
O trabalho de migrantes não é uma novidade para o setor industrial do Sudoeste do Paraná. Há mais de 20 anos que as unidades da BRF de Francisco Beltrão e Dois Vizinhos empregam muçulmanos no abate halal, por volta de 2011 Pato Branco recebeu uma leva de haitianos via indústrias, após o grande terremoto no país caribenho, e agora é Itapejara D’Oeste que se destaca nesta modalidade de contratação. Cerca de 6% dos empregos formais do município são ocupados por estrangeiros, especialmente migrantes que trabalham no frigorífico Vibra.
Uma das preocupações é para que os refugiados não sejam vistos apenas como força de trabalho. “Nós temos esse empenho de acolher pessoas que vêm de outros países, mas é importante falarmos de cidadania, igualdade, equidade e justiça, os direitos ligados às instituições e acesso às políticas públicas para estas pessoas”, afirmou o professor Evandro Leonardi, do Instituto Federal do Paraná – campus Coronel Vivida.
A instituição desenvolve projetos em parceria com a Pastoral do Migrante (braço da Igreja Católica), para integração dos estrangeiros. A primeira demanda era por aulas de Português, mas a iniciativa foi além. “Ofertamos esse projeto, desde a pandemia, numa perspectiva diferenciada: ensinamos a língua portuguesa, mas, também, abordamos temas que são de extrema relevância para esses estudantes, como a legislação brasileira, o SUS, as taxas de juros, a geografia, a história e a culinária local, o sistema bancário nacional e outros”, detalha a professora Jéssica Vescovi. Três turmas já concluíram o curso e, agora, mais 32 estrangeiros participam das atividades, principalmente haitianos, venezuelanos, dominicanos e paraguaios. Os pesquisadores estimam que entre 30 e 50 mil estrangeiros vivam na região.
Articulação deve envolver entidades e setor público
A atuação com os estrangeiros também ampliou o debate sobre as condições de migrantes na região. Uma audiência pública organizada há alguns meses discutiu com prefeitos e vereadores políticas públicas para garantir cidadania às pessoas de outras nacionalidades. E neste sentido, uma das propostas é a articulação de redes de acolhida e assistência integrando órgãos públicos e entidades, um observatório para compilar dados regionalizados sobre o tema e a criação de conselhos municipais. A ideia é fazer com que esse público saia da marginalidade e das linhas de produção para ocupar espaços em toda sociedade.
Apoio mútuo entre venezuelanos ameniza distância da família
Jesus Hernandez era motorista de ônibus em Ciudad Bolívar, Venezuela. Leonel Fonte trabalhava fazendo corridas por aplicativo e como autônomo. Agora, ambos são auxiliares de produção na indústria de confecções. Estão longe de casa, mas próximos de uma vida melhor. “Vendi dois carros que a família tinha lá pra virmos ao Brasil e aqui trabalhei com pinturas e construção em Roraima, até que veio essa chance”, comenta Leonel, que migrou junto com a mãe e desenrola bem o Português.

O colega Jesus tem mais dificuldade em se comunicar, mas já está acostumado com a nova morada. “Recebemos um acolhimento muito importante e sentimos algum estranhamento fora do trabalho, mas é normal. Nos sábados até vou jogar bola na associação da empresa e o pessoal trata bem”, cita o venezuelano, com tradução do amigo. Ele deixou filhos no país de origem e envia dinheiro para ajudar nas despesas. No emprego, lá, ganhava o equivalente a R$ 700, aqui é mais que o dobro.
Para que o dinheiro chegue até a família, contam com ajuda de outros venezuelanos que residem no Brasil e fazem as operações sem cobrar taxas. Um apoio importante e que se soma na rotina entre o trabalho e a vida em uma nova cidade. “Como viemos em muitos, aqui a gente se ajuda mutuamente, se identifica com as histórias, todo mundo atrás de um sonho. A gente tá longe de casa, mas com a nossa comunidade”, pontua Leonel.