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Francisco Beltrão
sábado, 31 de maio de 2025

Edição 8.216

31/05/2025

Estrada do Colono: surge uma luz no fim da linha

Com o projeto de lei do deputado Assis do Couto (PT), a expectativa é que a estrada que passa no meio do Parque Nacional do Iguaçu seja reaberta após quase 30 anos.

 

O Porto Moisés Lupion, em Capanema, local bastante movimentado até 1986 por causa 
da balsa que levava ao parque e à Estrada do Colono, hoje vive situação de abandono.

 

Até 1986, Capanema tinha uma população de mais de 35 mil habitantes. A economia local estava em pleno desenvolvimento. Um dos grandes atrativos para investidores de fora era o movimento trazido pela Estrada do Colono, um trecho de 17,5 quilômetros que passava no meio do Parque Nacional do Iguaçu. Tratava-se de um “atalho” entre as regiões Sudoeste e Oeste, ligando Capanema a Serranópolis do Iguaçu.
E foi nessa onda de otimismo que o agricultor Milton Rodrigues, hoje com 52 anos, investiu suas economias na compra de um restaurante no Porto Moisés Lupion, distrito de Capanema, local em que os veículos pegavam a balsa para o acesso ao parque e à Estrada do Colono. “Eu vendi uma F-1000, mais uma safra de grãos e juntei minhas economias para comprar o restaurante. Pouco mais de três meses depois, a estrada foi fechada. Trabalhava eu, minha mulher, minha sogra e oito funcionários. Todos ficamos desempregados. Tive que voltar para a agricultura”, comenta Milton, que levou prejuízo por causa do fechamento da Estrada do Colono, um pedido dos ambientalistas que temiam a depredação do parque.
Assim como Milton, muitos outros moradores tiveram que mudar de ramo para manter o sustento da família. Havia no Porto Moisés Lupion dois restaurantes, um hotel e bares para atender os visitantes. “Meu pai tinha um parreral e vendia a uva para os motoristas que esperavam para pegar a balsa”, lembra-se a professora Salete Manchini, diretora da Escola do Campo Rui Barbosa. “Com o fechamento da estrada, muitas pessoas foram embora de Capanema. A gente tinha muitos amigos em Serranópolis e Medianeira, mas agora ficou muito longe para visitar. Eu jogava bola do lado de lá, participava de festas de comunidade”, diz Roque Pompermaier, agricultor que mora na comunidade de Santa Clara, próximo ao Rio Iguaçu. 
Hoje o municipio tem uma população de 19.275 habitantes.

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Distância aumentou
Depois do fechamento da Estrada do Colono, a distância entre Capanema e Serranópolis do Iguaçu aumentou de 17,5km para 180 km. Agora tem que contornar o Parque Nacional do Iguaçu para ir de uma cidade à outra.
“Dificultou a vida de todo mundo. A gente sempre visitava muito os parentes em Itaipulândia, Medianeira, Foz de Iguaçu. Com o fechamento da estrada dificultou. As visitas ficaram mais distantes uma da outra”, acrescenta Salete.

Ainda há esperança
Mas o que parecia sem perspectivas até 2010, se tornou uma grande esperança da comunidade de Capanema. Há cinco anos o deputado federal Assis do Couto (PT) passou a trabalhar em um projeto da criação de uma estrada-parque para reativar a ligação entre Capanema e Serranópolis.
“O projeto já passou pela Câmara dos Deputados e agora aguarda aprovação no Senado. Estamos otimistas e, quem sabe, a gente possa ter novidades ainda neste segundo semestre de 2015”, afirma Assis, que está ganhando o apoio da sociedade organizada.
“Nós ficamos revoltados porque quando a gente vai pela Argentina, eles têm a sequência do mesmo parque, só o Rio Iguaçu que separa. É um parque que dá a metade do nosso. Eles têm duas estradas, uma asfaltada e outra não. E é um parque com uma fauna muito mais rica que a nossa”, diz Walter José Steffen, vice-prefeito de Capanema.
O professor Volmir Sabbi, da UTFPR de Pato Branco, também já se envolveu nesta luta. Ele é favorável à reabertura da Estrada do Colono. “Se você for observar os parques ambientais, as instituições de patrimônio público ambiental do mundo, têm estrada também. Como o pessoal faz pra chegar no Grand Canyon? Vai por uma estrada. E muitos outros parques pelo mundo afora. Então, também os órgãos internacionais teriam que ver como eles fazem nos países onde estão sediados”, questiona.

Livro sobre a estrada
Antonio Myskiw, diretor do campus da UFFS em Realeza, deve lançar nas próximas semanas o livro “Caminho do Colono: Memórias”, que conta a história desse conflito entre moradores e ambientalistas.
Segundo ele, esse trecho é mais antigo do que muitos pensam. “Nós escrevemos um livro não para contar a história recente do Caminho do Colono, mas uma história que remete ao século 15 e ao século 16. E o que sobrou deste livro, como fechamento, foi justamente esta pergunta: reabrir ou não reabrir a estrada. Ali não é só uma estrada. Ali tem um caminho, que tem uma história de pessoas que vivem e viveram naquele caminho”, comenta.

Escola-parque
A educação ambiental, segundo o técnico agrícola Gilmar Gobato, morador de Capanema, poderia ser melhor trabalhada se a estrada fosse reativada. “A reabertura da Estrada do Colono, com critérios, de uma forma bem consciente e com responsabilidade, cria a possibilidade de a gente fazer um trabalho de educação ambiental de uma forma generalizada, para toda a sociedade. A escola-­parque que já se trabalhou muito. Essa é uma iniciativa que contribui muito no processo de educação ambiental. É uma forma que poderia aproximar muito a sociedade do Parque Nacional do Iguaçu”, avalia.

Luz no fim da linha
Quem visita hoje o Porto Moisés Lupion, vê o fim da linha. Mas a volta ao debate, trouxe uma “luz” em relação à reabertura. O otimismo volta a Capanema, que tanto sofreu com a luta pela permanência da estrada. Mas não se pode contar com a vitória antes do tempo, pois o projeto ainda depende do Senado.

Ambientalista muda de opinião em relação à estrada

 Em sua juventude, quando morava em Francisco Beltrão, Miguel Ângelo Perondi participava da ONG  Adea (Associação de Defesa e Educação Ambiental), que era contra a abertura da Estrada do Colono. “Eu militava no movimento ambiental e, para nós, fechar o parque era uma questão de prioridade, porque isso ia garantir a intangibilidade do parque, a preservação ambiental, como se a preservação fosse um resultado do cercamento do parque”, recorda-se Miguel, que hoje é professor da UTFPR em Pato Branco e coordenador do mestrado em Desenvolvimento Regional.
Mas hoje seu ponto de vista mudou em relação ao assunto. “O que eu percebo hoje, conhecendo outras áreas de preservação e conservação no Brasil, é que a preservação e conservação se dá pela comunidade. Se o povo não quer preservar, ou de certa forma, considera a área preservada como uma área que significa um represamento da sua possibilidade de ter uma boa qualidade de vida, nós não teremos a preservação”, avalia.
Abrir a estrada, na opinião de Miguel, é uma questão de sobrevivência do parque. “A abertura do parque tem que trazer a inclusão econômica também. Imbuída em um contexto de usufruto do parque, do ponto de vista da sociedade viver nele. E a tangibilidade e a intangibilidade do parque precisa ser rediscutida, sobre como, afinal de contas, se fará a preservação dentro de um contexto de inclusão social.”
Miguel Ângelo condena qualquer tentativa de abrir a estrada à força novamente, como foi feito no passado. Para ele, é possível conseguir esse objetivo de forma legal. “Eu acho que ali nós temos uma possibilidade de compartilhar a riqueza do parque, do ponto de vista de investimentos turísticos, de extravasar o turismo que é de Foz do Iguaçu para nossa região. Aí eu acho que o Sudoeste vai ganhar muito, com a inclusão da região dentro de um roteiro turístico, via estrada-parque”, complementa.

A balsa era bastante movimentada por viajantes que pegavam um “atalho” entre as regiões Oeste e Sudoeste.

 

Estrada começou a ser explorada em 1543

Conforme históricos feitos na Estrada do Colono, os primeiros relatos de exploração desse trecho foram registrados em 1543. Cabeza de Vaca, um desbravador histórico, relatou a existência de um caminho pelas margens do Rio Iguaçu e pelas Cataratas, o caminho do Peabiru. Entre 1620 e 1630, a trilha guiou a migração de índios guaranis e padres jesuítas para as Missões do Sul. 
Em 28 de março de 1925, Luiz Carlos Prestes e seus 800 soldados levaram dois dias para atravessar o Rio Iguaçu, seguindo pela picada aberta até a encruzilhada de Benjamin Constant, junto à estrada velha de Guarapuava.
No final da década de 1930, os colonos do Sul se misturavam com caboclos que viviam na região, onde extraíam erva-mate, intensificando o uso do caminho para povoar as regiões Sudoeste e Oeste. 

Acimaa situação atual do Porto Moisés Lupion: uma estrada que dá de frente com a água.

 

Em 3 de outubro de 1986, com base em disposição contida no “Plano de Manejo” de 1981, o Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública pedindo o fechamento da via. O primeiro fechamento da Estrada do Colono aconteceu em 10 de setembro de 1986.
Em 8 de maio de 1997, depois de intermináveis negociações, a população decide abrir a estrada à força. O caminho permaneceu aberto desta forma por quatro anos.
Mas em 14 de junho de 2001, cerca de 300 agentes da Polícia Federal e apoio do Exército ocuparam o local numa operação de “guerra”, conforme os moradores relatam. Destruíram a estrada com tratores, dinamitaram as pontes e afundaram a balsa. 
No dia 3 de outubro de 2003, novamente a população ocupa a estrada, faz a limpeza no trecho, reconstrói as pontes e improvisa uma balsa para a travessia no rio. No dia 8 de outubro do mesmo ano, a Polícia Federal retomou a estrada com um grande aparato de apoio. No dia seguinte, houve confronto entre os moradores de Capanema e a Polícia, que apreendeu a balsa em fase de construção no centro da cidade. Foi a última vez que a população tentar abrir a estrada à força.

A balsa que foi dinamitada em 2001 e hoje está afundada no Rio Iguaçu.

 

 

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