Casal ia todo dia no cemitério visitar túmulo de Caíque.

Ainda abalada pelo acidente que matou seu marido domingo, 7, Janete Rodrigues Tavares, 49 anos, recebeu a reportagem do Jornal de Beltrão na tarde de terça-feira, 9, para falar sobre a tragédia. Gilmar Pelegrini, 56, morreu ao ser atingido por um Voyage, por volta das 18h50, na Rua Abdul Pholmann, Bairro Aeroporto, em Francisco Beltrão. A esposa estava junto e presenciou o triste episódio.
O carro seguia do centro para o bairro quando saiu da pista e atingiu Gilmar, que descia em sua cadeira motorizada. O carro prensou a vítima contra uma árvore e depois tombou. O homem morreu no local. Janete só se salvou porque caminhava atrás, cerca de três metros do marido. Diz ela que a cadeira era muito rápida para acompanhar e sempre estava alguns passos distante. “Se eu estivesse do lado dele, tinha morrido também.”

O carro era ocupado por três jovens, uma mulher de 19 anos e dois rapazes de 22 anos.
O casal estava descendo do cemitério municipal, onde tinha ido visitar o túmulo do filho Caíque Kauan Tavares Pelegrini, 17 anos, encontrado morto no dia 21 de março, vítima de disparos de arma de fogo na saída do túnel de contenção de enchentes, no Bairro Padre Ulrico. A Polícia Civil ainda investiga o caso e trata a morte como possível latrocínio — roubo seguido de morte. “Até agora a justiça não fez nada. Ninguém foi preso, tá tudo impune, eles tudo de boa e meu filho tá lá no cemitério”, denuncia.
Janete conta que o esposo não se conformava com a perda prematura do filho e ia diariamente visitar o túmulo. “Tinha dias que nós ia mais do que uma vez, ia de manhã e de tarde ver meu filho. Se tinha um dos piás [outros filhos] que estavam disponível pra levar nós, a gente ía de carro, senão ía com a cadeira. Ele rezava, conversava, cantava para o filho. Era lindo de se ver.” A nora Taine Bueno conta que a família não queria que ele fosse todo dia, só sábado ou domingo, mas a dor dele era muito forte e o luto ainda era grande.
O dia do acidente
No dia do acidente, Gilmar acordou cedo, preparou cerca de 10 quilos de massa de brigadeiro — ele vendia docinhos em toda a região —, saiu vender e depois comprou uma carne para almoçar com a família. Como estava na casa do filho, no Bairro Cristo Rei, esperou o sol baixar e por volta das 16h o casal começou a se arrumar para ir ao cemitério do aeroporto. Naquele dia, o netinho de dois anos iria junto na cadeira motorizada com o avô, aliás, frequentemente fazia o trajeto junto, mas a família mudou de ideia e o deixou em casa porque o sol estava muito quente naquela tarde. Os dois ficaram de 40 minutos a uma hora no cemitério. “Na hora de sair ele disse o pai vai ir, meu filho, mas amanhã o pai tá aqui de volta. Mas eu entendi que era porque todo dia nós ía. E saímos.”
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Logo que saíram, retornando para casa, escutaram o barulho do carro subindo. “Eu ouvi aquele barulho forte do carro vindo, e quando começou a fazer a curva lá embaixo ainda, de tão corrido, parecia que tava levantando a frente do carro. Juntou meu marido e foi pra árvore com a cadeira de rodas. Prensou ele e daí capotou no lado da árvore.”
De acordo com ela, a menina não estava na direção, como foi divulgado, ela saiu do banco de trás e os piás do banco da frente. “Ela saiu da porta de trás, com a boca puro sangue e gritando. Os dois piás saíram da parte da frente. Eu gritava muito, dizia “você viu o que você fez seu inconsequente. Você tem noção que matou meu marido?, um cadeirante, na velocidade que você está vindo. Ele olhava pra mim e pedia desculpa.”
Janete diz que os jovens ainda tinham dentro do carro pulseiras de festas que tinham frequentado. Ela quer que a polícia apure bem o caso para saber se eles estavam alcoolizados. A família também se queixou que restos do corpo de Gilmar, ainda na terça-feira, estavam embaixo da árvore onde ocorreu o acidente.
Ontem, assim que tomou conhecimento, o IML designou uma equipe para ir ao local e recolher.

Gilmar ficou cadeirante em 2007
Gilmar era marceneiro, e ficou cadeirante em 28 de abril de 2007, quando caiu de um pinheiro em Fraiburgo (SC). Ele retirava pinhão para vender aos supermercados. Desde então, além da aposentadoria, trabalhava com a venda de docinhos, principalmente brigadeiros, em toda a região para complementar a renda da família.
A família estava residindo em Francisco Beltrão há cerca de quatro anos. “Uma mão ele segurava a dor no coração e a outra a família. Nós estamos sem chão, não sabemos o que fazer. Ele era cadeirante, mas era a âncora da família inteira”, diz a nora Taine.
A família usava o carro Renault Sandeiro para sair e vender os doces. No dia 28 de outubro Gilmar Pelegrini e sua família se envolveram em um acidente de trânsito, na rodovia PR-182, em Ampere. Ninguém se feriu, mas o veículo deles teve muitos danos. Basicamente, perderam o carro usado para trabalhar. As vendas agora só estavam sendo feitas em Beltrão. “A frente dele [carro] se foi, tá lá pra arrumar. Como nós vendia doce todo dia, nós fazia bastante e ía em todas as cidades da região e até no Oeste de Santa Catarina.” Além da esposa, deixou seis filhos vivos e um falecido.