política
Imagina ter que explicar o cenário político brasileiro – e esse rebosteio todo a que já estamos acostumados – a um estrangeiro. É exercício que requer muita habilidade retórica, cara de pau e uma dose de sadismo. Boa sorte, historiadores do futuro.
Uma malandragem contábil, comum a quase todos os governos, foi usada como pano de fundo para derrubar do poder uma presidente que não embolsou um pila, mas não teve capacidade de articular o Congresso, como fez Cunha, herói do impeachment que hoje amarga no limbo. Quem assumiu foi o vice, mas ele não é reconhecido como legítimo pelos seus próprios eleitores por submeter o país a uma agenda contrária à de sua chapa eleita. E a turma que votou no Aécio agora idolatra as medidas de “austeridade” do Temer enquanto a garotada liberal e a extrema esquerda se fortalecem e evidenciam a polaridade do país. É de dar um nó na cabeça.
E o pior é que a cada novo episódio ou fato político nosso círculo de amizade fica mais restrito.
Os parceiros que ajudavam a xavecar as meninas da escola, que iam nadar no rio escondido dos pais e que, em vez de ajudar, tiravam sarro quando alguém se machucava, hoje parecem inimigos mortais quando o assunto é política. Vivem de xingamento e baixaria na internet por qualquer PECzinha.
Faz uns dois anos que esse clima de gente com pouca apatia e muita razão vem desfazendo amizades. Na eleição de 2014 você se distanciou daquele amigo da faculdade que não votou no seu candidato, no ano passado perdeu um companheiro de bodega porque foi pra rua com a camisa da seleção, deixou de visitar aquele parça PM que ajudou a dar pau nos professores, rasgou a foto de infância com a vizinha das antigas que passou a compartilhar memes a favor do impeachment e bloqueou o quase irmão que já te levou pra casa bêbado porque agora você é um radical de esquerda e desconstruiu Netistas, Cleberianos e Madruguistas durante a campanha pra Prefeitura.
Falta empatia. Falta interpretação de texto e consideração aos outros. Sobra tempo pra se digladiar com chegados e desconhecidos na internet. As caixas de comentário se tornaram o Coliseu moderno.
Lado bom: hoje os almoços de domingo em família, as rodas de chimarrão e mesas de boteco estão num computador ou no celular, onde qualquer opinião pode se tornar pública, inclusive aquela cobrança de mau serviço público ou o pedido de explicações ao seu deputado por ter votado contra o que você pensa em determinado projeto. Sem falar na capacidade de mobilização e quebra de monopólios de versões.
Lado ruim: pouca gente se respeita nesse ambiente e qualquer crítica ou defesa é motivo pra ser acusado e sentenciado por ser um comunista satânico que quer saquear o país com a ajuda dos guerrilheiros abortistas disfarçados de médicos treinados em universidades marxistas e que irão implantar uma ditadura stalinista escravizando empresários e cristãos para sustentar o luxo de ditadores estrangeiros.
Não dá pra levar tudo a sério. Às vezes basta olhar, ler, reler e passar pro próximo post, afinal, tem gente que não precisa de ajuda pra passar vergonha na internet. E ainda tem uma gurizada ocupando ruas e escolas contra a reforma do Ensino Médio, a tal PEC dos gastos pra ser aprovada, greve de professor, reforma da Previdência, a venda do Brasil pros gringos, cortes… e até o desfecho de tudo isso a gente vai ter menos amigos ainda. Realmente, o Brasil não é para amadores.
PS: O tempo passa, o tempo voa… e o Cunha continua numa boa.