhado pela reportagem do Jornal de Beltrão. À tarde, das duas às três (depois tinha outro compromisso), em sua casa, próximo à rodoviária, no centro de Clevelândia, ele concedeu esta entrevista.

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Seu Zenon com uma foto da filha, Tehany, que faleceu aos 48 anos.

 

JdeB – O seu avô veio de Guarapuava?
Zenon –
Não, ele veio depois morar aqui em Clevelândia, são dois irmãos João Fernandes de Siqueira e Sebastião Dias de Siqueira, do lado do Sebastião Dias de Siqueira eles não assinam Siqueira, assinam Santana, porque veio um soldado que assinava Santana no tempo daquela guerra e se casou com uma prima irmã da minha mãe.

O senhor tem muitos irmãos?
Não, só tenho uma, ela nasceu em Guarapuava e hoje mora em Curitiba, está com 88 anos. Tem um que nós pegamos pra criar, mas morreu em 1965, no dia que estava fazendo 29 anos.

O que o senhor lembra de Clevelândia antiga, quando era menino?
A gente ficava admirado de ver aquelas tropas de porcos, tropas de burros que passavam por aí, de mula, que levavam pra São Paulo.

Vinham de Pato Branco e passavam por aqui?
Vinham aqui dessa região, era um matão danado, daqui até chegar na divisa com a Argentina a gente levava sete dias a cavalo pra ir, eu fiz essas jornadas. Depois eu comecei a trabalhar na Prefeitura, mas naquele tempo tinha muito bugre brabo, tigre. E nas pousadas a gente tinha que fazer fogo e os tigres vinham daqui como do outro lado da rua urrar, no outro dia a gente via os arranhados deles, e eles faziam as necessidades deles e cobriam de terra. 

E o seu pai fazia o quê?
O meu pai, quando era moço, ele estudou em Curitiba. Depois que ele veio de lá deram uma casa de comércio pra ele, ali onde é o Colégio Professor Mestrinho Antônio Marcelino de Pontes, ele trabalhava na casa de comércio e nas horas vagas trabalhava de alfaiate, depois entrou na Prefeitura, naquela revolta de 1930, e se aposentou na Prefeitura. Ele era fiscal do município.

E foi ele que encaminhou o senhor pra trabalhar na Prefeitura também?
Não, eu sempre tive amizade, eu com oito anos já comecei a trabalhar como engraxate, e dos oito até os dez trabalhei de celeiro, de sapateiro, lidei na roça, cuidei de cavalo parelheiro, mas pra correr uma corrida verdadeira eu ficava nervoso, não servia pra isso. Eu só prestava pra treinar e pra cuidar. Cuidei de criação, de vaca de leite, fui pintor muito tempo.

Pintor de casa?
É. Retelhador de casa. As telhas estavam ruins, quebradas, a gente subia lá e consertava.

O senhor pegou um tempo que tinha muita casa coberta de tabuinhas?
O meu avô João de Siqueira tirava tabuinha muito bem, escolhia a lua certa pra tirar e também tirava tábua pra fazer as paredes de casa. Quando não tinha ninguém pra ajudar, tinha umas serras próprias pra lidar sozinha, senão tinha que ter um companheiro bom pra ajudar.
Qual era a lua boa?
Eu não me lembro, mas acho que era na minguante. Esta minha casa eu fiz em 52. Nessa época o meu avô já era morto, ele morreu em 37, eu tinha quinze anos. Aqui era tudo mato.

E tinha pinheiro?
Tinha pinheiro que dava pinhão aqui pertinho, as trincheiras da Revolta de 25. Agora não aparece nada, tinha três lugares aí que apareciam as trincheiras.

Mas trincheiras que não foram usadas?
Não, aqui não teve combate, dentro da cidade, mas ali no Salto do São Francisco ainda existe caveira.

A gente tem poucos registros de falecimentos. Mas teve bastante mortes, né?
Teve bastante morte, mas era gente estranha, eu me lembro que eu queria ir ver e a mãe não queria me levar. Aí ela me levou na igreja, estavam lá gemendo de dor, uns estavam mortos.

Dentro da igreja que foram socorridos?
Sim, foram socorridos, eu tinha dois anos e ainda me lembro. Eu queria ver os soldados, as ruas só tinham um trilhozinho de carroça, só tinha a rua que agora é Piragibe de Araújo até na praça. Quando os soldados passaram, ficou gravado na minha cabeça (risos).

Falam que os militares feridos foram socorridos no hospital militar, mas tinha hospital aqui também?
Não, foi na igreja, hospital não tinha. O meu pai naquela época foi convocado também e ele entendia um pouco de enfermagem, então ele foi cabo enfermeiro. E daí ele quis se refugiar na Argentina num combate. Quando terminou a guerra, ele ainda estava lá.

Aquela vez sacudiu Clevelândia.
Eu me lembro que quando nós estávamos fugindo pra sair daqui, nós fomos de carrocinha, essas cobertas com toldo, que era do meu padrinho, e numa altura vinha um cavaleiro a galope e disse “podem voltar daqui, já terminou a revolta”, aí nós voltamos.

Tem um registro que diz que pelo menos dois ou três soldados morreram, aqui foi dia 20 de fevereiro e diz que morreram dia 23 de fevereiro, está registrado em cartório que foi em um combate em Pato Branco? 
É, nessa região pra lá teve mortalidade, já estavam brigando, só que daqui de Clevelândia não morreu ninguém.

Falam que a Coluna Prestes queria vir aqui pra tomar armas, tinha depósito de armas do Exército?
Eu acho que tinha, porque o armamento aqui era grande, lembro que eles me contavam que tinha um depósito de armamento. Mas eu era muito pequeno. Naquela de 30, a revolução do Prestes, eu me lembro bem, porque eu gostava de estar junto com os soldados e tinha o seu Manoel Martins, que era o Coronel Manoel Martins. Mas aqui não aconteceu nada. Teve uns tiros um dia do Prestes com a turma lá onde era a Prefeitura e embaixo era o Fórum.

Isso o senhor já era maiorzinho?
Era em 1930, 1932, eu tinha dez anos. Brigaram lá dentro, mas na rua não houve nada.

O senhor já foi pescar lá no Rio São Francisco?
Quando era piazotinho, uma vez eu fui porque me interessou ir lá ver se enxergava uma caveira de gente. Tinha um amigo meu que morava lá pertinho que nadava bem, ele me disse “eu vou pegar uma e vou te mostrar”, e se jogou lá num poço e tirou e me mostrou, aí falou “agora vamos devolver no lugar”. Diz que lá tem até agora. 

Foram pescar da cachoeira pra baixo?
Da cachoeira para baixo, da cachoeira pra cima, dava peixe em todo lugar. No rio, onde atravessa a estrada, tinha uns poços bons, bonitos.

E como é que os peixes sobem a cachoeira?
Eles se criaram pra cima.

Antes de construírem a usina, ouvia-se o barulho do Salto do Chopim?
Não, era muito longe. No meu tempo de piá tinha umas ruas que tinha uns lampiõezinhos de querosene, ficavam acesos até umas horas da noite, daí apagavam. Tinha a cachoeira do brinco aí que é mais perto, não se ouvia barulho.

Sempre foi um lugar calmo aqui?
Calmo, mas de vez em quando dava umas peleias. Depois que veio bastante gente do Rio Grande era mais perigoso. Se intrigavam nos bailes, aí morria gente, saía gente machucado e tudo.
Até entrar na Prefeitura o senhor fazia outros trabalhos?
Fazia outros trabalhos, trabalhava em casa de comércio naquela época. Quando eu entrei na Prefeitura, foi esse Anibelli, pai desse Anibelinho, deputado até pouco tempo, nós uma turma trouxemos ele para cá, pra ele assumir a promotoria, ele era advogado e era da seleção brasileira daquele tempo, ele estava convocado pra disputar, faltava dez dias pra ele jogar lá na Argentina a Copa Sul-Americana. Daí ele não foi, resolveu ficar aqui, e casou com a filha do seu Manoel Martins. Quando ele chegou aqui, fez muita amizade comigo no começo, ele jogava muito bem futebol.

O senhor também jogava?
Eu também jogava, eu era pra jogar no Palestra Itália, mas daí só davam o que comer, pra dormir, a gente tinha que achar serviço. Eu disse “não, eu tenho que ajudar meus pais, eu não vou”. E em Ponta Grossa tinha um amigo meu que era dono do Operário, ele queria me levar, me dava uma loja de calçados pra mim cuidar, 10% das vendas, aula de graça, pensão de graça, tudo de graça pra jogar no Operário. Mas daí a justiça não deixou eu ir, porque eu tinha 14 anos.

Era de menor de idade.
E aquela vez que vieram me buscar pra jogar no Palestra Itália, eu tinha 16 anos, aí já podia ir, era pra ir quatro daqui, mas não foi nenhum. Desses, todos já se foram, só está restando eu.

O senhor começou a jogar cedo?
Eu não conhecia futebol, aí um dia a mãe falou “vá buscar vassoura pra varrer o terreiro”. Já tinha aquelas vassouras apropriadas que a gente cortava, ela e colocava num cabo de madeira.

Amarava com arame?
Não, amarava numa latinha daquelas de compota, tirava a parte de cima, aquilo era o que segurava. Minha mãe disse “vá lá cortar vassoura”. Gramadão é ali onde é o Estádio Max Stahlschimidt e isso foi em 32, e digo “vou até lá no gramadão tomar água e corto lá”. Cheguei lá, estavam mexendo com umas madeiras, parei olhar, mas eu não era especula, a educação que a gente aprendia era assim, eu só disse boa tarde e fiquei quietinho lá olhando eles, e daí resolvi cortar a vassoura. Quando cheguei, a mãe disse “por que que demorou tanto? Eu te surro, já te passo a vara de marmelo”. Daí eu disse “mãe, eu fiquei olhando, estão fazendo uma casa no Gramadão”. Eu pensei que as traves era uma casa que iam fazer (risos).

O senhor começou a jogar?
Fiquei doido por bola. Joguei até 62 anos.

O futebol fez bem pro senhor?
Barbaridade! E depois fui músico, tocava pistão, tocava cavaquinho, cantava, era seresteiro, gostava de carnaval barbaridade. Toquei muitos carnavais, muitas festas religiosas, casamentos nós íamos tocar até na Argentina, no Paraguai.

Teve carnaval bom aqui?
O carnaval daqui era uns dos melhores, já começavam em novembro. Os máscaras saíam na rua, e tinha uma banda de música muito boa. Tinha brincadeira de lança-perfume que naquela época não era proibido e era muito gostosa, confete, tinha aquelas guerras que eles diziam lá dentro do clube, pra ver quem vencia, e aquilo era bonito.

“Tenho uma amizade grande com todo mundo”

O senhor lembra do Francisco Beltrão?
Lembro, eu me dava muito bem com ele. A dona Lenira foi nossa professora, depois veio a dona Rosinha, que era de Curitiba. Aqui nós tínhamos professoras boas. O quarto ano primário daquele tempo era o segundo ano de agora. A gente aprendia até a raiz quadrada.

A Lenira era filha do Beltrão?
Era, sim. Eu conheci ele com uma certa idade, era uma pessoa muito alegre, muito prestativa, muito boa. Tem um colégio aí junto com a Fesc, a faculdade, que tem o nome dele. Ele era um homem que veio de São Paulo muito instruído. Tenho músicas que ele escreveu, tenho até agora guardado, tinha uma caligrafia bonita pra escrever as notas.

Francisco Beltrão tinha uma chácara aqui?
É, bem aqui da segunda rua pra lá. Não me lembro da segunda esposa dele, acho que ele já era viúvo, me lembro só dele.

Lembra só da Lenira ou lembra de mais algum filho?
Dos filhos dele até pouco tempo um deles estava vivo no Rio de Janeiro, sei lá, deve estar com uns cem anos, pode estar vivo ainda, ele não era muito mais velho do que a gente, eu me lembro quando a gente era moço, ele vinha de Curitiba pra cá passar uns dia e a nossa diferença era de uns oito anos.

E no seu tempo de Prefeitura era difícil ou sobrava dinheiro?
Não sobrava dinheiro, era difícil barbaridade. Quando vinham os professores do interior e não tinha dinheiro, eu ia num açougue que eu me dava muito bem e pegava dinheiro no meu nome e pagava os professores.

Era contadinho o dinheiro. 
Sim, era tudo contadinho, e nunca foi dinheiro em banco, tinha um cofre que era do tesoureiro, cheguei a afinar a maçaneta do cofre. Eu aprendi com minha avó, que a gente era pobre, então as coisas eram tudo contadinhas certo. De noite podia até fechar o olho que ia e pegava as coisas no lugar certo, e assim eu fazia no meu serviço. E quando eu saía na rua o pessoal pegava e colocava tudo no assoalho pra ver o que eu fazia. Eu chegava e dizia “mas vocês são barbaridade!” Era pra ver se eu ficava brabo ou não, era tudo amigo (risos). Eu juntava tudo e arrumava (risos).

Mas faziam com as coisas da sua mesa?
É, com as coisas do trabalho, das gavetas, tiravam tudo, faziam uma anarquia danada, eu levava umas duas horas pra arrumar tudo direitinho (risos).

E dos prefeitos que o senhor trabalhou, qual o senhor gostou mais?
Eu gostava de todos, eu sabia tratar todo mundo, foram todos muito bons.

O senhor começou na administração de quem?
Comecei na administração do Anibelli. Ele ainda tinha seis meses pra ficar, que era no tempo do Território do Iguaçu. Um dia ele chegou e disse pra mim “eu tenho mais seis meses de serviço aí, vou te tirar desse serviço duro. Vou te por na tesouraria. Depois o outro prefeito que entra você tem que entregar o cargo”. Aí entrou o seu Crescêncio, que era tio dele.

O Crescêncio Martins?
É, ele tinha casado com uma sobrinha do Crescêncio, daí pra encurtar o causo eu trabalhei com nove prefeitos. Ainda trabalhei aposentado sete, oito anos. Entrei dia 2 de janeiro de 45 e saí dia 3 de fevereiro de 83. Uma vida. Quando criaram o município de Abelardo Luz, veio cinco amigos meus me buscar porque ia ter eleição lá e não tinha candidato, e era pra ser eu o candidato único deles, e não me deixaram sair daqui. Na outra eleição vieram de novo, veio uma comissão, umas dez, doze pessoas, e queriam me levar lá pra concorrer com outro e garantiam que eu ia ganhar. Mas daí não me deixaram sair daqui.

O senhor lembra do tempo que esteve na Prefeitura como tesoureiro, como que foi o relacionamento do prefeito com a Câmara, se entenderam ou deu muita bronca?
Foi em 1947 que eu me lembro da primeira reunião que fizeram, até tinha o doutor Aparício Henrique, de Pato Branco, que veio se candidatar, eu me dava muito bem com eles, e os vereadores eu não me lembro se era cinco ou sete, tinha dois de Vitorino, de Pato Branco e os daqui, e se entendiam muito bem, as pessoas antigas daqui eram daquelas que honravam o fio do bigode. 

Qual foi o melhor período da sua vida aqui em Clevelândia?
Aqui eu não tenho nada pra me queixar, mas no tempo que eu trabalhava na prefeitura e fui músico, tocando carnaval e tocando em festa, a gente tinha pessoas amigas, eu tinha parentes lá na Argentina, e tenho até agora. Era um tempo bom e o melhor para mim foi o futebol.

O senhor jogava em que posição?
Onde me pusessem. Até de goleiro, mas uma vez me virou o dedo, daí eu não quis mais. Eu pulava, saltava alto e tudo.

Chutava de direita ou de esquerda?
Eu chutava de qualquer uma, de direita eu tinha uma bicuda famosa, eu chutava pênalti e não errava.
Nem que o goleiro fosse no canto?
E se fosse não pegava. Eu tinha umas bicudas famosas. Eu tinha uma prática danada, e era muito bom pra driblar e dar passe pros outros.

E tinha boa resistência, não cansava?
A resistência era tremenda, não tomava banho na água quente, chegava em casa depois do treino, pegava uma lanterninha e tinha uma vasilhamezinho que veio de Amsterdã pro meu pai com bebida, e eu sempre consertava com a cachaça pura. Então chegava e pegava uma toalha seca e um calção, a minha mãe que fazia os calções, e ia pra baixo da bica d’água fria, às vezes caindo neve e eu tomando banho de água fria. Saía e tomava um gole de cachaça e fazia ginástica, chegava em casa queimando de frio. Quando eu casei com 26 anos, a minha patroa levou quase um ano pra fazer eu tomar banho dentro de casa com aqueles chuveirinhos que descia com umas cordinhas. Eu não gostava. E tinha uma resistência, não tinha cansaço e não tenho até agora.

Não pegava gripe?
A única coisa que eu me lembro que peguei, que fiquei ruim, quase morri, foi sarampo, eu tinha uns 19 anos. Aquela vez ficou feia a coisa.

E hoje o senhor continua com boa saúde?
Tem umas coisinhas, eu tenho uma encrenca de nascença que é a uretra, ela é estreita. A primeira vez eu me lembro, eu tinha 8 anos, fomos passear em uma noite de luar na casa de uns amigos e eu fiquei pra trás, minha mãe me chamou e eu digo “já vou”, mas eu estava lidando com problema de urinar, em vez de contar não contava nada. E depois, quando eu cresci, me atacou forte aquilo, tinha que ir pra Pato Branco consultar com o dr. Ronaldo, e ficamos grandes amigos.

E o que era?
Era um estreitamento, tinha que fazer dilatação com sonda, colocava uma manguinha bem fininha e depois outra mais grossa e sem anestesia. As enfermeiras diziam “mas o senhor nem geme”. Eu disse “por que gemer se está fazendo cosquinha?” (risos). Elas quase morriam de dar risada. E eu suando de dor (risos).

Como é a sua rotina hoje, seu Zanon?
Meu dia a dia é em casa, porque eu não saio mais, minha esposa está com 83 anos, tem que estar tomando remédio, teve câncer fortíssimo, mas sarou. Daquele lado que teve câncer quebrou três vezes o braço, mas ela não para.

O senhor deita tarde?
Deitava tarde, agora tô ficando vagabundinho, quando é nove e meia já estou indo deitar, mas de primeiro eu ia dormir tarde, ainda mais quando tinha futebol na televisão eu ficava até o fim. Às vezes ficava vendo comentário e lutas de boxe até uma, duas horas da madrugada. E fazia todo dia seis mil e quinhentos metros a pé, depois que eu larguei de trabalhar.

Que horas o senhor levanta?
Uma vez eu contei: foi 37 anos que o sol não me pegou na cama. Quando os outros chegavam no serviço, estava tudo limpo, tudo arrumado. Eu não sabia ficar quieto. Hoje em dia eu levanto nove, nove e meia da manhã, dez horas é a hora de eu tomar café, e de primeiro não, antes o sol não estava nem começando a sair ou nem tinha saído eu já tinha tomado café, pra chegar no serviço e limpar pra quando eles chegassem lá que fazia pouco tempo que o sol tinha saído pra estar tudo limpo, tudo arrumado.

Dona Terezinha, o seu Zanon sempre foi uma pessoa positiva?
Terezinha –
Agora com essa pancada na cabeça ele achou que ia ficar piam- piam, mas não ficou (risos). Mas é teimoso, na idade dele não dá pra sentar em qualquer cadeira, qualquer banquinho, “fui três vezes, chega de sol, vamos entrar pra dentro, pelo amor e Deus”, dali a pouquinho, sabe daqueles banquinhos perigoso que abre as pernas? Mas não foi o banco, foi ele que se atirou do banco, acho que cochilou. Ainda bem que eu deitei no quarto do fundo. No que eu deitei, que estava começando a cochilar, eu ouvi um grito. Estava lavado de sangue, pegou uma veia da cabeça e eu comecei a gritar, aí veio os vizinhos e socorreram ele. Ali naquela cadeira eu já proibi ele de sentar. 

O seu pai gostava de futebol e o seu Zenon também gostava?
Terezinha –
O meu pai gostava, tanto que tem o estádio lá o Max Stahlschmidt. Eu não ligo muito.
Zenon – Ela é flamenguista.
Terezinha – Copa do Mundo ainda eu olho. Eu não ligo mais tanto, porque a minha filha morreu na Copa do Mundo, enfeitei a tarde inteira e de noite tive que ir pra Curitiba. E daí o meu genro também morreu na Copa do Mundo, ela morreu no dia 9 e ele morreu no dia 12 de junho, quatro anos depois.

Seu Zenon, procuram o senhor pra contar a história do município?
É, no colégio me chamavam muito. Agora eu disse pra pararem um pouquinho que a minha cabeça não está mais como era. Eu ia lá quando tinha aqueles alunos rebeldes, eu chegava e ia cumprimentar todo mundo, falava bem o que era preciso. Dali a pouco aqueles que eram os tais chegavam lá e pediam desculpas e tudo, uns choravam até. E uns quantos endireitaram, sentiram o que eu falei. 

E o senhor com 93 anos continua fazendo seus negócios, o seu amigo o Manoel leva o senhor?
Eu vou por toda parte aí, atender os meus negócios. Tem muita gente que pode fazer pra mim, que fazem em dias que eu não tô bem. Tenho uma amizade grande com todo mundo.

Seu Zenon e a esposa, dona Terezinha, num evento social.

 

“Um Rio por Testemunha”

Naquele livro que saiu recentemente o senhor falou que tem coisas erradas?
É, mas eu não me lembro o que, tem uma fotografia que diz que tem uma menininha ajoelhada e diz que sou eu, mas aquela é minha irmã. Naquele tempo os meninos tinham seis, sete anos, os pais vestiam de menina e não se incomodavam de fazer isso, achavam bonito. E outras coisas que a gente contava de um jeito e eles esqueciam e em vez de voltar perguntar, faziam coisa errada. Uma coisa que não saía errada eram as poesias, os sonetos que o seu Manoel Martins fazia naquele livro que ele escreveu. Ele não errava e ele tinha uma facilidade pra fazer isso. E eu também, eu me acordava à noite, tinha aqueles papéis de embrulho, um lápis bem apontado, eu me acordava com a aquela coisa, fazia acróstico, soneto, pensamentos, era coisa mais fácil que tinha pra mim. Depois larguei de mão.

E o senhor guardou aquelas poesias?
Guardei, mas me roubaram quase tudo, e tem um que morreu há pouco tempo que disse pra mim “aquele pensamento está guardado, aquele vai pra eternidade junto comigo”, e coitado morreu há poucos dias.

Então do que o senhor escreveu não tem nada?
Comigo não tem. Tinha numa caixa no galpão, bastante coisa de quando era piá, que jogava bola de gude, aquelas bolas bonitas, e quando não tinha bola jogava com castanha de butiá, e uma porção de coisa minha que eu guardava ali de estimação, e depois não sei quem foi que entrou ali e levou com caixa e tudo.

É difícil acertar, mas a iniciativa deles foi boa de fazer o livro, não foi?
Foi, claro que foi boa, todos que escreveram têm diversos livros aí, tem da dona Lenira, tem do seu Manoel, tem da filha do falecido Juarez, tem do Rio Grande do Sul que não tem muito tempo que ele fez. Só que trocaram as fotografias, ali ficou trocado o nome nos times…

E tem outro Zenon aí?
Tem mais uns dois ou três, que colocaram por causa do meu nome.

O senhor é o morador mais antigo hoje aqui?
É eu e o Mozar Rocha Loures, pai do Tinho. Ele vai fazer em dezembro, dia 22, 93 anos.

Daqui uns dias ele alcança o senhor?
Daqui uns dias ele me alcança. Nunca brigamos e nos finais de semana que nós tínhamos folga nós pintávamos pia, nós se juntávamos no sábado e só parava no domingo à noite pra dormir, que no outro dia tinha que pular cedo (risos). Era um tempo bom. Vinha cerveja nas caixas de madeira, empalhada nas palhas de trigo, duas dúzias pra cá, duas dúzias pra lá, e nós se juntava os sete companheiros que não se largava, e tirava no palito quem é que ficava atendendo a cerveja. Ficava tocando violão, cavaquinho, pandeiro, cantando e daí ia pra casa dormir (risos).

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