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Francisco Beltrão
segunda-feira, 09 de junho de 2025

Edição 8.221

07/06/2025

Reservistas de antigamente pediam terra para trabalhar, hoje querem ficar na cidade

Aquelas reivindicações de 80 anos atrás deram origem a colônias agrícolas nacionais como a Cango, que fez nascer a cidade de Beltrão e intensificou a colonização da região.

Professor Átila de Freitas, que hoje reside em Curitiba, foi quem guardou os documentos sobre a “pré-história” da Cango. Foto: Ivo Pegoraro/JdeB.

Por Ivo Pegoraro – O professor aposentado Átila de Freitas, filho do pioneiro beltronense Jahyr de Freitas, possui, nos arquivos de sua residência, em Curitiba, um rico material sobre os antecedentes da criação da Colônia Agrícola Nacional General Osório (Cango).

Sem a Cango, a história de Francisco Beltrão não seria a mesma, pois aquele órgão federal acelerou a colonização local e a criação da vila, que em poucos anos se tornaria sede do município mais populoso do Sudoeste do Paraná.

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São documentos gerados pela Divisão de Terras e Colonização, com o timbre do Ministério da Agricultura, ao qual a Cango estava ligada. “Encaminho a vossa excelência, para fins de audiência do Conselho de Segurança Nacional, o requerimento em que Geronimo Gauto Aquino, reservista da 1ª categoria do Exército, domiciliado no município de Foz do Iguaçu, pede a conceção de dez hectares de terras na faixa da fronteira.”

Este documento foi encaminhado ao general secretário do Conselho de Segurança Nacional pelo chefe do Estado Maior do Exército, general Eduardo Alcoforado, dia 20 de fevereiro de 1941.

Dez hectares, sem custos

Muitos pedidos como este foram enviados às autoridades da capital federal de então, o Rio de Janeiro. A fundamentação do pedido era “o artigo 1º do Decreto-Lei nº 1.968, de 17 de janeiro de 1940”.

O tal artigo dizia que a concessão de terras só podia ser feita “mediante prévia audiência do Conselho de Segurança Nacional”. E o pedido de dez hectares, gratuitos, também atendia definição do mesmo decreto:

Art. 6º A distribuição das terras de propriedade da União situadas na mesma faixa poderá ser feita a título gratuito:

I – Aos reservistas de primeira categoria, brasileiros natos, que tenham tido bom procedimento, durante o tempo de serviço militar;

II – Aos militares reformados e aos funcionários públicos aposentados;

III – Aos nacionais, retirantes de regiões atingidas por qualquer calamidade pública.

Art. 7º Na distribuição dos lotes de terras pertencentes à União, dar-se-á preferência aos brasileiros que, não sendo proprietários rurais, se achem na posse de trato de terra de área até dez (10) hectares, efetivamente cultivados ou economicamente aproveitados e que aí tenham morada.

Necessidade de ocupar a faixa da fronteira

Um dos objetivos de criar colônias agrícolas na faixa de fronteira era ocupar por brasileiros um espaço dominado por estrangeiros. Vejam o que diz um documento enviado pelo secretário geral do Conselho de Segurança Nacional, general Francisco José Pinto, ao ministro da Agricultura:

“A segurança das zonas fronteiriças, onde os nacionais são minorias (grifo nosso), leva esta Secretaria Geral a encarecer a vossa excelência a conveniência da cessão de terras ser feita na própria faixa de fronteira”.

O ofício 492, de 17 de maio de 1941, confirma essas informações todas e dá mais detalhes. Veja box abaixo (ou ao lado).

Essa é parte da história documentada da Cango antes da Cango. A colônia paranaense, sugerida para a região de Foz do Iguaçu, é esta, do lado de cá do Rio Iguaçu. Foi criada em 12 de maio de 1943. Em novembro, uma equipe vinda do Rio de Janeiro estabeleceu-se em Pato Branco. Não tinha estrada pra vir até aqui. O trabalho na região que hoje é o município de Francisco Beltrão começou mesmo a partir de 1944. Entre os primeiros funcionários cariocas da Cango que vieram em 1943 estava o escriturário Jahyr de Freitas, pai do professor Átila de Freitas, o arquivista da preciosa documentação que originou esta matéria para a edição especial do Jornal de Beltrão sobre os 70 anos do município de Francisco Beltrão.

Reservistas de hoje querem continuar na cidade

Capitão Rinaldo de Moraes Júnior, comandante do 16º Esquadrão: “Eles querem se aposentar e ficar aqui”. Foto: Ivo Pegoraro/JdeB.

Uma diferença dos reservistas de oito décadas atrás é que os daquele tempo pediam terra para trabalhar e os de hoje querem emprego para continuarem na mesma cidade, quando deixarem o Exército. Mas há uma semelhança: tanto os daquele tempo como os de hoje querem permanecer na região de fronteira. Há oito décadas, queriam ficar porque a terra era nova, virgem, fértil, promissora para quem queria viver da agricultura, a grande geradora de empregos na época, pois 80% da população vivia no meio rural.

Hoje, os reservistas, assim como os que entram para a reserva, não pensam em ir para outro lugar porque onde havia uma simples vila incrustrada no meio do matão, longe de tudo, hoje existe uma bela e rica cidade, na qual se consegue praticamente tudo o que tem em cidades modernas e populosas.

Quem dá essa informação é o atual comandante do 16º Esquadrão de Cavalaria Mecanizado de Francisco Beltrão, o capitão Rinaldo Reis de Moraes Júnior.

“Eu acho que as aspirações, sejam dos beltronenses, sejam dos que vêm de fora, é continuar na cidade. Temos hoje um aumento no nosso pessoal que quer ficar na cidade. Isso é interessante porque vem gente de vários lugares do País e eles querem se aposentar e ficar aqui, continuar na cidade por causa da qualidade de vida, por causa de toda a qualidade, mesmo da cidade.”

O comandante dá mais informações sobre os reservistas de hoje: “Eles geralmente aproveitam as oportunidades ali dentro para depois conseguir entrar no mercado de trabalho. Eles não vão ganhar o terreno, mas eles vão conseguir adquirir o terreno com esse trabalho de oito anos no quartel. Geralmente é o que eu tenho visto”.

A cidade de Francisco Beltrão é atrativa também para quem está se aposentando ou, como se diz no meio militar, quem entra para a reserva, como cita o comandante De Moraes: “O nosso pessoal da reserva, como a gente chama os inativos e pensionistas, aqui temos bastante. Chega a ser três vezes maior que o nosso efetivo. Então, enquanto a gente tem cerca de 250, aí a gente tem quase ao todo, vai dar 1.000 praticamente aqui na guarnição, porque esses 750 são de inativos, pensões familiares, de militares que permanecem na cidade mesmo depois da vinda do quartel, que era em Passo Fundo, pra cá. Temos tanto o pessoal que era desde que iniciou aqui na Cango, na década de 1950, desse pessoal que era de infantaria e também o nosso pessoal que veio de Passo Fundo e ficou aí em 2000 e agora se mantém na cidade. O objetivo é estabelecer raízes e ficar na cidade. É interessante porque nem toda cidade que tem quartel ocorre isso É uma mostra de que a cidade aqui é incrível.”

Ofício 492 – Em 17 de maio de 1941

Sr. Diretor Geral do Departamento Nacional da Produção Vegetal.

Constantemente chegam a esta Divisão requerimentos de reservistas do Exército Nacional solicitando concessão de lotes de terras em nossas fronteiras, de preferência na zona de Foz do Iguaçu*.

Esta Divisão já tem concedido lotes a reservistas do Ministério da Guerra e encaminhados pela Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional, três requerimentos dos aludidos reservistas solicitando lotes de terras na referida zona de Foz do Iguaçu.

Com o fim de nacionalizar as fronteiras, na forma prevista pelo Decreto-lei 1.968, de 17 de janeiro de 1940, e, no intuito de atender a esses servidores da Nação e a outros brasileiros, torna-se necessária a fundação de Núcleos Coloniais nessas regiões fronteiriças.

É este, também, o desejo manifestado, neste processo, pelo Conselho de Segurança Nacional.

Como preliminar para realização desse objetivo, seria necessário um entendimento deste Ministério com o Conselho de Segurança Nacional, conforme o previsto no artigo 1º do Decreto-lei 1.968, já citado, para a indicação das zonas. No caso presente, trata-se de estudar a possibilidade da fundação de um Núcleo Colonial na zona de Foz do Iguaçu. Uma vez indicada a zona, torna-se necessária a designação de uma comissão** para reconhecimento e indispensável exame técnico do local, para o bom êxito da colonização.

Feito isso, seriam as terras transferidas a esta Divisão e organizar-se-ia um ante-projeto e respectivo orçamento para o fim colimado.

Ao vos encaminhar o presente expediente, solicito-vos seja o mesmo submetido à consideração do sr. Ministro.

Saudações José de Oliveira Marques – Diretor

*Naquele tempo, a grafia era com dois s: Iguassu.

**A “Comissão que deverá escolher as terras na faixa de 10 léguas da fronteira”, e que definiu o local da Cango, foi oficializada inicialmente pela Portaria nº 445, de 26 de setembro de 1941, do Ministério da Agricultura. Era formada pelo agrônomo de fomento agrícola Silvano Alves da Rocha (num documento seguinte o nome é Sylvano), o engenheiro Francisco Fernandes Leite e o agrônomo cafeicultor Antônio Alves de Araújo, todos integrantes do Quadro único do Ministério da Agricultura.

Através do Ofício 110, do dia 29-9-1941, o agrônomo Francisco Fernandes Leite solicitava uma retificação na sua classe: ele não era J, era K. Mas a Portaria 520, do dia 21-10-1941, assinada por Carlos de Souza Duarte, encarregado do expediente da Agricultura, nomeava o engenheiro Eneas Calandrini Pinhiero, classe L, para substituir Francisco Fernandes Leite.

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