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Francisco Beltrão
sexta-feira, 30 de maio de 2025

Edição 8.215

30/05/2025

Entre vidro quebrado e o gosto da gentileza

Por Julia Helena Rathier – Dia desses, enquanto arrumava o lixo pra levar pra fora, uma garrafa se quebrou. Aproximei cuidadosamente todos os cacos da pá com os movimentos da vassoura, já lembrando que o próximo passo era separar aqueles cacos numa só sacola, e nomear “Vidro quebrado”, pra evitar que alguém se machucasse.

A próxima coisa que me ocorreu foi a lembrança de que minha mãe havia me ensinado a fazer isso, quando eu ainda era criança e estava aprendendo sobre a reciclagem do lixo na escola.

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Nesse momento, me perguntei se havia  alguém que determinou que coisas básicas no mundo- como se preocupar com o outro- ganhariam o nome de gentileza e não de obrigação. Afinal, não é incomum que haja gente que as confunda.

Me perguntei também desde quando havia ficado tão caro refletir, uma vez que o preço de estar atento pra alguns tem sido motivo de  uma coleção de tristezas enquanto pra outros é de uma preguiça inegociável ou falta de consciência.

Pensei que essas tristezas que vêm estampadas com consciência de classe jamais serão tão caras a quem separa o lixo de dentro de uma casa e não tem medo da chuva, como são para alguém que além de não saber se irá comer no dia seguinte, tem esses tipos de preocupação.

Me ocorreu rapidamente o desconforto de lembrar que algumas confusões são estapafúrdias. Como a de confundir a obrigação, o mínimo e o respeito com a gentileza.

Pensei que algumas delas acontecem por escolha, principalmente no momento em que alguém decide não reconhecer seus privilégios e esquecer de certos abismos no sistema.

Por fim, pensei na empatia. Lembrei que a maioria das coisas só deveria ser realizável a partir da  consciência de onde vieram e de onde estão. Que o que separa o conforto do confronto são duas letras e que ninguém perde tempo ao lembrar que não vive ilhado.

O vidro me desbloqueou algumas coisas. Deve ser porque ele é translúcido.  De certa maneira, eu já sabia que a maior gentileza que alguém pode oferecer é aquela que ninguém pediu. Também sabia que consciência de classe, empatia, educação e respeito não são coisas inatas e que é tendo essa percepção que a gente se dá a oportunidade de não confundir obrigação com gentileza.

O que eu espero continuar aprendendo é que algumas obrigações simplesmente não podem ser chamadas de gentileza. Essencialmente quando revelam dores e sintomas sociais.

Psicóloga Julia Helena Rathier
CRP 08/31830

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