Se considerar por região, Sudoeste do Paraná está em primeiro lugar em ocorrências da Lei Maria da Penha.

Francisco Beltrão é a 2ª cidade do Paraná com mais ocorrências de violência contra a mulher. A taxa é de 304 casos para cada 100 mil habitantes, ficando atrás só de Paranavaí (316/100 mil hab). A estatística foi divulgada pelo site Bem Paraná com base em um levantamento com informações do Ministério Público do Paraná. O estudo leva em consideração os crimes registrados entre 15 de junho de 2014, quando o cadastro de vítimas foi criado, e 31 de dezembro do mesmo ano, ou seja, pouco mais de seis meses. Neste período, Francisco Beltrão teve 266 ocorrências.
Dois Vizinhos está em terceiro lugar com taxa de 279/100 mil e Palmas em quarto, com 275/100 mil. Se considerar por região, o Sudoeste aparece em 1º lugar no Paraná com uma taxa de 166 casos a cada 100 mil habitantes.
Desde sua inauguração, em outubro de 2015, até fevereiro de 2017, a Delegacia da Mulher de Francisco Beltrão registrou 932 boletins de ocorrência, os quais resultaram na instauração de 694 inquéritos policiais (procedimentos que investigam os crimes noticiados) e no pedido de 482 medidas protetivas de urgência. Mais de 80% das investigações já foram concluídas e encaminhadas ao Poder Judiciário.
Nos dois primeiros meses deste ano, constatou-se um aumento substancial no número de registros, que praticamente dobrou se comparar com o mesmo período de 2016. Em 2017, foram registrados 154 boletins de ocorrência, o que significa dizer que, na Comarca de Francisco Beltrão, diariamente, aproximadamente três mulheres procuraram a Delegacia da Mulher asseverando que tiveram os seus direitos violados.
Mais violência ou mais denúncia?
A delegada Emanuelle Carolina Baggio, titular da Delegacia da Mulher, ressalta que há uma outra vertente, segundo a qual não se trata de um aumento efetivo no número de supostas violações de direito, mas sim que as mulheres estão cada vez mais conscientes de seus direitos e da existência de uma unidade policial especializada no atendimento de tais casos.
A delegada salienta que neste mesmo período de 2017 foram efetuadas seis prisões por descumprimento das medidas protetivas de urgência (número que não contempla os presos em flagrante delito). Ela reforça que a concessão de medidas protetivas de urgência às mulheres vítimas de crimes é uma providência necessária e séria, de modo que aqueles que a descumprem podem, inclusive, ter suas prisões decretadas pelo juízo.
Advogado reclama falta de efetividade das medidas protetivas
Hoje, 8 de março, é comemorado o Dia Internacional da Mulher e o que tem chamado a atenção da comunidade são os casos de extrema violência que ocorrem contra as mulheres do município. No ano passado, um acontecimento que ganhou muita repercussão na mídia foi o desaparecimento da costureira Marli Frizanco. O marido está preso e é o principal suspeito pelo sumiço dela. A Polícia Civil investigou e acredita que Marli esteja morta, mas o corpo não foi encontrado, deixando uma interrogação no ar. O marido nega o crime.
O advogado Pedro Leite observa que há uma dificuldade da justiça em dar total cumprimento à Lei Maria da Penha, no que se refere à garantia da execução das medidas protetivas.
De acordo com ele, há um mau funcionamento dos órgãos do Judiciário e de segurança pública para cumprir esse quesito. Leite cita como exemplo o caso da beltronense Leila Cristiane Bloemer, 31 anos, que foi morta a tiros em março do ano passado. A vítima, antes de ser morta, tinha registrado três queixas contra o ex-companheiro, autor do crime, por agressão e ameaça. O relacionamento deles tinha terminado em dezembro de 2015. No dia do crime, ele invadiu a casa e, além de matar a ex-mulher, atirou contra o pai e o atual namorado dela, que ficaram feridos. A Polícia Civil confirmou que três inquéritos tinham sido abertos pela Lei Maria da Penha – dois casos de lesões e uma ameaça. Em uma das ocorrências, o criminoso foi detido em flagrante.
“Os gritos eram de horror”, conta testemunha
“Eu fiquei em choque porque os gritos eram de horror, tanto dela quanto da criança.” O relato é de uma vizinha que não quis se identificar, mas ouviu tudo que aconteceu na madrugada do dia 10 de fevereiro deste ano em Francisco Beltrão. Depois de ter sido agredida pelo amásio, de 23 anos, Prycila Slobozinski, 25 anos, teve o corpo incendiado. Tudo sob a presença do filho dela, de 4 anos de idade.
A agressão ocorreu por volta das 2h10, em uma espécie de pensão, na Rua Tenente Camargo, Bairro Nossa Senhora Aparecida. O homem ateou fogo nela após uma briga entre os dois. Quando a Polícia Militar chegou ao local, Prycila contou que tinha ocorrido um desentendimento entre ela e o companheiro e que ele teria jogado álcool, tacando-lhe fogo em seguida. Falou ainda que foram os vizinhos que ajudaram a apagar as chamas. O agressor foi preso horas depois.
Prycila morreu em um hospital de Londrina no começo de março devido à infecção hospitalar. O laudo apontou queimaduras em 50% do corpo. “Ela ainda falou por um bom tempo com a criança, acalmando e indicando onde morava uma tia para levá-lo”, conta a vizinha. E acrescenta: “Aquela criança desesperada e ela. Estou até hoje impressionada, porque aqui é um bairro sossegado”.
Um familiar procurado pela reportagem do JdeB relatou que Prycila estava morando em Francisco Beltrão há três meses. Tinha vindo embora de Toledo justamente porque o suspeito do crime a estava ameaçando. Aqui, morou um tempo com familiares e depois se mudou para um pequeno quarto. “Ela se encontrou de novo com esse cara e voltaram a ficar juntos. Fazia duas ou três semanas que estavam morando no quartinho, um local inadequado até mesmo por causa da criança.” A criança está atualmente morado em Toledo com a mãe de Prycila. O pai dele é de Santa Izabel do Oeste.
A família tem pouca informação do que teria acontecido naquele dia. Uma testemunha contou que começou com um bate-boca, depois ele teria derrubado a mulher no chão, jogado álcool e ateado fogo. “A gente só quer que esse cara fique preso, porque sabemos como a lei funciona no Brasil e daqui um pouco é capaz de ser solto.”
A delegada Emanuelle disse que o inquérito já foi encaminhado ao Fórum. Na época, o autor tinha sido indiciado por feminicídio tentado, mas como a vítima faleceu, deverá responder pelo crime consumado. “Ela demorou demais para ser transferida para um hospital especializado, tentamos falar com quem podia, mas é tudo complicado. Aqui não estavam tratando, só estava em coma induzido para atenuar a dor”, reclamou o parente que não quis ter o nome divulgado.

Uma luta pela conscientização
Professoras, profissionais recém-formadas e voluntárias da Unioeste fizeram uma panfletagem ontem, 7, no Calçadão, com cartazes e distribuição de material educativo sobre a Lei Maria da Penha. A ação ocorreu em parceria entre o Núcleo Maria da Penha (Numape) e o Núcleo de Estudos e Defesa de Direitos da Infância e Juventude (Neddij). Perla Cristovon, do Numape, diz que o núcleo existe desde 2013 e o objetivo é oferecer suporte educacional e jurídico para as mulheres. Neste período, já foram mais de 8 mil atendimentos, principalmente com palestras em escolas e clubes de mães. Ela afirma que advogados que atendem no projeto oferecem todo o suporte para as mulheres vítimas de agressão, solicitando medidas protetivas e participando de audiências.
A professora Sônia Marques, que coordena o projeto, comenta que, além do suporte jurídico, a ideia das ações educativas é criar relações de gênero mais igualitárias. “A ideia é criar uma sensibilidade, considerando que amanhã (hoje) é o Dia Internacional da Mulher. Cotidianamente temos mulheres assassinadas no Brasil inteiro e também no Paraná os números da violência contra a mulher são muito grandes.” Ela diz que em grande parte a mulher ainda tem um certo temor de denunciar.
Dos 8 mil atendimentos, 10% são jurídicos. “É importante ressaltar que essa mulher não está sozinha, tem todo um conjunto de políticas públicas pra ela acessar. Então a mensagem é: não sofra sozinha, há um conjunto de órgãos pra acessar, não aceite essa violência cotidiana. O que percebemos é que existem ciclos de violência. Às vezes a avó dela sofria violência, a mãe dela sofreu e ela sofre, ou seja, há uma naturalização da violência. Importante que essa mulher quebre o ciclo, denunciando e usando a legislação a seu favor”, orienta Sônia. O atendimento na Unioeste é diário e o telefone é 3520-4861.