Preso que conquistou vaga na universidade conta como os estudos o têm ajudado a se preparar para quando retornar ao convívio da sociedade.
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Chegar à universidade é o sonho de muitos brasileiros que querem mudar de vida. Mas o percurso é longo e nem sempre fácil. Para o detento E. J. Z., 46 anos, da Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão, tudo estava correndo bem até a chegada da pandemia de Covid-19. Ele fez o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) em 2019, conquistou uma boa nota, fez inscrição no Sisu (Sistema de Seleção Unificada) e conseguiu vaga para o curso de Serviço Social na Unioeste.
Frequentou os bancos acadêmicos por uma semana e meia, até a chegada da pandemia e a suspensão das aulas. O ensino retornou no modelo híbrido, com conteúdo em plataformas digitais, mas aí como a unidade penal não tem a estrutura necessária o preso não conseguiu dar prosseguimento aos estudos. “A vaga está garantida, é uma pena só pelo tempo perdido, poderia estar já no 4º período”, lamenta.
Ele ia à universidade como civil (sem o uniforme de preso), era escoltado na ida e na volta por viatura descaracterizada e no ambiente acadêmico permanecia de tornozeleira eletrônica. Segundo disse ao JdeB, já no primeiro dia “abriu o jogo” para colegas e professores de que era uma pessoa privada de liberdade e conta que foi muito bem recebido por todos.
E.J.Z. é réu primário e foi condenado a 6 anos e 8 meses de prisão. Já cumpriu 4 anos e 5 meses.
A previsão é de que em seis meses seja decretado seu alvará de soltura e ele volte para as ruas como cidadão livre.
Por seu empenho, conseguiu remição de quase dois anos da pena, trabalhando internamente na unidade e por meio do projeto de remição pela leitura. A vaga no curso de Serviço Social já está garantida, mas o grande sonho dele é Psicologia.
Como o curso só existe em instituição privada, ele diz que a família irá custear seus estudos.

Oportunidade tem, é só querer mudar de vida
O preso em questão já concluiu o ensino médio, iniciou dois cursos superiores (não concluídos), Administração e Filosofia, morou por 5 anos na Itália, trabalhou como fotógrafo, cinegrafista e consultor comercial. Enquanto cumpre pena já leu 100 livros de seu interesse (a maioria de autoajuda) e mais 20 livros do projeto remição pela leitura, que são títulos predefinidos. “Aqui a gente tem acesso a livros e muita coisa minha a família trouxe de casa também. Gosto de ler literatura também, que dá uma boa base para a redação.”
Segundo ele, nas três últimas edições do Enem, conseguiu nota para estudar na faculdade, mas acabou perdendo o prazo de inscrição nos processos seletivos. “Vou fazer o próximo também, mesmo que seja a título de experiência. Se a gente tem a oportunidade, tem que aproveitar.”
A meta é voltar ao mercado de trabalho, buscar reinserção e estudar para buscar novas oportunidades. Já fez dois cursos profissionalizantes dentro da penitenciária, auxiliar de escritório, auxiliar de recursos humanos e agora começou um terceiro na área de construção civil.
“Oportunidade tem, é só querer mudar de vida. Quem não tem profissão e quer mudar, melhorar, essa é a chance. Basta querer, buscar, pagar pelo erro e voltar como um cidadão de bem. Para muitos, a prisão pode ser um atraso, depende muito da ótica, não foi o meu caso. Em 20 anos lá fora eu não adquiri a experiência que ganhei em 4 anos aqui dentro.”
Quando sair em 2022, ele quer escrever um livro. Atualmente ele é monitor no projeto de remição pela leitura e auxilia seus colegas presos a estudar e esclarecer dúvidas.
Enem tem 64 inscritos
Cláudia Cristina Borba de Barros da Rosa, pedagoga da Penitenciária, diz que a unidade já teve outros alunos fazendo faculdade, mas atualmente só há este preso matriculado em curso superior. De acordo com ela, o Enem é ofertado na penitenciária desde 2012 como forma de oportunizar a porta de entrada para a universidade.
No ano de 2020 a unidade teve 93 inscritos; em 2021, 64. O exame deste ano terá suas provas realizadas em janeiro de 2022, nos dias 9 e 16.
Remição pela leitura: estudar ajuda sair mais cedo
O Paraná foi o primeiro Estado a regulamentar a remição pela leitura nos estabelecimentos prisionais. O custodiado ao aderir ao programa, de forma voluntária, realiza a leitura de uma obra literária e elabora um relatório de leitura/resenha, na presença do professor de Língua Portuguesa. Segundo Cláudia, é preciso ler a obra e fazer a prova num prazo de 30 dias, não menos do que isso. Concluída todas as etapas: leitura, escrita e reescrita final de um resumo/resenha, o preso precisa atingir uma nota igual ou superior a 6. Se aprovado, ele consegue a remição de 4 dias de sua pena a cada livro lido.
A pedagoga diz que atualmente estão participando do projeto cerca de 30 presos, porque ainda existem limitações impostas pela pandemia de Covid-19. A ideia é expandir o projeto a partir do ano que vem. Coordenador regional do Depen (Departamento Penitenciário) e diretor da PEFB, Marcos Andrade diz que o objetivo é firmar o máximo de parcerias possíveis para levar melhores condições para os presos.
“Ele ressalta que o preso fica em média fechado, independente do crime que cometeu, de 4 a 8 anos, e depois retorna para o convívio social. Esse preso um dia vai voltar pra sociedade, agora o que todos esperamos é que ele volte melhor e não pior do que quando entrou. Então todas as oportunidades são oferecidas. Aqueles que querem mudar de vida, existem muitas opções aqui dentro, basta ter vontade.” Marcos também destaca a importância da parceria do Ministério Público e da Vara de Execuções Penais (VEP) para melhorar cada vez mais as condições da Penitenciária Estadual.