Por Coletivo Leia Mulheres de Francisco Beltrão em resposta a opinião publicada em 16/02/2023
A forma com que dizemos e escrevemos nossas ideias revela as premissas as quais nos associamos. Não há discurso neutro. Opinar é externar percepções que, quando vinculadas a algum tipo de simbologia de autoridade, vêm carregadas de grande responsabilidade social, pelo poder que tem de interferir na vida das pessoas.
A sociedade brasileira alcançou constitucionalmente, e como resultado de um processo de seu próprio amadurecimento, a igualdade entre mulheres e homens, princípio básico que rege todos os assuntos que os relacionam. Apesar do utópico equilíbrio formal, as relações de gênero são desiguais e a opinião que se responde reforça essa desigualdade.
Se são iguais os direitos entre mulheres e homens não há algo próprio de um ou de outro. Há sim escolhas pessoais, definições conjuntas, mas nada pronto, natural ou defendido como próprio da relação mãe e filhas e filhos.
A premissa é biológica. Se gerar nova vida é um ato conjunto, viabilizar essa existência também o é. No entanto, essa não é a realidade que se apresenta. Mais de 100 mil crianças foram registradas no Brasil, em 2023, sem a identificação de seu pai, conforme dados do Portal da Transparência do Registro Civil.
O drástico abandono paterno-afetivo, transformado em dado científico, submete dia-a-dia mulheres à maternidade solo.
A realidade impõe a sobrecarga a somente uma das agentes envolvidas na geração da nova existência, atribuindo a mãe – e a avó, tia, irmã, vizinha, professora ou outra que faça parte de sua rede-de-apoio, remunerada ou não, voluntária ou não – responsabilidades financeiras, emocionais, de dedicação de tempo e cuidados em uma evidente e indefensável desproporcionalidade.
E ao invés do reconhecimento social e político, confirmado através de proteção redobrada institucional e legal, as mulheres mães são frequentemente julgadas, discriminadas e, por vezes, ameaçadas diretamente ou por perspectivas não pautadas em igualdade, por conjecturas que defendem responsabilidades ininterruptas, sem direito ao descanso, à profissionalização e a vida social para além dos encargos da maternidade.
Essas são as estruturas. No feminicídio, entre tantas, a ideia de posse de uma mulher. No abandono das crianças geradas, entre tantas, a atribuição da responsabilidade integral às outras pessoas que não o homem.
Em uma perspectiva de cuidado conjunto, qual a rotina diária do(s) pai(s) e da(s) mãe(s) na guarda compartilhada? É fácil listar: acordar, buscar e levar para a escola, dar banho, organizar as roupas e os calçados para o dia seguinte, pensar, comprar e preparar as refeições, levar para a consulta/dentista de rotina ou de urgência, acompanhar noites não dormidas, controlar o tempo de telas, brincar, ensinar entre tantas outras. Sendo listáveis, são facilmente atribuíveis e tudo é um fazer compartilhado. Sociedades já concluíram que é necessário muitas pessoas para criar uma criança.
Então, se no mínimo duas pessoas realizarem a criação, ambas terão seus períodos de descanso e lazer, parte indissociável da vida humana já que ninguém deve viver somente para pagar as contas e cuidar de outras pessoas.
Já compreendemos que a ideia de conferir às mulheres a posição de “guerreiras incansáveis” é, em verdade, palavra vazia que não é capaz de alterar a realidade da desigualdade em que muitas vivem. Não estamos em uma guerra, ninguém quer estar. As partes exigentes e leves da vida são direito/dever de todas as pessoas. Aliás, é até um absurdo precisarmos escrever essa frase.
Nenhuma pessoa tem posse de outra. Nem mesmo a pessoa que tem um projeto exclusivamente particular, estará fadada a sua execução sozinha, porque somos seres relacionais, dizem.
Não haverá sentimento de prisão – e de afastamento – se houver igualdade, disponibilidade, comunicação. Passeios em períodos de folga e exigências de onipresença não são seus exemplos.
A igualdade é lei e broto forte em casa de homens e mulheres que respeitam sua própria história, sua relação afetiva ou de responsabilidade com outras pessoas.
A atribuição da guarda não deve se basear em quem “ganha” ou “perde”, como se uma disputa ocorresse. Uma criança não é um prêmio a ser conquistado, mas sim uma nova vida em curso. Elementos como o término do relacionamento, a disparidade salarial entre os pais, a existência de um novo relacionamento ou a posse de imóveis não são os únicos fatores considerados para determinar a guarda e o regime de visitação.
Alegar que a mãe pode perder a guarda ao se ausentar para trabalhar, estudar ou para momentos de lazer, deixando a criança com a avó é uma perspectiva misógina e, ainda, desconectada da maioria das decisões judiciais, onde cada caso é analisado em particular, com o apoio de toda uma equipe técnica que avalia a presença de riscos reais. Nenhuma dessas situações isoladamente é suficiente para alterar a guarda.
Estar em um novo relacionamento afetivo, estar em um tempo livre ou de lazer, desabafar sobre os pesos e prisões de sua existência, confiar na ajuda das avós para cuidar da criança, não desqualifica uma mulher, já que sua responsabilidade deve ser sempre conjunta, primeiro, com quem gerou a criança e, depois, com suas redes de apoio.
A sociedade construiu as relações afetivas que tem direito ao fim. Constrói também o exercício do direito/dever da guarda das crianças e adolescentes dessas relações. A igualdade, que supere a escrita na lei e alcance a cozinha e o quarto de nossas casas, somente será alcançada quando as opiniões não estiverem mais baseadas em estereótipos e julgamentos que geram desigualdades violentas que possuem tantas caras, inclusive a da linguagem.
A presente análise, que se decidiu dividir com outras pessoas, é fruto do debate e da escrita coletiva sobre o tema e a opinião. Assinalamos a urgente necessidade de ampliarmos nossas percepções sobre o assunto e, principalmente, informarmos as mulheres que convivem com essa temática que não estão sós.
São atendimentos públicos em Francisco Beltrão para toda e qualquer dúvida relacionada à guarda, alimentos, visitação das filhas e filhos:
NEDDIJ – Jurídico – UNIOESTE – (46) 3520-4868
NÚCLEO de Prática Jurídica – UNIOESTE – (46) 3520-4874
EMAJ – Jurídico – CESUL – (46) 3524-5640
SAJUG – Jurídico – UNIPAR – (46) 3520-2800
DEFENSORIA PÚBLICA – Jurídico – (46) 3524-5594
CONSELHO TUTELAR FRANCISCO BELTRÃO – (46) 3523-1243.
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