Meurer, que era do grupo de risco, “a crônica da morte anunciada”, teve negados pelo STF os pedidos para prisão domiciliar.
A Rádio Jovem Pan de São Paulo entrevistou o advogado Michel Saliba. É ele que fez os pedidos de prisão domiciliar para o deputado Nelson Meurer, por ser do grupo de risco da Covid-19, doença que acabou vitimando o parlamentar beltronense, neste domingo 12 de julho.
O senhor não acha que a justiça está sendo isonômica com essas decisões? Nós tivemos pessoas que saíram, como o Fabrício Queiroz na semana passada, por causa de risco ao coronavírus.
Michel Saliba – A questão do ex-deputado Nelson Meurer, ao qual eu vou me debruçar, causou espécie porque ele reunia todas as condições objetivas, no aspecto do protocolo da Organização Mundial da Saúde [OMS] e um aspecto também empírico a partir da coleta dos laudos médicos realizados. A defesa lamentou e lamenta muito que o Supremo Tribunal Federal não tenha o meio, inicialmente do seu relator, concedido os pedidos que foram feitos desde novembro de 2019, antecedendo a própria pandemia do coronavírus. A questão do deputado Nelson Meurer, é bom que se frise, não se cinge à questão da pandemia. O deputado tinha quatro comorbidades gravíssimas, que pelos laudos médicos o impediriam de continuar a cumprir uma pena em regime fechado, em uma penitenciária insalubre, em local não apropriado para alguém safenado com três pontes de safena: um cardiopata grave, diabético de aplicação de insulina diária, diabético grave, doença renal absolutamente complicada grave, os carotídeos entupidos, isso sem contar outras comorbidades que nós preferimos não destacar, porque as quatro por si só seriam suficientes para ensejar a prisão domiciliar. Mesmo assim, antes da pandemia o pedido foi indeferido e no curso, tão logo a OMS declarou o estado pandêmico em razão do coronavírus, a defesa trouxe então, o pedido baseado na orientação do Conselho Nacional de Justiça [CNJ]. No entanto, o relator, ministro Edson Fachin, entendeu que aquilo seria um benefício excepcional e que a orientação do CNJ não caracterizaria um direito subjetivo ao réu preso, uma garantia de que ele teria que cumprir a pena em casa. Em razão disso, ou seja, a morte do ex-deputado Nelson Meurer é a crônica da morte anunciada por várias e várias vezes pela defesa ao Supremo Tribunal Federal, na pessoa do ministro que eu respeito muito, porque tenho inclusive apreço, que é o ministro Edson Fachin.
Rodrigo Constantino, brasileiro que está nos, EUA, fez a seguinte pergunta:
Qual a sua opinião em relação a essas solturas que temos visto, porque isso gera uma comoção perante a sociedade – tem presos, que muitas vezes são perigosos, e são soltos com esse argumento, e todo mundo fala que, em nome da ciência, o importante é ficar isolado. Ou seja, se acreditaria que ficar na prisão não seria o lugar de maior risco e mesmo assim a gente viu que tem acontecido casualidade como a do seu cliente.
Michel Saliba – Houve mais de um pedido. Foram mais três pedidos negados, três indeferimentos. O primeiro, foi logo após a prisão, pela impossibilidade de cumprir o regime fechado. Em março, nós apresentamos mais um pedido que também foi negado e, enquanto isso, se coletaram laudos, exames determinados, inclusive, pelo ministro relator e esses laudos oficiais corroboravam as alegações da defesa. Depois desse segundo indeferimento, que foi o primeiro pós-coronavírus, houve um recurso, e esse recurso foi julgado pela segunda turma do Supremo Tribunal Federal, o recurso foi interposto dia 6 de abril, se não me engano, e foi julgado somente no dia 29 de maio, terminando dia 5 de junho num plenário virtual, ou seja quase dois meses depois, o que por si só já não seria recomendável em razão da urgência do caso. Esse julgamento termina empatado com dois votos pela concessão da prisão domiciliar, que são os votos dos ministros Ricardo Lewandowski e do ministro Gilmar Mendes e dois votos pela delegação do recurso, do relator, mais uma vez negando, ministro Edson Fachin, acompanhado pelo ministro Celso de Mello. Ocorre que havia uma norma na época, no dia 5 de junho, que o ministro que não participou do julgamento do caso, a ministra Carmen Lúcia, que não se pronunciou ao longo do julgamento virtual, o voto dela se deveria ser consultado ou o entendimento era esse, mesmo em matéria penal, computado em favor do voto do relator. Ou seja, um voto implícito, o que é absolutamente incondicional, tanto é que o supremo mudou o entendimento, mudou a norma administrativa, após a repercussão do julgamento do caso do ex-deputado Nelson Meurer. Ainda na sua pergunta, a questão do isolamento e a questão da dificuldade: é só pesar e avaliar a questão dos valores. O que vale mais? A vida do ser humano ou mantê-lo em cárcere sob o risco constante do contato e um local que, comprovadamente, tem uma maior transmissão. E no caso do ex-deputado Nelson Meurer, tudo indica que a transmissão se deu por meio dos agentes penitenciários, o que é ainda mais lamentável, porque ele não estava isolado do contato os agentes penitenciários.
Pergunta de Joel Pinheiro da Fonseca: O caso do deputado Nelson Meurer nos levanta o drama de presidiários e de réus durante uma epidemia, no qual o sistema penitenciário pode representar um grande risco à vida humana, especialmente quando é um caso de grupo de risco como era o ex-deputado. O senhor acredita que houve alguma intenção de parecer mais duros com relação à opinião pública de não soltar um condenado da Lava Jato e isso tem pesado na decisão dos ministros?
Michel Saliba – Eu entendo que o fato do ex-deputado ser o primeiro e, na verdade, o único condenado da Lava Jato pelo Supremo Tribunal Federal a estar cumprindo pena, pode ter pesado na opinião daqueles que negaram o pedido. A defesa insistiu, em vários pedidos, nesses três períodos principais que foram negados, mais várias petições incidentais corroborado esses pedidos. Era a nossa súplica, o nosso desespero ao ver a possibilidade da morte do ex-deputado Nelson Meurer e o que nós pedíamos era a igualdade de direitos. O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, com 63, 64 anos, é prisão domiciliar, corretamente concedida, e outros presos, como a própria concessão da prisão domiciliar, o Fabrício Queiroz está correta, ele é uma pessoa que tem uma gravíssima comorbidade, que é o câncer. Então, nós não podemos, porque é o Nelson Meurer, condenado na Lava-Jato ou Fabrício Queiroz, o acusado da prática da rachadinha com um senador que é filho do presidente, ou haver acusação, o mesmo caso do Nelson, condenação definitiva, manter um preso em risco de vida. Todas as nossas petições traziam a frase: “a manutenção do ex-deputado Nelson Meurer em regime fechado, equivale a uma sentença de morte”.