Na avaliação de autoridades, Lei Seca ajudou a evitar muitos acidentes, entretanto, não conseguiu diminuir o número de mortes.

A maioria esmagadora dos adultos brasileiros em algum momento de suas vidas irá combinar álcool com direção de veículo automotor. Seja depois do happy hour com os amigos, do baile de formatura ou casamento, futebol ou qualquer outro encontro. No Brasil, não há comemoração sem bebida alcoólica, é cultural. Talvez por isso a Lei Seca, que está completando 10 anos em 2018, não tenha surtido o efeito esperado, pelo menos na região Sudoeste, onde o número de jovens que perdem a vida no trânsito ainda é alto.
No final do mês de maio, em uma blitz realizada pela Polícia Militar de Francisco Beltrão na saída de uma festa tradicional, foram flagradas 17 pessoas com embriaguez ao volante, a maioria detida em flagrante. Os dados se repetem semanalmente nas operações feitas pela PM.
Segundo o capitão Rogério Gomes Pitz, comandante da 1ª Cia da Polícia Militar, ingerir bebida alcoólica faz parte da cultura do povo brasileiro. “Não se faz nem uma festa de aniversário de criança em que não tenha bebida alcoólica.” Contudo, a PM está intensificando a fiscalização no município e na região com uso de bafômetros. “Em que pese o valor da multa ser alto, o objetivo não é aumentar a arrecadação, mas evitar acidentes.”
Quem for flagrado dirigindo alcoolizado (até 0,33 mg/l), pode receber multa de R$ 2.934,70, com suspensão do direito de dirigir por 12 meses. Se dentro deste período o motorista reincidir, a pena dobra. Caso o bafômetro afira mais de 0,33 mg/l, o condutor também responderá criminalmente. “Não estamos dizendo que a pessoa não pode beber, mas que, quando tomar bebida alcoólica, não pode dirigir. Existem outras opções como táxis, motorista da rodada e ônibus.”
PRE constata aumento de 9% em condutores alcoolizados
JdeB – O tenente Paulo Francisco de Oliveira, subcomandante da 6ª Cia da Polícia Rodoviária Estadual, salienta que desde a criação da Lei Seca em 2008, houve resultados positivos, mas, especificamente na região, há ressalvas. “Pode-se dizer que hoje em dia praticamente todo condutor brasileiro conhece algum outro condutor que já sofreu as punições trazidas com a Lei Seca, ou pelo menos já teve notícia de alguém sendo flagrado pela polícia conduzindo veículos sob influência de álcool e sofrendo as consequências. Isso gera receio na população e contribui para a redução da prática de embriaguez ao volante. Desta forma, a Lei Seca contribui preventivamente para a redução de acidentes e de vítimas no trânsito”, comenta o oficial.
Contudo, segundo ele, na realidade territorial do Sudoeste do Paraná, que se estende pelos municípios compreendidos dentro das microrregiões de Francisco Beltrão e Pato Branco, a estatística tem se mostrado diferente.
Na região, neste ano, houve aumento de 19,5% do número de condutores submetidos ao etilômetro em relação ao mesmo período do ano passado, ou seja, aumentou a fiscalização, o que culminou na elevação de 9% no número de condutores flagrados sob influência de álcool.
Por sua vez, de junho/2016 a junho/2017 houve o registro de 739 acidentes, 57 mortos e 724 feridos, sendo que de junho/2017 a junho/2018 houve 798 acidentes, 68 mortos e 739 feridos, implicando aumento de 8% no número de acidentes e de 19% no número de mortos nesses últimos dois anos.
“Apesar do aumento da fiscalização nas rodovias, os números apontam para um aumento no número de condutores flagrados sob influência de álcool e também aumento no número de acidentes e de vítimas fatais. Acreditamos que, apesar desses resultados terem contribuição do aumento da frota de veículos em circulação e também da baixa qualidade de alguns trechos de nossas rodovias, a principal causa ainda é a insistência de condutores em dirigir sob influência de álcool, mesmo quando transportando seus próprios filhos e outros familiares, colocando a vida de todos em risco”, enfatiza o tenente Paulo.

Álcool é fator determinante nas mortes
A diretora do Departamento Beltronense de Trânsito (Debetran), Marilda Galvan, comenta que, após uma redução inicial dos acidentes com mortes, em virtude da Lei Seca, eles voltaram a aumentar. Um trabalho inédito em Francisco Beltrão, feito por uma comissão composta por órgãos de segurança pública, analisa todas as mortes no trânsito do município. Em 2017, por exemplo, ocorreram 20 mortes de moradores de Francisco Beltrão no trânsito — nove estavam embriagados.
Outras sete mortes são de motoristas que não tinham CNH ou que estavam com carteira suspensa ou cassada. Ou seja, não poderiam estar dirigindo. “Isso mostra que o fator álcool foi determinante nos acidentes com morte. Mas se você analisar países como a Alemanha, onde o consumo per capta de bebida alcoólica é maior do que no Brasil, lá o número de mortes é muito menor, porque as pessoas bebem, mas não dirigem”, compara Marilda.

Estudo mostra redução de mortes só no primeiro ano
JdeB – De acordo com o médico Irno Azzolini, diretor do Instituto Médico Legal (IML) de Francisco Beltrão, um levantamento do órgão indica que, das vítimas fatais em acidente de trânsito, 53% estavam embriagadas. O IML pede exame de alcoolemia em todos os condutores de veículos que morrem e nas vítimas de atropelamento.
Ele observa que, quando saiu a Lei Seca, houve diminuição de acidentes, de mortes e de vítimas nos hospitais, “logo depois, quando o povo percebeu que a lei funcionava pouco, os índices voltaram a subir”. Irno fala com base em estatísticas do próprio IML de Francisco Beltrão.
Em um estudo recente feito em parceria do IML e curso de Medicina da Unioeste, que analisou todas as mortes violentas entre os anos de 2006 e 2015, percebe-se uma queda considerável das mortes em acidentes de trânsito só em 2013. Resultado da alteração na Lei Seca 12.760/12, que teve como objetivo aumentar o rigor das penas para quem dirige alcoolizado, ao modificar o limite tolerado de concentração de álcool no sangue (que antes era de seis decigramas), sendo que qualquer concentração já sujeitava o condutor às penalidades previstas; além disso, não havia mais a necessidade de um teste de alcoolemia, sendo possível a comprovação de embriaguez por vídeos, testemunhas, exame clínico ou constatação pela autoridade de trânsito de sinais que indiquem alteração da capacidade psicomotora. Esta nova lei também dobrou o valor da multa, dentre outras alterações mais severas.
Porém, no ano seguinte, os números voltaram a subir. Das 2.705 mortes violentas que passaram por necropsia no Instituto Médico Legal de Francisco Beltrão em 10 anos, 48,9% eram decorrentes de acidentes de trânsito. São 1.072 casos em acidentes de trânsito em rodovia e 250 óbitos no trânsito urbano.

Histórico da Lei Seca
A aprovação da Lei Seca ocorreu em 2008. Antes disso, o Código de Trânsito em vigor, aprovado em 1997, já limitava a ingestão até seis decigramas de álcool por litro de sangue. A legislação de 2008 tolerava o limite de 0,1 miligrama por litro (mg/l). Ela fixou punições que envolvem multas elevadas, perda da habilitação e recolhimento do veículo. No caso de acidentes com vítimas, o responsável deve responder a processo penal.
Em 2012, uma modificação estabeleceria a infração a partir de qualquer grau alcoólico. Uma nova alteração em 2016 também intensificaria o rigor fixando a alcoolemia zero.
Também em 2016, ficou determinado que a recusa ao teste do bafômetro é infração gravíssima, além da suspensão do direito de dirigir. Além disso, foi ampliada a pena prevista ao motorista causador da morte ou de lesão corporal: passou para cinco a oito anos de reclusão.