20.4 C
Francisco Beltrão
terça-feira, 27 de maio de 2025

Edição 8.213

28/05/2025

GENTE DO SUL

Delma, vida sofrida, mas bem-humorada

Por Ivo Pegoraro – Os 88 anos, ela quebrou uma perna, num tombo “bobo”, dentro de casa. Passou semanas no hospital e, passados alguns meses, ainda tem restrições para caminhar. Mas ela não perdeu seu bom-humor. Neste período, recebeu muitas visitas. Histórias para contar ou relembrar é o que não falta. Sua vida foi intensa, plena de passagens alegres ou sofridas. E ela recorda com muitos detalhes. Até do padre que queria casar com ela.

Bisavó Delma Tesser da Silva no dia desta entrevista.

Delma Tesser da Silva tem duas datas de aniversário. É que ela nasceu dia 31 de maio de 1935, mas no documento foi registrado 10 de julho de 1935.

Delma é a quarta dos 11 filhos de Dozolina Scopel e João Tesser, agricultores que residiam na Linha Oitava, em Guaporé (RS).

- Publicidade -

Aos 20 anos de idade, casou com Atílio Chaves da Silva (30-4-1931 a 19-7-1986), ele que viria a ser prefeito de Eneas Marques na gestão 1977-1982. Conheciam-se da infância, mas o namoro foi “distante”. É que cinco anos antes do casamento ele já residia no Paraná, aqui na terra de parentes da Delma, como o primo Segundo Tesser, transportador de mudanças do Rio Grande para o Paraná, e o tio Fiorindo Tesser, aquele que em 1963 recebeu o primeiro título de terras do Getsop e tem seu nome num monumento da Praça Virmond Suplicy de Francisco Beltrão.

O casamento foi em outubro de 1955 e logo, dia 24 de novembro, Delma e Atílio chegavam em Vista Alegre, onde ele tinha selaria e sapataria. Ali nasceram os sete filhos e a família viveu por mais de 30 anos, descontado o período de 1977 a 1983 que ele foi prefeito e levou a família para a cidade de Eneas Marques.

A família de Delma Tesser da Silva: da esquerda para a direita, em pé, os netos João Tramontina, Anderson Bernardi e Marco Antonio Oliveira, o genro Joares Melo dos Santos, o neto Eduardo Gabriel Chaves Melo e os filhos Alaor e Ênio. Sentados: filhos Neuri e Elena, netos Nayara Letícia e Renan Carlos, nora Clenir Rita, neta Mariellen junto com a vó Delma Tesser da Silva, neta Rejimara, bisneto Cassiano, nora Ivonete, neta Rejane, nora Sonia, filha Jovelina e netos Rubens e Marcelly.

Uma vez, Atílio resolveu mudar para Rio Saudade. Mas a comunidade pediu sua volta e 40 dias após se reinstalava em Vista Alegre, onde viria a falecer e onde está sepultado.

Filhos são 7, netos 10 e bisnetos 8. A filha mais velha, Salete, faleceu aos três anos e meio de idade, após muito sofrimento. Alaor, casado com Ivonete, três filhos, reside em Marechal Cândido Rondon. Ênio, casado com Sônia Buratto, tem duas filhas e reside em Medianeira. Neuri, casado com Clenir Pezente, tem um filho e reside em Piratuba (SC). Jovelina, casada com Joares Melo dos Santos, tem um filho e reside em Francisco Beltrão. Helena, casada com Edenilson de Oliveira, tem um casal de filhos e reside em Beltrão. E Ivonei, casado com Maristela Bonetti, tem uma filha e reside em Francisco Beltrão.

Nesta entrevista, acompanhada dos filhos Jovelina e Ivonei, a bisavó Delma deu mais informações sobre sua vida, que neste mês de maio completa 89 anos. Com um pedido: agradecer pela amizade com a família de Luiz Prolo, primeiro prefeito de Eneas Marques. “A dona Amneris e seu Élcio, o Ivo Thomazoni e o seu Luiz Prolo (pai da Amenris), eles tinham a Vista Alegre como ponto obrigatório de parada”.

– Como começou o namoro da senhora e o Atílio?

Delma: Nós era vizinho, ia na aula junto, mas nunca se namoramos. O dia que ele veio lá se despedir pra vir morar em Beltrão, ele pediu minha mão pro meu pai e daí ficamos noivos. Em cinco anos, se vimos cinco vezes. Cinco vezes com a vez que ele desceu pra casar. É bem assim.

Vocês não trocavam cartas?

Delma:  Sim, trocava carta, mas nesse tempo ele namorou uma minha prima, mas ele não quis casar com ela.

– E a senhora sabia que ele tinha namorada aqui?

Delma: Eu sabia que ele tava meio… Eu não era ciumenta.

– Então ele gostava mesmo era da senhora?

Delma: Claro, senão não ia deixar ela aqui pra casar comigo lá.

– E a senhora teve outro namorado?

Delma: Eu tinha outro, mas assim, de passagem, como diz o causo. Nada sério. Um pediu pro pai pra noivar comigo, mas uma guria queria ele, inventou mil fofocas e nunca mais se vimos, e nem veio tirar satisfação e nós não fomos lá, mas era pouco tempo que nós se namorava, era lá de Nova Araçá, ele morava a 100 quilômetros longe.

– Como foi o seu casamento?

Delma: O casamento foi em um sábado de tarde, lá em Davi Canabarro. E o padre que fez o meu casamento, ele tava pra largar a batina pra casar comigo.

– O padre queria casar com a noiva? E ele tinha falado isso pra senhora?

Delma: Ele disse pra mim que queria me namorar. Eu disse “você, padre, você poder ir na igreja rezar”.

– E esse padre casou, depois?

Delma: Não, ele se acidentou, morreu, coitado, Alfredo.

– Fizeram o casamento de tarde?

Delma: De tarde, no hotel em Davi Canabarro. O casamento na igreja e jantamos no hotel, era de tarde, era só familiar mesmo, do meu lado e do lado dele.

– E daí ficaram quase um mês lá, na casa de quem?

Delma: Passeando na casa dos parentes, dando tchau, porque vinha pra cá. Meu Deus, naquela época era três dias de viagem, pra vir aqui, tinha que pousar duas noites na estrada.

– Vieram com que carro?

Delma: Ele tinha o caminhão de súcia (em sociedade) com o Segundo Tesser. Mas nós, depois de casados, viemos de ônibus, nós já tinha mandado o enxoval pelo Segundo Tesser, aí viemos de ônibus.

E quando chegou ali na Vista Alegre, a senhora gostou?

Delma: Gostei, chegamos aqui em Beltrão e fomos comprar tudo que precisava pra uma casa, assim, jogo de talheres, fogão, máquina de costura, porque eu tinha lá, daí vendi e comprei aqui, gastamos 10 mil (cruzeiros) naquela vez, mas com tudo, paneleiro, fogão, louça, frigideira, tudo, panela da polenta que era o principal.

– O noivo estava com dinheiro, então?

Delma: Ele tinha 16 mil, gastamos 10 ali e sobrou 6. Aí fomos trabalhando e se virando.

– Ele tinha uma selaria?

Delma: É, ele já tinha comprado, daí nós fomos direto morar lá, na selaria e na sapataria, o curtume também, junto. Antes ele trabalhava com o Babinski e um outro. Ele trabalhava na selaria e sapataria, sempre o serviço dele era aquele.

– E ele tinha cavalo?

Delma: Nós tinha um cavalo pra vir pra Beltrão e o Dorigoni tinha um ônibus, mas era estrada de chão, muita curva. Meu Deus, como era ruim de vir em Beltrão naquela época!

– A senhora logo engravidou e naquele tempo não tinha acompanhamento médico, como fazia?

Delma: Não, tinha lá, veio as parteiras, não deram conta, daí me trouxeram aqui na dona Angelina Zancan, era parteira velha, bem sabida, fiquei seis dias ali na casa.

– Tinha dificuldade no parto?

Delma: É, daí ela quis que ficasse lá, depois que ganhei a menina fiquei seis dias, a comadre Atila que era mulher do Antônio Zancan, eles foram os padrinhos da menina, daí ela me acompanhou direto.

– Já tinha médico aqui, mas as crianças nasciam todas em casa?

Delma: Todas, só os dois mais novos que vieram no hospital, a Helena e o Ivonei.

– E com os outros, a senhora também teve dificuldade no parto?

Jovelina: O Neuri, mãe, conta.

Delma: Ah, sim, o Neuri era muito gordo, porque eu vim no médico e ele me deu um fortificante que parecia açúcar mascavo, mas era o xarope e com aquilo engordou demais, comecei com as dores sábado de manhã, fui ganhar segunda às seis da tarde. Ele nasceu com cinco quilos e meio, em casa. Meu Deus, quase morri.

– Será que foi daquele fortificante que lhe deram?

Delma: Eu acho que foi, que ele ficou gordo e daí eu tinha que ter doce direto, que parece que só me ia bem era os doces, comprava de dois quilos pra ter em casa. Pouco esganada!

– E era quase um filho por ano?

Delma: Cada dois anos, só os dois primeiros que tinha 19 meses de diferença. Daí eu tinha a finadinha, que soltaram foguetão quando ela estava com 20 dias, na loja do Joaquim na frente ali, porque era o dia de festa de São Roque, 26 de agosto. Ela nasceu dia 5 e o dia 26 era a festa, e o dia 25 lá no Joaquim eles tinham trazido aqueles fogos que iam 700 metros de altura. E daí o rapaz do dono que nós compramos a selaria e a sapataria, diz que tinha passado a meningite, quando novo, e ele quis soltar, e os homens em vez de não deixar, ele soltou, mas quando começou aquela lavareda, sabe, ele se assustou e soltou, estourou na minha casa, bem no meu quarto assim, embaixo, e ela se assustou, meu Deus do céu, deu um grito, sorte que quando falaram “olha o foguetão” eu corri no quarto e peguei ela, mas se eu tivesse deixado na cama o doutor Rubens e a doutora Diva disseram que ela tinha morrido, mas deslocou tudo.

Jovelina: Do susto, deslocou todos os nervos, a mãe dava mamá pra ela, a mãe conta que tinha que empurrar o queixinho.

Delma: Quando ela ficava assim, bonitinha, de repente caía o queixo aqui e ela nunca pegou nada na mão pra brincar, nada, e também nunca falou. Ela chorava bastante, mas ela ficou surda e cega, tudo com isso. No outro dia trouxemos aqui na doutora Diva, ela disse olha, essa menina é uma inteligência que vocês iam só ver que inteligente essa menina era, por causa desse foguetão agora tá desse jeito. E lá em Rio Grande levei ela num hospital, ele disse “olha, vale mais uma em promessa do que 10 no médico”, e no fim…

– Ela viveu ainda?

Delma: Três anos e meio. Eu tinha o Alaor pequeno, 48 horas antes de ganhar o Ênio, ela faleceu.

Jovelina: A mãe enterrou a falecida irmãzinha, saiu do cemitério, no outro dia já ganhou.

Delma: Na mesma hora, ela morreu segunda às 9 da noite, quarta às 9 da noite eu ganhei o Ênio, então eu tava com três no colo quase, porque um na barriga e dois…

– Foi naquele tempo que aconteceu a revolta dos posseiros. E a senhora cheia de crianças.

Delma: É, eu tava grávida do Alaor, do segundo. Depois nós dava risada. Eu fazia cerveja preta em casa, e daí a mulherada se reunia lá em casa e ficou só o Martielo Zanini lá com as mulheres, os outros todos vieram pra Beltrão. Eu abri aquelas cervejas. Eu não gostava de nenhuma, mas elas tomaram cerveja e daí judiamos da Catarina, mulher do Martielo, “Pode marcar o dia”, eu disse, “daqui nove meses a Catarina vai ganhar neném”. Dito e feito.

– Porque ela fez o porre com cerveja?

Delma: Não, porque ficou só o marido dela lá com nós.

Jovelina: Os outros vieram todos pra luta.

Delma: Porque eu sempre fui louca pra brincar a mente, por isso o padre disse que eu tô viva ainda, de tanto que brinco. Então no dia que o pessoal veio aqui pra revolta, um marido ficou. O marido dessa que engravidou. Ainda eu disse “pode marcar no almanaque que a Catariana daqui nove meses vai ganhar um filho”. Dito e feito e depois me chamavam de feiticeira. A gente brinca, né, às vezes brinca inocente.

– Brinca, mas é sério, né? E o seu Atílio veio, ele estava aqui na praça?

Delma: Sim, imagina. Ele passou a noite aí.

– Teve algum problema com vocês, os jagunços foram lá?

Delma: Não, não teve.

Jovelina: Mãe, mas aquela vez eu era criança, eu me lembro, a gente tinha que se esconder, eu me lembro que o pai foi esconder as armas embaixo dos mantimentos assim. Por que tinha que esconder as armas naquele tempo?

Delma: Porque ia passar a revista e quem tivesse arma eles tiravam tudo.

– O seu Atílio sempre teve arma?

Delma: Sempre. Ele gostava de ter o revólver na cinta, e tinha espingarda também, mas era só por prevenção.

– Então a senhora não perdeu noite de sono por causa da revolta?

Delma: Não, ficamos com medo aquela noite. Imagina os maridos tudo aqui no meio, ficamos com medo.

– Como é que o seu Atílio entrou na política?

Delma: Logo que fomos morar lá, já quiseram que ele fosse subdelegado, inspetor de quarteirão que nem diziam, e depois daquilo começaram com política e pediram pra ele ser candidato.

– Quando ele falou eu ia ser candidato a prefeito a senhora concordou?

Delma: Eu concordei, se dissesse não, não adiantava, ele que mandava, né. Uma vez não era que nem as mulheres de agora, o que o marido dizia…

– E a senhora participou da campanha?

Delma: Sim, mas pouco, porque eu tinha as crianças pequenas, eu tinha um bar e armazém no porão e eu atendia.

Jovelina: É que o pai comprava cereais e vendia, trazia farinha, trazia o trigo aqui pra Beltrão, em Marmeleiro e no Tuna, que eu me lembro, que eu vinha junto às vezes com ele, e ele vendia depois. Ele mexia muito com porco, bastante. E tinha esse comércio.

Delma: Quantas vezes eu passei a noite no chiqueiro, atendendo os porcos.

– Naquele tempo que a senhora foi primeira-dama de Enéas Marques, como era? Participava de eventos?

Delma: Eu quase nunca podia, por causa que eu tava com a perna desse tamanho.

Jovelina: A mãe teve trombose.

– Nossa, mas com as crianças e tudo e ainda tinha trombose?

Jovelina: E naquele tempo as primeiras-damas não eram que nem agora que têm os projetos e tal, as mulheres não se envolviam muito.

Delma: O trabalho maior que todo dia tinha gente, pessoas que vinham em Eneas e iam lá em casa almoçar.

– Sobrava mais ainda pra senhora fazer comida.

Jovelina: Na nossa casa era caravana de gente.

Delma: Sempre, nos domingos quando morava em Vista Alegre era sempre 12, 15 pessoas que almoçavam lá. No sábado é tudo amigo, saíam da igreja e iam lá em casa, daí eu digo “já ficam aqui”, não precisava dizer duas vezes.

Jovelina: O pai era de arrebanhar o povo e levar pra dentro de casa, então a gente tinha sempre muita, muita visita, e depois, quando o pai entregou a Prefeitura e foi morar no sítio eu fui morar lá com eles que o pai ficou doente, lá também era assim, direto visita, diuturnamente. Graças a Deus, tinha muitos amigos.

Delma: Tinha bastante visita.

– E o salário do prefeito, como era?

Delma: Não sei se era seis contos, sei que era mixaria. Daí o último era 100 contos. E o Atílio nunca pegou nada da Prefeitura. Pra ajudar os outros, pegava do bolso dele, porque nós já tinha, era mais ou menos assim, não tava mal de vida quando ele entrou, mas foram os seis anos pior que eu passei.

Jovelina: A dona Lurdes do seu João Arruda, na primeira gestão do pai, o seu João era prefeito aqui, eles iam muito lá em casa, tinham uma amizade muito grande. Então veja, só um parêntese aqui, veja como o pai era uma pessoa honesta, era de honrar o fio do bigode. Deus o livre tirar qualquer coisa, né. Aqueles copos lá no canto daquela cristaleira, que tem um tratorzinho da Caterpillar, ele comprou uma patrola pra Prefeitura da Caterpillar e os caras foram lá “ô, seu Atílio, se o senhor comprar mais uma patrola, nós vamos lhe dar um fusca novo”. O hoje falecido Linto chegou pra mim e me contou isso aqui em Beltrão, diz ele: “Fui tocado de dentro do gabinete do teu pai”. Diz o pai que se fosse pra dar alguma coisa, que fosse pra Prefeitura, não pra ele. Daí diz que ele levou esses copos pro pai, deu de presente. “Os copos eu aceito.”

– Diz que a senhora ainda costurava, fazia a roupa da família e até vestido de noiva?

Delma: E outros de fora também. O Rui era sempre eu que costurava as camisas pra ele.

– Então levantava cedo e deitava tarde?

Delma: Sim, bem assim. Quase sempre de noite, com o liquinho aceso que limpava a casa, porque se esperasse chegava gente.

– Tinha que limpar a casa de noite?

Delma: E tinha um pátio grande para varrer, era tudo de madrugada, eu botava o liquinho na área assim e iluminava bem. Naquela época não tinha perigo que nem agora, podia ficar tranquilo que não passava ninguém naquelas horas.

– E ainda batia o sino da igreja da Vista Alegre?

Delma: Sim, em dia de missa era cedo e também tocava o sino da capela quando morria alguém.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Destaques