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Francisco Beltrão
quinta-feira, 29 de maio de 2025

Edição 8.214

29/05/2025

Wilson Ramos: o último ferreiro de Francisco Beltrão

Wilson ainda guarda e utiliza ferramentas da profissão de ferreiro, como a mesa do fogo.

Teve tempos que as ferrarias eram mais importantes que as oficinas mecânicas, porque veículos eram poucos, mas carroça e arado todos tinham. A profissão de ferreiro há anos está praticamente extinta. Como profissional, Wilson Ramos virou raridade. Ele mantém seus equipamentos e ainda faz alguns pequenos serviços de ferreiro.

 

 

 

Filho de ferreiro, Wilson Ramos aprendeu a profissão com seu pai, a partir dos 16 anos. Em 1961, a família mudou de Urubici (SC) para o Paraná. Houve uma tentativa frustrada de mudar também de profissão, mas após oito ou nove meses na roça, Lauro Ramos, com a esposa Ernestina Rosa Melo Ramos e seus quatro filhos – Neusa, Wilson, Zenir e Júlio -, decidiu retomar sua profissão e passou a trabalhar com os Bernardon, em Francisco Beltrão. Wilson o acompanhou. Após 26 anos como empregado, abriu sua própria ferraria. Os bons tempos de ferreiro passaram, mas ele mantém seus equipamentos – bigorna, mesa do fogo, martelos, taiadeiras, tenaz, esmerilho, furadeira, alicate e outras ferramentas – num barracão ao lado de sua casa, no Trevo do Alvorada.

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Nos anos 60, as ferrarias eram mais importantes do que as oficinais mecânicas, porque automóveis eram poucos – no interior era um ou outro que tinha jipe ou Rural -, mas carroça e arado havia em quase todas as propriedades rurais.

Do seu primeiro casamento, com Terezinha Carvalho de Aragão, teve três filhos – Gilson Cesar, Cíntia Jaqueline Ramos (chefe da 8ª Regional de Saúde) e Sidiana -, que já lhe deram três netos. E tem mais seis netos da segunda esposa, Irene Conte.

Aposentado, tem preocupação com a saúde, principalmente no controle da bebida, o que, segundo ele, não aconteceu com outros colegas de profissão. Wilson conta que era rotina, entre os ferreiros, beber diariamente no serviço. E não era só aqui. Um costume que abreviou a vida de muitos. Se estivessem vivos, talvez não teriam mais o que fazer em sua profissão, mas poderiam contar histórias, como faz Wilson nesta entrevista ao Jornal de Beltrão.

JdeB – O senhor aprendeu a profissão de ferreiro em Santa Catarina?

Wilson – Quando nós viemos com o pai (Lauro Ramos), que já era ferreiro, trabalhei junto com ele e fui aprendendo. Comecei com 16 anos. Aqui nós fomos trabalhar nos Bernardon, que na época era do Sadi Bernardon a ferraria, fiquei 26 anos com os Bernardon.

 

O senhor e o seu pai?

Meu pai não ficou muito tempo, ficou uns 15 anos, daí veio a falecer e eu continuei de ferreiro.

 

Qual foi o primeiro trabalho que seu pai lhe ensinou?

Foi a ferraria, implementos agrícolas, como arado, carpideira, fazer uma canga, fazer carroça, enxada, foice, consertar, serviço da colônia, que era na época. Eu só ajudava no começo, até que aprendi.

 

Vai tempo para aprender?

Não, o trabalho de ferreiro com uns dois anos o cara já é um profissional.

 

O que é mais difícil de aprender?

O mais difícil foi solda elétrica, mas também aprendemos logo, não teve muitas dificuldades.

 

Lidar com o ferro quente é perigoso.

É perigoso, mas aí a gente tem a tenaz pra segurar o ferro, não é tão perigoso.

 

O senhor nunca se machucou?

Não, nunca me machuquei, tive muita sorte, trabalhei todos esses anos e não aconteceu acidente nenhum.

 

Depois daqueles 26 anos, o senhor abriu por conta?

Abri por conta no Trevo da Alvorada e estou aqui até hoje. Trabalho só com ferragem agora, marcenaria já não tenho mais.

 

Quando o senhor veio pra cá, ainda tinha muito trabalho de carroça?

Tinha, fabricamos muito e depois que eu estava aqui, já uns oito anos, nós fazíamos carroça pra assentamento, fazia de remessa grande, 50, 60 carroças, arados, canga e grade pra passar na terra, fazia pro Incra, que fazia a entrega pros assentados, pros sem-terra. Teve muito serviço.

 

Quando foi parando?

Esses últimos anos a terra mecanizada, entrou máquina, trator, hoje é tudo plantio direto colhido com máquina, então carroça, arado, essas coisas não ocupa mais. Hoje a gente trabalha um pouquinho, mas é só uma manutenção, um conserto, porque fabricar não se fabrica mais.

 

No forte do trabalho, carroça era o grande movimento?

Era grande o serviço, não se vencia fabricar carroça, arado e canga e consertar.

 

O que o senhor mais gostava de fazer?

Nem tinha tempo de gostar, tinha que fazer aquilo que aparecia, tinha que ir fabricando, consertando… o ferreiro tem que ser um artista: o que aparece, tem que fazer.

 

Na fabricação de carroça, o senhor fazia que parte?

Eu fazia toda a parte de ferragem, a madeira tinha a marcenaria, tudo junto, mas a marcenaria tinha o marceneiro que fazia. Eu fazia peça por peça.

 

Ficava uma diferente da outra?

É, porque era tudo fabricado manual, daí nunca fica tudo bem igualzinho, mas era perfeito também.

 

Tinha mais de um tipo de carroça?

O tipo da carroça era assim: começava com uma carroça grande com uma junta de boi, depois tinha uma carroça mais leviana, que era pra parelha de cavalo, depois tinha uma menor que era pra um cavalo só e uma gaiotinha com boi.

 

Fazia charrete também?

Nós fabricamos muita charrete, hoje quase não se vê mais, mas na época fazia muita, até Eneas Marques era a capital da charrete.

 

Deve ter ainda alguma charrete que o senhor fez por aí?

Ah, deve de ter, o que não foi tudo pra São Paulo, que tudo que é carroça velha, charrete, canga, moinho velho de cana eles levam tudo pra São Paulo pra fazer móveis rústicos.

 

Onde o senhor pegava ferro?

Na época tinha o Petricoski e na Siderúrgica Riograndense também, de Porto Alegre, vinha ferro.

 

Consumia muito ferro?

Ia bastante, naquela época que fabricava mesmo, se consumia uns quatro, cinco mil quilos por mês, era de caminhonada que vinha.

 

Tinha muitos ferreiros?

Em Beltrão tinha uma média de cinco ferreiros: Bernardon, onde eu trabalhava, Mariano Petricoscki na Cango, o Menegoto no Vila Nova, até no começo tinha o Valdemar Cella…

 

Todos tinham serviço?

Todos tinham serviço, porque era só na base de carroça de boi.

 

Hoje o senhor está sozinho de ferreiro?

É, de ferreiro mesmo, só, não é que trabalho bastante, faço algum conserto, e tem o seu Mariano da Carroceria São Roque, no Pinheirão, do lado do São Cristóvão, que fabrica carroceria, fogão, mas ele já é um homem duma idade, já não trabalha mais, mas ele está por lá ainda com uma boa saúde, graças a Deus.

 

O senhor não repassou pra outros?

Teve uns dois, três que trabalharam comigo, aprenderam, mas foram embora.

 

Naquele tempo dava dinheiro?

Se ganhava bastante dinheiro, não tinha banco, era tudo no dinheiro, uma época que era bom trabalhar. Depois começou os bancos e ficou mais difícil, quer dizer, difícil não, mas trabalhava muito cheque frio. Na época era no dinheiro, era uma beleza, aqueles colonos fortes chegavam, encomendavam e pagavam adiantado, daí tinha que apurar fazer pra entregar pra ele.

 

O pessoal se entusiasmava e bebia também?

Bebia bastante pinga, o ferreiro era uma profissão que bebia pinga. Agora não tomam mais muito porque morreram quase todos, sobrou eu e o seu Mariano (risos).

 

Por que bebiam?

De certo por causa do fogo, e a profissão também, por sermos muito procurados pelo povão.

 

Era só aqui ou em outros lugares ferreiro também bebia?

Acho que era todo lugar. Pelo que eu vi, que eu perguntava, ferreiro já trazia de berço tomar uma pinguinha pra animar o trabalho, acostumava e já não era mais pra animar, já era por costume. Gastava energia, tomava uma pinga, dizia que era pra não ficar doente.

 

A jornada era puxada?

Era puxada. Na época dos Bernardon nós começava seis da manhã e às vezes ia até as oito horas da noite, sempre tinha bastante serviço. Trabalhava no sábado até umas quatro da tarde.

 

O senhor acha que é uma profissão extinta ou pode voltar?

Está bem extinto, está bem parado, e hoje tudo é fabricado com máquina, mudou o serviço. Sobrou um ferreiro pra fazer uma coisa ou outra, mas é mínimo.

 

O senhor trabalhou de marceneiro também?

Trabalhei de marceneiro também, em parte de ferraria, fabricação, eu trabalhava com tudo.

 

O senhor gostava mais de trabalhar com ferro ou com madeira?

Eu sempre fui mais pra ferreiro. Cada um nasce com um destino, eu nasci pra ser um ferreiro, fiquei todos esses anos e ainda estou trabalhando um pouco, eu nasci pra ser ferreiro, essa era a minha vocação.

 

Era o dia inteiro batendo ferro.

O dia inteiro, porque o serviço tu só faz e fica um profissional gostando do serviço, se tu não tem vocação, não trabalha.

 

Chegaram a trabalhar em quantas pessoas juntas?

Ah, nós chegávamos a trabalhar em oito, dez, doze pessoas, era um barulhão. Ferreiro e marceneiro era tudo junto, tudo numa fábrica só.

 

Quem aprontava na cidade era falado, fofocava junto?

Sempre tinha, onde trabalha uns quantos, sempre tem alguma fofoca, mas funcionava bem o serviço, as coisas iam bem.

 

O senhor guardou seus equipamentos todos?

Sim, tenho meus equipamentos aqui e faço alguns consertos pros amigos que vêm.

 

O senhor pretende algum dia fazer um museu?

Pois, olha, pretendo deixar assim, que isso aí não vou vender, já veio muitas pessoas atrás pra comprar, mas eu não vou vender, vou deixar, é uma lembrança, tá instalado num canto que não estorva.

 

O senhor está aqui há 55 anos, gostou de Beltrão?

Gostei, vim pra cá, gostei e fui ficando, daí tu tá num lugar que acha que tá bem, não tem intenção de mudar de lugar ou sair, e tive oportunidade, vieram atrás pra eu tocar o serviço em outro lugar, mas eu estava bem ali conforme eu comecei. No fim, com patrão e tudo vira uma família, então fiquei em Beltrão e estou aí até hoje, meu pessoal se foi, mas eu estou ainda aí.

 

Seu pai teve uma experiência na roça em Eneas Marques e não deu certo?

Chegamos aqui e fomos na lavoura, daí não deu certo. Ficamos uns seis, oito meses junto com os Bonin, Zé Bonin (1973-1976) que foi até prefeito depois, aí viemos morar em Beltrão, fomos trabalhar junto com o Sadi Bernardon e ali ficamos.

 

O seu pai também gostava da ferraria?

Ele era um profissional em ferraria, em fábrica, ele foi um exemplo de ferreiro, fazia de tudo, sabia como trabalhar, fazia com segurança e tudo.

 

Tinha muita diferença de um profissional para o outro?

Não, não tem, porque isso vai da vocação, às vezes o cara é um ferreiro, mas não tem vocação pra aquilo e ele não capricha direito, não se importa muito, começa a pensar em outras coisas, em outro negócio, às vezes muda de profissão, e um ferreiro que tem vocação fica naquilo, daí ele é um ferreiro. O meu pai sempre foi um ferreiro, ele tinha vocação, junto com ele eu aprendi a profissão e fiquei, mas foi a vocação, eu nunca tentei mudar de profissão.

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