
Por Niomar Pereira – O número de mulheres que está se reinventando profissionalmente como motoristas de aplicativo cresce cada vez mais em Francisco Beltrão. Elas representam cerca de 25% da categoria atualmente; o maior aplicativo do município, por exemplo, tem 105 homens e 35 mulheres. Mas elas precisam lidar com um problema que é mais comum ao sexo feminino do que aos homens – não que com eles também não aconteça – as cantadas. No geral, elas ignoram, usam jogo de cintura e continuam trabalhando, mesmo gerando um certo desconforto. O grande problema é que não há na jurisprudência atual, uma convicção que ajude diferenciar uma cantada de uma importunação sexual.
Elizette Carmem Ferri, 57 anos, é motorista há três. Neste período teve duas situações constrangedoras, mais explícitas, em que os passageiros homens pediram quanto ela cobraria para ter relação com eles. Há situações mais sutis, mas não menos incômodas. “Tem aqueles que vão entregar o dinheiro, pegam na mão, salvam o número do celular ou te adicionam nas redes sociais e mandam um oi, eu bloqueio ou me faço de desentendida e vida que segue.” Apesar disso, Elizette diz que não sente medo, pelo contrário, conheceu pessoas novas e descobriu os recantos da cidade que nem imaginava existir. “Eu me sinto segura, temos um bom suporte do aplicativo, nossa cidade é uma cidade boa de se viver, só tem gente boa.”

Amanda Cordeiro, 27 anos, conta que já lhe ocorreram situações em que pessoas pegaram o número do seu telefone dizendo que era para agendar corrida e depois mandaram mensagem pedindo para sair com ela. “Nós possuímos opções para proteção e melhor segurança, além de ficar atentas a corridas suspeitas.”

Neiva Puerari, 50 anos, em três anos como motorista de aplicativo não teve nenhum caso em que se sentiu desrespeitada, mas diz que sabe de colegas que já se sentiram. “Não dou chance pra que isso aconteça, procuro usar roupas adequadas à profissão e procuro ser ética. Se a pessoa começa a conversar respondo, senão inicio e finalizo a corrida apenas cumprimentando e agradecendo o cliente.”

Os motoristas de aplicativos nos grandes centros têm sido alvos fáceis de criminosos, mas em Francisco Beltrão não há relatos de violência contra a categoria. “Como em qualquer profissão, há riscos também, mas temos algumas ferramentas que nos auxiliam e contamos com o apoio dos colegas. Se estamos em alguma corrida suspeita, avisamos os colegas para ficarem atentos com nossa localização”, comenta Neiva.
Amanda é motorista há sete meses. De acordo com ela, algumas mulheres se sentem muito mais confortáveis em pegar motoristas mulheres no aplicativo, por isso a demanda também vem aumentando. “Algumas já sabem que tem a opção no APP para pegar motorista mulher, mas às vezes aparece alguma que não sabe que tem a opção e comenta como é bom ter vindo uma mulher, dizem se sentir mais seguras e à vontade, apesar do aplicativo ser bem rigoroso com a seleção dos motoristas, tem todo um critério incluindo antecedentes criminais, etc, mas é um medo das mulheres que vem por causa da nossa sociedade.”
Com eles também acontece
Com os homens também ocorrem cantadas por parte de mulheres, mas em menor número. Andrei Lameira, motorista de aplicativo, diz que um de seus colegas de trabalho recebeu cantada de uma mulher do tipo: “A mulher ficou cuidando ele pelo espelho, umas horas falou que ele era bonito e ao finalizar a corrida pediu se não tinha alguma outra forma de pagamento que não fosse cartão, dinheiro ou Pix”.
Cantadas ou assédios não são formas de conhecer pessoas
Como diferenciar uma cantada, uma paquera, assédio ou uma importunação? Quais os limites? O que diz a legislação? Segundo a cartilha “Vamos Falar Sobre: Assédio Sexual”, produzida pela organização não-governamental (ONG) Think Olga em parceria com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, as cantadas ou os assédios físicos não são uma forma de conhecer pessoas para um relacionamento íntimo. Uma paquera acontece com consentimento de ambas as partes: é uma tentativa legítima de criar uma conexão com alguém que você conhece e estima. “O sujeito que grita para uma mulher na rua de dentro do seu carro jamais quer ouvir a opinião da outra parte. Ele quer apenas se impor sobre ela.” O material alerta que a paquera não causa medo e nem angústia.
A delegada Emanuelle Carolina Baggio, titular da Delegacia da Mulher de Francisco Beltrão, lamenta que não há nenhuma jurisprudência consolidada que diferencie quando uma cantada se torna uma importunação sexual. “É muito complicado dizer que enquanto ele (homem) só falar (a cantada) não tem problema e quando ele tocar (na mulher) tem problema, porque a depender do toque pode ser um estupro. Ou seja, sempre vai depender muito do caso concreto.” A delegada orienta que quando acontecer e a mulher se sentir incomodada com a cantada ou a atitude, deve procurar a polícia para denunciar.
O assédio sexual, por outro lado, é bem específico. É quando há relação de poder, quando se constrange alguém com intuito de obter um favorecimento de cunho sexual. “Só que a pessoa que está constrangendo tem que ser superior hierárquico ou utilizar de uma superioridade inerente do emprego, cargo ou função. No caso das motoristas de aplicativo, só enquadraria assédio sexual para elas a menos que elas estivessem transportando alguém que seja superior hierárquico delas dentro da relação do aplicativo.”
Quando surgiu a importunação sexual
Emanuelle lembra que a importunação sexual se tornou crime em uma situação muito específica que começou ocorrer nos metrôs e ônibus dos grandes centros. “Quando, nos momentos de lotação, a pessoa ficava se esfregando na mulher, configurando um ato libidinoso com intenção de satisfazer a própria lascívia. Só que ele é bem recente, de 2018, então tem decisões de tribunais em vários sentidos.” A delegada ressalta que não tem decisão quando as mulheres são motoristas, mas já há quando o homem é motorista e fica fazendo cantadas durante o percurso para a passageira, enquadrando como importunação sexual. “Ainda que não haja o toque na outra pessoa, só que ainda não são jurisprudências consolidadas.”
Dirigir para elas é como aliar terapia, trabalho e lazer
Elizette Carmem Ferri, citada no início da reportagem, conta que começou a trabalhar com 17 anos. De lá para cá já atuou em loja, farmácia e foi telefonista por 9 anos. Fez concurso para professora do município de Francisco Beltrão e lecionou por 25 anos, se aposentando na se-quência. “Fiquei em casa por três meses e quase enlouqueci, então a terapeuta me sugeriu e me incentivou. Procurei o pessoal do aplicativo e eles me deram oportunidade.”
Ela conta que após a aposentadoria tentou se recolocar no comércio, mas teve dificuldade de encontrar trabalho em virtude da idade e por não ter experiência. “Eu também não queria mais aquela coisa de ter que cumprir horário rigorosamente. Eu sempre dizia que quando me aposentasse iria fazer algo bem diferente do que fazia. Fico muito mais tempo dentro do carro do que ficava em sala de aula, trabalho de domingo a domingo, faço meu horário e estou amando.”
Neiva Puerari diz que se tornou motorista de aplicativo após uma conversa com outro motorista que já exercia a profissão. “Ele me falou como que era e que a empresa iria abrir vaga e estariam dando prioridade para mulher. Entrei em contato com os administradores e alguns dias depois iniciei como motorista. Na época eu tinha outro trabalho e ser motorista estava sendo um extra, agora se tornou minha profissão. Como gosto de dirigir, está sendo além do meu trabalho meu lazer.”
Neiva frisa que muitas vezes trabalha até mais do que alguém que tem carteira assinada e emprego fixo. “Eu começo normalmente às 7 horas e se tem corrida agendada a gente pula antes da cama. Não tem horário para o almoço, quando dá um tempo paro para comer, às vezes meio-dia, às vezes 13 horas ou no horário que dá. Não temos que cumprir horário, mas se não ligar o carro e ir trabalhar não temos retorno. Trabalho praticamente de segunda a segunda, inclusive nos feriados.”
Mulheres dirigem com mais calma e são mais educadas
Angelo Toniazzo, representante do Choffer 46, informa que a prioridade para admissão de novos motoristas no momento é para as mulheres. E a procura está bem alta, porque a atividade também passou a ser muito rentável em Francisco Beltrão. Tem motoristas que chegam a faturar R$ 18 mil dirigindo para o Choffer 46. A lógica é simples, quanto mais corridas fizer, mais o motorista fatura. Para ganhar alto, a pessoa terá que dirigir de madrugada, finais de semana e feriados. Se quiser trabalhar só em horário comercial, a média de faturamento de um motorista é de R$ 3.500 a R$ 4.000, já descontadas as despesas.
De acordo com Ângelo, os custos de cada motorista representam de 30% a 35% do faturamento total. “O lucro do nosso motorista é de 65% do que ele fatura mensal. Quanto mais ele trabalha, mais barato o aplicativo fica para ele.” Ele explica que a legislação federal exige que o motorista tenha MEI (Microempreendedor Individual) e inclua o EAR (Exerce Atividade Remunerada) em sua habilitação. E os carros exigidos são de no máximo 10 anos de uso, além de ter seguro de passageiro. Só o Choffer 46 é responsável por cerca de 45 mil corridas por mês.
Angelo acredita que a grande maioria dos passageiros que procuram motorista mulher no aplicativo é por opção pessoal, por segurança e pela educação e cordialidade das mulheres. Além disso, as mulheres dirigem com mais cuidado e mais atenção. “As mulheres motoristas também estão procurando mais porque estão vendo que não tem tanto risco de assalto e por se sentirem seguras com nosso aplicativo.”
O assédio sexual, segundo a lei
ASSÉDIO SEXUAL: O assédio caracteriza-se por constrangimentos e ameaças com a finalidade de obter favores sexuais feita por alguém de posição superior à vítima. (conforme Art. 216-A.do Código Penal)
IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR: é o assédio verbal, quando alguém diz coisas desagradáveis e/ou invasivas (as famosas “cantadas”) ou faz ameaças. Tais condutas também são formas de agressão e devem ser coibidas e denunciadas. (Conforme Art. 61 da Lei nº 3688/1941)
ESTUPRO: tocar as partes íntimas de alguém sem consentimento também pode ser enquadrado como estupro, dentre outros comportamentos. (Conforme Art. 213 do Código Penal: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso)
ATO OBSCENO: é quando alguém pratica uma ação de cunho sexual (como por exemplo, exibe seus genitais) em local público, a fim de constranger ou ameaçar alguém. (Conforme Art. 233 do Código Penal)