A dúvida é se será investigado como crime militar ou crime comum; não pode haver duplo julgamento pelo mesmo fato determinado.

Um imbróglio jurídico estava formado até ontem, 26, sobre a competência (Polícia Civil ou Polícia Militar) para investigar a morte do sargento da reserva do Corpo de Bombeiros José Carlos Silva do Prado, 49 anos. Ele foi morto a tiros na noite de sexta-feira, 23, após uma discussão com um policial militar à paisana (que não teve o nome divulgado), próximo ao Ítalo Cidade Norte, em Francisco Beltrão.
Segundo o major Rogério Pitz, subcomandante do 21º Batalhão da Polícia Militar, a interpretação inicial era de que seria um crime tipicamente militar, porque envolveu dois militares. Em função disso foram tomadas as medidas de polícia judiciária militar, como recolhimento das armas, coleta de testemunhas, isolamento do local para perícia e prisão do autor.
O auto de prisão em flagrante delito foi feito no Batalhão e encaminhado para a Justiça Militar em Curitiba, contudo, o juiz militar entendeu que não era um caso para justiça militar, porque o policial estava de folga e o bombeiro na reserva remunerada, e retornou o procedimento para a justiça comum em Francisco Beltrão. Ocorre que quando o processo retornou, o juiz se declarou incompetente para julgar o caso. O autor do homicídio foi liberado pelo juiz de plantão ainda no sábado.
O delegado-chefe da 19ª SDP, Ricardo Moraes Faria dos Santos, ainda ontem, aguardava um posicionamento oficial da justiça, “embora eu acredite que será nossa, tanto que a gente já correu atrás de colher as provas, precisamos que o judiciário decida isso”.
O delegado explica que um dos princípios do Direito Penal é que a pessoa não pode ser investigada duas vezes pelo mesmo fato. “Embora meu posicionamento desde o começo fosse que era um crime comum, com atribuição da Polícia Civil, a Polícia Militar, através da corregedoria dela, entendia que era crime militar. Eles formalizaram o procedimento na sexta-feira como IPM [Inquérito Policial Militar], então, neste contexto, eu não abro outra investigação, senão teremos a duplicidade. Se o judiciário entender que é crime comum, daí a Polícia Militar vai encaminhar toda a documentação para a Polícia Civil.”
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Advogada diz que policial agiu em legítima defesa
A advogada de defesa Kelly Cristina Borghesam divulgou uma nota informando a versão oficial de seu cliente, que é policial militar lotado no Posto da Polícia Rodoviária de Francisco Beltrão (Água Branca).
A versão é a seguinte: na sexta-feira, 23, enquanto tentava deslocar-se para sua residência em outra cidade, já no final da tarde, o policial rodoviário verificou um problema mecânico em sua motocicleta, o que lhe impossibilitaria de seguir até sua casa. Considerando que tinha um jantar com sua esposa e amigos em Francisco Beltrão, decidiu por contatar um mecânico e aguardar que ela (mulher) viesse para o compromisso. Dessa forma, ela viria apenas uma vez e depois do jantar retornariam para casa. Assim, realizou compras na farmácia local e foi até o mercado para fazer um lanche e compras enquanto aguardava a chegada da esposa.

Segundo ela, estava fazendo suas compras quanto percebeu um tumulto na área dos caixas. O mercado estava praticamente vazio, com poucos funcionários e na sua maioria mulheres. Percebendo que as pessoas estavam alteradas com as funcionárias, se aproximou para apaziguar a situação. As pessoas estavam algumas sem máscara e constrangendo as funcionárias. “Eis que ficou próximo e tentou acalmar os clientes, no caso, a vítima e mais quatro pessoas que lhe acompanhavam (dois homens e duas mulheres). Foi possível constatar que os clientes estavam muito alterados com forte odor etílico. Um deles, no caso a vítima, começou a investir contra o policial militar, que nesse momento desistiu de suas compras e resolveu se retirar do estabelecimento. Não conseguiu pegar a sua motocicleta porque ela estava estacionada próximo do veículo da vítima e seus amigos, e para evitar um confronto, optou em ir para perto da via pública, aguardando assim a chegada de sua esposa”, diz trecho da nota.
E prossegue: “em determinado momento o policial militar foi abordado por uma das mulheres que acompanhavam a vítima, sendo que por ela fora indagado sobre quem era, ainda sendo de certa forma coagido, já que constantemente ela lhe dizia que eram todos advogados e que a vítima era o sargento Prado, do Corpo de Bombeiros. Além disso, aos gritos a vítima dizia ao policial que “ele cairia morto ali mesmo””.
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De acordo com a advogada, o policial militar tentou convencê-los a seguir com seus planos para a noite, querendo que eles fossem embora. E ainda mais, acreditando que a vítima havia entrado em seu veículo foi se direcionando para a chegada de sua esposa. “Em determinado momento, a vítima surpreendeu o policial militar, vindo correndo em sua direção, sacando sua arma de fogo e apontando para ele. Nesse momento dizia que iria matá-lo, apesar do policial militar pedir para que parasse. Descontrolada, a vítima apontou a arma e somente não obteve êxito no disparo porque não destravou sua pistola. Foi nesse momento em que o policial militar efetuou os disparos, repelindo assim a iminente ameaça.”
No entendimento da defesa, o policial militar agiu dentro da legalidade. Não buscou qualquer resultado trágico como este. No entanto, não poderia deixar de se defender. “Ele possui quase 10 anos de corporação. Está no comportamento excepcional e teve sua conduta pautada dentro daquilo que se exige de um militar treinado para situação de grande tensão como essa. Ele não se identificou como militar e usou a arma particular. Certamente é uma situação bastante lamentável. Mas haverá apuração e não resta dúvida de que o policial agiu para salvaguardar a própria vida.
O que é possível perceber dos vídeos divulgados
Vídeos divulgados pela defesa mostram parte da confusão ainda no estacionamento do supermercado. Na gravação, o sargento Prado aparenta estar muito alterado, sendo contido por outras pessoas. Em determinado momento o bombeiro diz: “ele vai morrer aqui”.
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Uma mulher se aproxima e pede para o policial ir embora. “Vai embora, sai daqui, ele é sargento da polícia, tu é o que aqui do mercado? Você é cliente? Você nem é guarda do mercado. Pegue tua moto e se suma. Tu sabe com quem tu tá mexendo, o cara é da polícia. Vai embora.” Um homem se aproxima e diz que ele é o “sargento Prado” dos bombeiros e também informa que eles “beberam”. “Eles beberam né, tão fedendo cachaça”, comenta o policial.
Enquanto isso, o sargento Prado segue sendo contido por outras pessoas. Uma outra mulher, que se apresenta como advogada, se aproxima para conversar com o policial, que tenta explicar como foi o início da confusão. Ela diz que todos beberam, mas que não estavam fora de sã consciência. “A gente não estava agindo de má-fé com as meninas [do supermercado]”, comenta ela. “Vão embora, vão pra casa, vão descansar”, sugeriu o policial. “Não, a gente vai pra onde a gente bem entender”, retrucou a mulher. “Vão curtir a noite de vocês, hoje é sexta-feira, dia de aproveitar, festar”, insistiu o PM. Logo em seguida o sargento Prado se aproxima gritando: “tô aqui machão, me bate agora. Me bate, macho” (já com a arma na mão). O policial então sacou a arma e fez pelo menos sete disparos, provocando a morte do bombeiro
Esposa se despede: “Vítima da intolerância”
A esposa do sargento Prado, Fabiana Krasniak, publicou em sua rede social uma mensagem de despedida. “Prado, aquele que escolheu salvar vidas, consciente que essa profissão colocaria a sua em perigo, que ao honrar a farda por mais de 25 anos morreu de uma forma tão cruel. Aquele que por muitas vezes, em ocorrências, zelou pelas famílias e pelos corpos estendidos no chão, vítimas da intolerância, ontem [sexta] foi a própria vítima dela. Estou pra conhecer uma pessoa tão bondosa, de integridade limpa como ele. Até que a morte nos separe! E eu tenho plena certeza que só assim mesmo para nos separarmos. Não estávamos preocupados com o mundo, somente com nós. Ser feliz era nossa meta! Como vivemos tudo intensamente, tínhamos pressa em sermos felizes. Você se foi e levou um pedaço de mim! Vivi os 11 anos mais felizes da minha vida junto com você!”