Evento reuniu nomes de referência no Direito, na Medicina e na Educação para discutir desafios e avanços no tratamento dos transtornos do neurodesenvolvimento.

O curso de Direito da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Francisco Beltrão, promoveu na noite de terça-feira, 10, uma mesa-redonda para discutir a Medicina Baseada em Evidências (MBE) e os Transtornos do Espectro Autista (TEA). O evento, realizado em parceria com a Unimed, reuniu mais de 200 participantes, entre acadêmicos, profissionais da saúde e membros da comunidade.
O debate contou com a presença de especialistas como o juiz federal Clênio Jair Schulze, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região; a professora Laura Ceretta Moreira, pós-doutora em Educação; e o médico pediatra Renato Santos Coelho. A mediação foi conduzida pelo psicólogo Paulo Alexandre München e pelo assessor jurídico da Unimed Paraná, Eduardo Batistel Ramos.
Na abertura, a professora Liliane Gruhn destacou o compromisso da universidade com a formação cidadã. “Reafirmamos a missão da Unioeste em aproximar o saber científico da realidade social, promovendo não apenas conhecimento técnico, mas também empatia, responsabilidade social e protagonismo acadêmico.” Ela ainda ressaltou a importância da parceria com a Unimed local, “uma cooperativa que é símbolo de compromisso com o desenvolvimento regional”.
Transformação contínua
A diretora-presidente da Unimed Francisco Beltrão, Wemilda Fregonese Feltrin, também celebrou a iniciativa. “Estamos aqui com referências em áreas fundamentais, e isso nos dá muita satisfação. Cumprimos os princípios do cooperativismo relacionados à educação e ao compromisso com a comunidade.” Segundo ela, o diagnóstico de transtornos do neurodesenvolvimento ainda é um desafio até mesmo para pediatras. “Os conceitos mudaram, a educação mudou e as famílias mudaram também. Para nós, médicos, é um aprendizado constante — e para as famílias, ainda mais”, disse a pediatra com 40 anos de experiência.
Nível maior de comprovação
O juiz Clênio Schulze, pesquisador do Direito à Saúde e da judicialização da saúde, trouxe dados que revelam a dimensão do problema. “Hoje, são cerca de 800 mil processos sobre saúde em tramitação no Judiciário brasileiro. Muitos envolvem tratamentos sem evidência científica. É preciso separar aquilo que tem respaldo técnico do que não tem.” Ele também comentou recentes decisões do Supremo Tribunal Federal que alteram o cenário da judicialização: “Agora, exige-se um nível maior de comprovação científica. Não basta só a prescrição médica”.
A professora Laura Ceretta, da Universidade Federal do Paraná, abordou o papel das instituições de ensino no diagnóstico e encaminhamento de crianças com TEA. “Muitas vezes, os diagnósticos partem da própria escola, que está despreparada e carente de estrutura. Os municípios fazem avaliações de formas muito distintas, e isso compromete a eficácia do atendimento.”
Já o pediatra Renato Santos Coelho falou sobre a complexidade dos transtornos do neurodesenvolvimento. “A pediatria do desenvolvimento é uma interface com neurologia, psiquiatria, psicologia. Trabalhamos com crianças com TEA, TDAH, atraso de linguagem e de aprendizagem, transtornos de comportamento, entre outros.” Ele chamou a atenção para os impactos do uso precoce de telas: “Estudos mostram que o uso antes dos dois anos atrasa o desenvolvimento. A recomendação é zero até os dois anos e, depois disso, no máximo uma hora por dia.”
Aumento dos diagnósticos
Coelho também contextualizou o aumento de diagnósticos de autismo nas últimas décadas. “Há 30 anos, tínhamos um caso a cada mil. Hoje, é um a cada 36. Parte disso é mudança de critério, mas 20% a 30% desse aumento é real. Isso impõe um enorme desafio à medicina, à educação e ao sistema de saúde.” O médico defendeu uma abordagem multidisciplinar: “O tratamento envolve psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, médico, psicopedagogo. E não há um prazo definido — é um tratamento contínuo, com custo elevado e impacto em toda a rede”.
Conforme disse, o tratamento varia muito de pessoa para pessoa e não há um prazo definido. “Não é possível afirmar que será concluído em três meses, seis meses ou mesmo em dois anos. O tempo é indeterminado. Isso representa um custo elevado para todo o sistema de saúde, que hoje enfrenta um grande desafio para atender à crescente demanda de forma adequada.”