“Meu coração diz que alguém matou meu pai e levou o corpo para longe dali.”
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Na próxima terça-feira, 22, o desaparecimento do aposentado Valdemar Armachuski, morador da Linha Planaltinho – divisa dos municípios de Francisco Beltrão, Manfrinópolis e Pinhal de São Bento – completa um ano. Ele saiu de casa à tarde, foi até a capela da comunidade, como fazia todos os dias, e nunca mais foi visto. Autoridades fizeram uma varredura por quilômetros nos arredores da comunidade com todo o aparato que era possível, inclusive com drones e cães farejadores, mas nenhum sinal do idoso.
A última pessoa que viu seu Valdemar naquele dia foi Terezinha Morokoski Potrick, que reside em frente à capela da comunidade. Nesta semana, ela conversou com a reportagem do Jornal de Beltrão.
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De sua casa, por volta das 16h, do dia 22 de junho de 2020, quando se preparava para sair fazer atividade física, viu o idoso no lado de fora da Igreja, que estava fechada, espiando por entre a porta de vidro se havia alguém lá dentro. Ela saiu para seu compromisso e quando voltou, cerca de 1 hora depois, ele não estava mais lá. Foi até a igreja, que agora estava aberta, e entrou para fazer uma oração. Alguns minutos depois escutou um barulho estranho, uma freada brusca próximo da igreja, como se um veículo tivesse batido em algo, saiu e avistou um carro rebocando um trailer. “Quando escutei aquele barulho me veio na cabeça o seu Valdemar que tava sempre por ali. Achei que tinha batido nele. Mas quando saí só vi aquele trailer alto com janelinha, que saiu rápido.”
Também era costume de Valdemar sentar em uma cadeira de plástico dentro de uma pequena gruta, próximo da igreja, e passar horas meditando. Terezinha recorda que o idoso sempre cumprimentava, dizia boa tarde quando passava, pedia se estava tudo bem e depois seguia seu caminho. “Ele não incomodava ninguém.” Além daquele trailer, ela lembra que muitos carros estranhos estavam passando pelo local naqueles dias. A estrada de chão liga a comunidade – que fica ao lado da PR 182 – ao município de Pinhal de São Bento e já foi rota muito utilizada por cigarreiros, principalmente de madrugada, para escapar da fiscalização policial.
Valdemar era pacato e a vizinhança gostava dele
Seu Valdemar nasceu em 27 de novembro de 1943, em Caçador (SC), o terceiro de uma família de 12 irmãos. Foi casado duas vezes, do primeiro relacionamento teve dois filhos (um mora no Rio de Janeiro e outro em União da Vitória) e do segundo, uma filha (mora em Curitiba). Trabalhava em obras e um dos feitos que a família recorda é que ele ajudou a construir a usina de Itaipu Binacional (iniciada em 1971 e inaugurada em 1984). Seu Valdemar fez muitas andanças pelo País. De 2010 a 2014, residiu no Rio de Janeiro, mas antes disso morou no Bairro Alto Boqueirão, em Curitiba, e antes da capital paranaense viveu em Foz do Iguaçu.
Quando saiu do Rio de Janeiro, em 2014, ele veio morar em Francisco Beltrão com o cunhado João Bordinhon Neto, 72, e a irmã Leonilda Bordinhon, 70. Por cerca de três anos, eles residiram na cidade. Valdemar dormia em um cômodo separado, mas na mesma casa da irmã. O casal então decidiu mudar para o atual endereço, na margem da rodovia PR 182, que liga Beltrão a Ampere, e levou Valdemar junto.
João e Leonilda contam que o aposentado tinha problema com álcool. Gastava toda a aposentadoria em bebida e, frequentemente, chegava em casa machucado das quedas quando estava bêbado. Não havia condições de deixá-lo sozinho, então decidiram levá-lo e a família passou a administrar o dinheiro dele.
Neste novo endereço há uma casa separada, nos fundos do terreno, onde o idoso pernoitava. De dia fazia as refeições na casa da irmã, à noite se retirava para dormir. E assim era sua rotina. Todos os dias ia à gruta ou à igreja, onde passava horas rezando e depois voltava para casa.
Naquele dia não foi diferente. Almoçou, ganhou um copinho de cachaça da irmã [era habitual o trago e depois a soneca] e caminhou até a igreja, que fica a cerca de 150 metros da casa. Um trajeto muito curto para uma pessoa desaparecer sem deixar rastros. Saiu de chinelo, calça e camiseta. Não tinha dinheiro no bolso, nem documentos.
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Foi visto tirando limão e depois na igreja
João Bordinhon diz que antes de ele ir para a igreja, possivelmente depois do descanso da tarde, foi visto por moradores tirando limão em um potreiro ali próximo. “Ele sempre tinha muito limão, porque gostava de misturar na pinga”, conta João, que relata que o cunhado era muito querido na comunidade, frequentava o grupo de idosos local e gostava de rezar bastante.
Diversas vezes, os parentes saíram à noite para circular pela cidade de Beltrão, imaginando que ele pudesse estar vivendo como mendigo, mas nunca foi localizado. “Eu queria achar, vivo ou morto, mas saber o que aconteceu com o mano”, desabafa Leonilda.
Na quinta-feira, Leonilda e João Bordinhon abriram a casa de Valdemar para a reportagem do JdeB. Está praticamente tudo como ele deixou. Tem dois chapéus empoeirados sobre a cabeceira de uma cama de solteiro. Um pequeno criado-mudo com barbeadores, uma bíblia e porta-retratos com a filha Beatriz. As roupas estão todas no guarda-roupas. Valdemar era saudável e não tomava nenhum tipo de medicamento. (NP)
Filha acha que o pai está morto
Beatriz Matos, 32 anos, moradora de Curitiba, foi até o IML (Instituto Médico Legal) na manhã de ontem, 18, para fazer a coleta de material genético, que pode ser mais uma ferramenta para ajudar a localizar seu pai, Valdemar Armachuski. É uma iniciativa da Polícia Científica do Paraná, que começou segunda-feira, 14, a coleta de DNA de familiares de pessoas desaparecidas em todo o Estado. A ação faz parte da campanha “Coleta de DNA de familiares de pessoas desaparecidas”, elaborada pelo grupo de trabalho da Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos, do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Além dela, um irmão de Valdemar também foi ao IML fornecer o material genético. O objetivo da coleta de amostras biológicas de familiares de pessoas desaparecidas é para a inclusão nos bancos de perfis genéticos por meio de encaminhamentos das amostras, de referências diretas da vítima desaparecida, que podem ser coletadas por meio de objetos pessoais como escova de dentes, aparelho de barbear, entre outros materiais.
Estão sendo coletadas, preferencialmente, amostras de dois familiares de primeiro grau, seguindo a ordem de preferência, com os pais em primeiro, depois filhos e cônjuges; e os irmãos. As amostras poderão ser confrontadas com restos mortais não identificados (ossada) e pessoas de identidade desconhecida cadastradas no Banco de Perfis Genéticos, exclusivamente para fim de identificação humana.
Até a divulgação do último relatório, em novembro de 2020, o Banco Nacional de Perfis Genéticos contava com mais de 91 mil perfis cadastrados, sendo mais de 5,5 mil mapeados pela Polícia Científica do Paraná. O dado coloca o Estado na sexta colocação com a maior contribuição absoluta de perfis genéticos no Banco Nacional.
O delegado-chefe da 19ª SDP, Ricardo Moraes Faria dos Santos, acredita que este perfil dos DNAs é uma alternativa importante para localizar desaparecidos. Segundo ele, a Polícia Civil continua acompanhando o caso do seu Valdemar, mas como já dito em outras oportunidades, o idoso saiu sem celular e sem cartões ou dinheiro, dificultando seu rastreamento. “Sempre que surge algum corpo que foi localizado sem identificação em outros lugares a gente entra em contato com o IML daquela localidade pra pegar os dados. Neste contexto, creio que o Banco Nacional de Perfis Genéticos vai ajudar bastante.”
Beatriz diz que faz um ano que seu pai sumiu e ainda não consegue entender o que aconteceu. “Eu nem sei o que falar mais, sabe. É muito estranho, não tem nenhum vestígio dele.” Na opinião dela, alguém fez algum mal ao seu pai. “E desovou o corpo bem longe da comunidade. Porque é uma distância pequena demais (da casa até a igreja) para desaparecer deste jeito né.”
Ela continua intrigada com o caso da caminhoneta preta, que passou pelo local no mesmo dia que seu pai sumiu. “Se eu pudesse falar algo, acusar alguém, seria aquela situação da caminhonete preta. Eu, sinceramente, acho que ele está morto, sabe. Alguém fez alguma coisa com ele e levou o corpo para longe. É impossível ele ter ido para algum lugar sozinho, andando de chinelos e bermuda, no frio de junho. Meu coração diz que alguém matou meu pai e levou o corpo para longe dali.”
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A caminhonete preta descontrolada
Seu João Bordinhon tem um trailer, onde vende caldo de cana na margem da rodovia. No dia que seu cunhado sumiu, passou a tarde no local, até sua esposa lhe avisar que estava escurecendo e que Valdemar ainda não tinha retornado. Antes de sair para iniciar a procura, por volta das 17h30, João foi desamarrar um terneiro para recolhê-lo e, bem neste instante, uma caminhonete S10 preta fez uma manobra brusca, vinha do sentido Beltrão a Ampere e entrou da rodovia para o acesso da comunidade, só que o motorista (um homem jovem) se perdeu e acertou um palanque da cerca, que estava concretado e chegou a entortar, amassando um pouco a lataria.
“Se fosse uns segundos antes, tinha me atropelado. Ele nem desceu pra ver se tinha estragado a caminhonete, ainda gritei com ele pra voltar arrumar a cerca. Eu desconfio que o Valdemar tava dentro daquela caminhonete, porque foi muito estranho.” Ele diz que mais vizinhos viram aquela caminhonete, inclusive, mais de uma vez naquela semana, mas depois do sumiço de Valdemar nunca mais foi vista novamente.
“Pra mim foi aquela caminhonete, ele não tinha intriga e nem dívidas que a gente soubesse. Os cachorros dos Bombeiros, que foram pra Brumadinho (MG), vieram ajudar. Eles farejaram as roupas, calçados dele, saíam feito loucos pela estradinha e depois perdiam o faro no asfalto.”
Leonilda recorda que naqueles dias, já vivendo em período de pandemia, Valdemar andava meio deprimido e se queixava que filhos e irmãos não iam visitá-lo. “Eu falava, olha mano, tem que esperar passar essa pandemia para eles virem te visitar.” Leonilda se emociona quando lembra do irmão, chora, e diz que não consegue nem ao menos sonhar com ele. Segundo ela, todo tipo de pensamento ruim passa pela cabeça numa situação como essas. “Uma vidente disse que ele está vivo e vivendo com os mendigos, mas aonde? Meus outros irmãos já andaram por tudo e não acharam.”