Nascido e formado médico em Santa Maria (RS), desde 1974 estabelecido em Verê, Francisco Cioccari curou muita gente; aos 74 anos, perdeu a batalha da vida para um câncer de pâncreas. Verê está de luto oficial.

Ele já havia superado um câncer de garganta; quando a doença voltou, no pâncreas, novamente Dr. Chico procurou todos os recursos, ajudado pela filha Joana que também é médica, mas acabou falecendo. Foi ontem, no Hospital Erasto Gaertner de Curitiba.
A informação da esposa, Néli, é que o corpo seria levado para o crematório do Tarumã à noite. Serão permitidas somente duas horas de velório, das 7h30 às 9h30, da manhã desta quarta-feira, seguindo-se a cremação. As cinzas serão levadas para Santa Maria (RS), sua terra natal. Dr. Chico, portanto, uma das personalidades mais marcantes de toda a história do município, não retornará mais nem para o cemitério de Verê.
Ontem, á tarde, a Prefeitura de Verê não abriu. Houve missa, na matriz São Joaquim, presidida pelo padre Ademir e organizada pelo pessoal da Secretaria Municipal de Saúde. O Executivo decretou luto oficial por três dias.
Nunca quis sair do Verê
Ele recebeu convite, mais de uma vez, para ingressar na política. Tinha tanta confiança da comunidade que seu nome chegou a ser cogitado para candidato único a prefeito. Mas ele preferiu continuar dedicando-se sempre à medicina, através da Sociedade Hospitalar dos Trabalhadores de Verê, desde sua chegada, em 1974. Vinte anos após, em dezembro de 1994, ele recebeu o título de cidadão honorário de Verê, numa solenidade que deu o mesmo título ao primeiro prefeito do município, Luiz Francisco Paggi.
Em 19 de junho de 2010, numa entrevista publicada no Jornal de Beltrão, o jornalista Flávio Pedron escreveu: “Ele atende todas as pessoas com a sua simplicidade e simpatia. Além das consultas, também faz cirurgias. Teve convite para trabalhar em outra cidade, ficou uma semana fora e voltou. E nunca mais pensou em deixar o município. Casou com Néli Cagnini, com quem teve os filhos Joana Marcela (médica em Londrina) e Juliano Francisco (formado em Ciência da Computação, Porto Alegre)”.
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Veio pelo espírito de aventura
Na entrevista de 2010, ao ser perguntado sobre o motivo que o fez trocar Santa Maria pelo Verê (atendendo convite do amigo dentista Flávio Xavier Oliveira), Dr. Chico respondeu:
“Era completamente desconhecido pra mim, Verê. Eu tinha uma vaga lembrança de ter ouvido falar da Revolução de 57, dos Colonos, Posseiros e tal, e a única pequena lembrança que eu tinha dessa região, completamente desconhecida, foi mais um espírito de aventura, que eu já estava trabalhando, mas achei interessante, pela região e pelo que ele me falou, e foi mais pelo espírito de aventura mesmo, de vir para o interior do Paraná.”
Boas histórias
Com o Dr. Chico, morrem muitas boas histórias. Mas não todas. Muitas foram documentadas, como esta que o Flávio pôs na entrevista de 2010, sobre gravidez na adolescência.
“Eu me lembro que uma vez, vamos à história assim rapidinha, chegou uma senhora com a menina novinha – existe no interior muita gestação de adolescente – uma menina bem novinha, com uns 15 anos, grávida, vamo lá então, de quando foi? Aí que era a primeira consulta que ela fazia, “olha, doutor, eu não sei porque a gente não marcou, não fizemos nenhuma consulta”. Então vamos tentar medir a barriga, aquela medicina que a gente fazia pra chegar a uma idade aproximada. Mas daí perguntei a ela, “a senhora não tem nenhuma ideia mesmo?” Ela disse “olha, doutor, ela engravidou mais ou menos na época do feijão das águas”. Vou eu lá saber quando é que é esse feijão das águas. Eu levantei, abri a porta, e tinha bastante gente na sala de espera, esperando, vi um senhor mais idoso, “seo Joanin, o senhor podia me dizer qual é a época do feijão das águas?” Ele levantou e me olhou assim “doutor Chico, vou lhe dar um conselho, o senhor não plante o feijão das águas, porque o feijão das águas é bucha, não dá nada e o senhor vai perder dinheiro”. Não era isso que eu queria saber, mas não resolvi nada, voltei lá pra dentro, tudo na mesma com a senhora, digo “mas a senhora não tem uma outra data?” “Sim, agora me lembrei, ela fugiu no dia do baile do sábado de Aleluia”. Daí vou eu pra uma folhinha ver quando é que tinha sido o sábado de Aleluia e comparar com a medida de trena e mais dentro, o tamanho da barriga e tal, a gente mede e tal, sabe que cresce um tanto num mês e chegamos lá, mais ou menos aproximar que ela estaria com tantos meses de gravidez. Então essa é uma história que mostra bem que pré-natal não existia, que o paciente vinha geralmente em último caso, e mesmo a tecnologia armada da obstetrícia, era muito rudimentar, mas era o que existia. Mesmo na cidade grande não tinha o ultrassom essas coisas, são mais modernas, dos anos 80 pra frente.”
E a medicina no Sudoeste, como vê?
Dr. Francisco – É uma imposição da própria tecnologia médica, ela é possível desenvolver em centros maiores, centro de referência, e é o caso de Beltrão, que hoje está concentrando a medicina com tecnologias, com especialidades. No interior mesmo, como eu falei, é um papel importante, do pequeno hospital, de resolver, estar no lugar adequado pra resolver aquelas questões que ele deve resolver no seu local, e o que não for possível, o que demandar de especialidade de exames mais elaborados, especificados, será encaminhado. Importante, eu acho, esse desenvolvimento que ocorreu nessa nossa medicina, embora a torne bastante onerosa, cara, nem sempre o SUS tem recurso pra bancar, existem as filas de espera e tal, porque mesmo os planos de saúde, particular, também não bancam todo tipo de exame e a qualquer hora, muito dosado, a medicina é cara mesmo.
O médico João Cioccari
O médico João Francisco “Chico” Cioccari nasceu em 29 de agosto de 1946, em Santa Maria (RS), filho de Olmiro e Amábile Cioccari. Cursou o 1° e 2° graus no Colégio Marista, formou-se em Medicina pela Universidade Federal de Santa Maria.
Cioccari fez vários cursos, entre os quais o de extensão universitária em Roraima e especialização em medicina social, em Campinas. Residiu em Verê por 46 anos. No Hospital dos Trabalhadores Rurais, atendia a população através de diversos convênios e iniciou a implementação das Ações integradas de Saúde, com atendimentos médicos nas comunidades do interior.
Casado com Néli Cagnini Cioccari, deixou dois filhos: Joana Marcela, que é médica, e Juliano Francisco, analista de sistemas.