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Francisco Beltrão
domingo, 01 de junho de 2025

Edição 8.216

31/05/2025

Recessão econômica atinge em cheio as indústrias de facção

Pelo menos três indústrias fecharam em menos de dois meses, há outras que enfrentam dificuldades para se manter funcionando.

 

Várias industrias tiveram que demitir trabalhadores para reduzir os custos de produção.

 

O ano recém-começou e três indústrias de confecções fecharam suas portas, resultando em pelo menos 110 pessoas desempregadas. Duas indústrias, uma de Francisco Beltrão e outra de Nova Prata do Iguaçu, terminaram o ano e não voltaram a funcionar. Pior: os donos sumiram e deixaram os trabalhadores sem qualquer orientação ou benefício pago. Apenas uma empresa encerrou suas atividades, em Beltrão, e encaminhou um acordo com a Justiça do Trabalho e os cerca de 30 empregados que estavam trabalhando.
A crise econômica e a inflação brasileira dos últimos anos – índice 6,41% em 2014 e 10,67% em 2015 – resultou no aumento do custo de vida e perda de renda por grande parcela da população brasileira. O setor de confecções, que emprega grande contingente de trabalhadores, foi um dos mais atingidos pela recessão. No ano passado, a desvalorização do real frente o dólar desestimulou um pouco as importações de confecções e produtos têxteis da China. Mas com a alta no custo de vida e da inadimplência, muitos consumidores reduziram suas compras.
Esta atitude do consumidor teve resultado direto sobre as empresas que compram a produção de roupas das indústrias de facção. Com grandes estoques, reduziram os negócios e a consequência imediata foi o fechamento de fábricas. A tendência para as indústrias que fabricam produtos sob encomenda não é positiva, diante do cenário econômico atual. Além da recessão, há outro problema: elas recebem baixos valores pelas peças produzidas para as redes varejistas e de lojas. 

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Fechamento de indústrias
A primeira indústria a fechar foi a Lótus Confecções, de Francisco Beltrão, que ocupava um barracão no Núcleo Conab, no Bairro da Cango. A empresa entrou em férias coletivas no final de dezembro e prometeu retomar suas atividades no começo de janeiro, mas quando os funcionários foram à empresa encontraram um bilhete deixado na porta aconselhando-os a procurar a Justiça para conseguirem seus direitos. Os maquinários foram levados pelos proprietários, que atuaram no segmento de facção. Funcionários da empresa procuraram o advogado Arni Hall que ajuizou ação na Justiça do Trabalho de Beltrão.
Outra empresa em Nova Prata
Dias depois, em Nova Prata, outra indústria também fechou, seus donos saíram da cidade e deixaram os cerca de 50 trabalhadores sem receber salários e seus direitos. Vários empregados conversaram com o advogado Evandro Pagno, para que acompanhe o caso. Por telefone, ele disse ao JdeB que serão protocoladas na Vara do Trabalho de Dois Vizinhos ações individuais e coletivas pedindo o arresto dos bens desta empresa. O advogado acredita que mais pessoas trabalhavam na indústria. Segundo ele, os proprietários tinham outras duas empresas que funcionavam juntas. 
Em janeiro, uma indústria tradicional de Francisco Beltrão, que produzia no sistema de facção, fechou as portas depois de mais de 20 anos. A empresa firmou acordo com a Justiça do Trabalho para os pagamentos dos funcionários. O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Confecções de Beltrão e Região não referendou este acordo por entender que ele é prejudicial aos empregados.
Anos atrás, o setor de confecções, que era composto por cerca de 300 empresas, chegou a empregar cerca de sete mil pessoas. A maioria do pessoal era contratada para trabalhar de costureiro, passador e corte. No ano passado, devido aos problemas econômicos do País e de gestão, as empresas passaram a não repor as vagas daqueles que pediram demissão e começaram a demitir trabalhadores. 
A partir de setembro, o Sindicato dos Trabalhadores de Beltrão recebia a visita de três a quatro funcionários, enviados pelas empresas para fazer as rescisões contratuais. “Teve dia de a gente fazer até 15 rescisões”, conta Eloir de Oliveira, presidente do sindicato. Em Santo Antônio do Sudoeste, importante polo de confecções da região, a entidade atende sempre nas terças-feiras. Nestas visitas semanais, a presidente conta que de setembro em diante “nunca deu menos 15 (rescisões), em dezembro era em torno de 30 a 40 a cada terça-feira”. 
A líder sindical revela que as indústrias de Santo Antônio reduziram 40% de seu quadro de pessoal. “Não fechou nenhuma, mas empresas que tinham 300, 200, 50 funcionários, eliminaram pela metade (seu quadro de pessoal)”, conta, acrescentando: “Fora o resto da região.”
O sindicato vem acompanhando a situação das indústrias da região. Em Coronel Vivida, por exemplo, duas empresas de facção enfrentam dificuldades. “Uma vai (parar), não vai, paga os salários, mas os encargos deixa pra trás. Tem outra empresa na mesma situação. Tá bem complicado”, resume Eloir. Nas conversas que mantém com os empresários, eles alegam que os compradores – shoppings de confecções, redes de lojas e atacadistas – estão “entulhados” de estoques. 
Os compradores pagam de R$ 4,30 a R$ 6 por cada calça confeccionada e o salário-base de cada costureiro está fixado em R$ 1.003. Há empregado que ganha salário maior dependendo da função que executa. As despesas para as empresas não se resumem apenas aos salários, porque elas precisam pagar os encargos sociais – FGTS, PIS e INSS e alguns benefícios sociais. Como as indústrias empregam grandes contingentes de trabalhadores, elas têm que fabricar em grande escala para pagar seus custos e ainda ter lucro. “Quantas peças a empresa tem que fazer pra pagar o salário?”, questiona Eloir. 
A presidente do sindicato não sabe que soluções apontar para evitar que o setor continue definhando. “É uma situação de dor. Cada empresa que fecha a gente se põe no lugar do trabalhador. Quem trabalha em empresa de facção é porque precisa mesmo, porque senão, não teria condições de se manter ou manter sua família. É muito humilhante. Tem maus-tratos. Na frente da gente (há empresários) que têm um comportamento, por trás é totalmente diferente”.
Apesar do fechamento de três empresas, houve uma redução no número de demissões no segmento, de janeiro para cá. Os donos das indústrias de facção estão na expectativa de que as empresas que fazem as encomendas de serviços normalizem seus pedidos. Os clientes de São Paulo não estariam mandando peças para fazer as costuras e acabamentos já que esperam para ver se haverá reação da economia. 
Em entrevista publicada em janeiro, no JdeB, o presidente eleito do Sindicato das Indústrias de Confecções do Sudoeste do Paraná (Sinvespar), José Francisco Dall´Igna, admitiu que as empresas de facção enfrentam dificuldades. 
Ivania Centenaro Pfeifer, da Pfeifer Confecções, de Salgado Filho, produz em sistema de facção artigos de malha e tem 44 funcionários. Segundo Ivania, a indústria sentiu um pouco as dificuldades da época, com os impostos elevados, mas está tranquila, sem riscos de fechamento ou de demitir funcionários por causa desta crise. Ela destaca que a situação ainda está boa para malhas, mas que não sabe como está para os outros artigos de confecções.

 

Maioria das ações trabalhistas é do setor de confecções

 Um dos principais ramos do setor industrial da região de Francisco Beltrão é o de manufatura de confecções no sistema de facção. Grandes empresas mandam as peças de roupas cortadas para as empresas de facção, que fazem as costuras e acabamentos e as reenviam para os clientes. As normas de controle de qualidade são rigorosas. 

“Só que a margem de lucro destas confecções é muito pequena. Assim, qualquer inadimplemento das empresas que solicitam o serviço terceirizado inviabiliza o negócio”, observa a juíza Ilse Marcelina Bernardi Lora, titular da 1ª Vara do Trabalho. A magistrada salienta também que, na área de competência territorial da Justiça do Trabalho de Francisco Beltrão, encontram-se 18 municípios, onde há forte predominância do segmento de confecções, justamente um dos que mais geram ações trabalhistas na microrregião de Beltrão.
Entre os anos de 2013 e 2014 o governo federal promoveu a desoneração de alguns impostos para estimular a geração de empregos em determinados setores industriais, entre eles o de confecções. Conforme a juíza, as empresas do segmento de confecções “conseguiram respirar, em especial porque a concorrência com os produtos chineses deixou de ser tão intensa no ano que passou. Entretanto, surgiu a crise econômica interna, que vem alcançando proporções alarmantes”.
Até o ano passado os produtos chineses eram vendidos a preços bem competitivos no Brasil, em razão da baixa cotação do dólar, que favorecia as importações e acirrava a concorrência com os produtos nacionais.

Consequências negativas
Dra. Ilse acrescenta que a redução do consumo na ponta da cadeia produtiva – no varejo – provocou reflexos que estão sendo sentidos pelas indústrias do segmento instaladas na região. “Em alguns casos, a situação é tão desesperadora que os sócios simplesmente desaparecem, como no caso da Confecções Lótus, contra quem havia anteriormente poucas  reclamações trabalhistas, o que, em tese, demonstra que era uma empresa sólida”, observa a magistrada. 
A juíza ressalta que “casos assim já ocorreram, mas não eram frequentes. Teme-se, entretanto, que, diante do agravamento da crise econômica, situações semelhantes possam se repetir”. 
Dra. Ilse chama a atenção para dois aspectos em relação aos casos de empresas que fecham em razão de problemas financeiros. “Uma situação é daquelas que têm bens e podem pagar os direitos dos trabalhadores; outra é quando as empresas não têm bens, tampouco seus sócios, o que normalmente ocorre com as facções. Desta forma, embora as sucessivas tentativas de cobranças (pela justiça), não se logra êxito e os direitos trabalhistas não são satisfeitos”.

Muita pesquisa
Diante destes problemas, a Justiça do Trabalho faz inúmeras pesquisas para verificar se existem bens em nome dos proprietários das empresas e de seus sócios. “São processos que oneram a Justiça do Trabalho e nem sempre são alcançados os resultados esperados”, ressalta a juiza.  
Na Justiça do Trabalho de Beltrão tramitam mais de 200 ações do setor de confecções. Em muitos destes processos a Justiça tem que fazer diversos tipos de pesquisas para verificar se existem bens dos proprietários para garantir o pagamento dos direitos dos empregados. A juíza acrescenta que “o grande dilema, mesmo quando se consegue penhorar as máquinas, é que o leilão, em razão da retração da atividade econômica, não atrai compradores. Quem quer comprar máquinas para empregar em setor que passa por severas dificuldades?” 
Há situações em que são feitos vários leilões até se conseguir vender os bens para garantir o pagamento dos créditos dos trabalhadores. Outra alternativa é o trabalhador adjudicar o bem, ou seja, em vez de receber o dinheiro, o empregado recebe o bem penhorado pelo valor da avaliação feita pelo Oficial de Justiça Avaliador. “Em muitas situações a única saída para o trabalhador é a adjudicação, o que tem acontecido rotineiramente no segmento de confecções, por falta de interessados na aquisição dos bens penhorados”, emenda dra. Ilse.

Juíza Ilse Lora: setor de confecções tem mais ações. 

 

Justiça do Trabalho quer garantir pagamento de empregados da Lótus

 A ação judicial contra a Lótus Indústria e Confecções já está protocolada na 2ª Vara do Trabalho de Francisco Beltrão. A Lótus fechou em dezembro de 2015 e deixou 35 trabalhadores sem receber seus direitos trabalhistas. O advogado Arni Hall ajuizou a ação. A juíza Angélica Candido Nogara Slomp, titular da 2ª Vara do Trabalho, determinou a liberação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) dos empregados e a expedição de ofício ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para o encaminhamento do Seguro Desemprego dos empregados. Até o final de janeiro o processo contra a Lótus estava em tramitação na 2ª Vara do Trabalho. 
Os proprietários desta empresa levaram todos os equipamentos e móveis, inclusive algumas carteiras de trabalho dos empregados. Se os donos não forem encontrados, as pessoas prejudicadas devem buscar a elaboração de uma nova Carteira de Trabalho com base nas anotações existentes no Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). A juíza diz que os empregados também podem requerer que a Justiça do Trabalho lance o contrato na Carteira de Trabalho, tal como o previsto no  artigo 39 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 

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