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Francisco Beltrão
domingo, 15 de junho de 2025

Edição 8.226

14/06/2025

PIONEIRA DE VERÊ

A bela história de Angelina Suzzin, de Verê, falecida hoje com 99 anos

Angelina Suzzin no dia desta entrevsita, em 2017, na sua casa de Verê.

Por Ivo Pegoraro – Em 2017, quando produzimos uma revista especial sobre os 50 anos da Paróquia São Joaquim de Verê, entrevistei dona Angelina Suzzin, falecida neste 25 de janeiro, aos 99 anos.

No dia da entrevista de 2017 ela não podia caminhar, tinha quebrado uma perna em 11 de junho daquele ano.

Na revista, sua entrevista foi resumida em duas páginas. Agora segue na íntegra. O assunto era a Paróquia, mas dá uma ideia da mulher especial que ela foi. De sua dedicação à família e à comunidade.

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Dona Angelina conta histórias do padre Paulo Broeck, primeiro vigário de Verê, e também do Frei Deodato, primeiro vigário de Francisco Beltrão, onde ela também residiu, nos anos de 1950, com o marido Mercílio, que foi comerciante e vereador de Verê.

Quando a senhora chegou, aquela capela de madeira já tinha, né?

Angelina – Sim, tinha! O padre chegou, tiveram uma reunião com o bispo e o bispo não estava de acordo a briquear, a canônica “não tem condições de sustentar um padre aqui” – ele falou.

O bispo achou que não podia transformar em paróquia?

Angelina – Não. E daí o falecido (Mercílio, seu marido) estava na reunião e disse “não, por quatro anos eu dou comida. Até que não tenha a canônica eu dou comida pra ele, não custa nada” – o bispo ficou quieto. Então nós vamos mandar um padre, que já está em viagem, e vai vir. Daí veio e chegou em casa depois da reunião e me disse “ eu fiz uma coisa e tu tem que gostar porque eu prometi”. Eu falei “se tu prometeu, eu aguento!”  – as crianças já estavam grandinhas e fiquei com o padre.

Ele morava na sua casa?

Angelina – Sim, lá embaixo. Não tinha lugar pra dormir e ele dormia dentro da capela, atrás do altar.

Ah é? No começo era assim?

Angelina – Sim. Claro!

Ele fazia a refeição com a senhora e dormia lá na capela?

Angelina – É. O Heitor e a Ivone iam com uma lanterninha levar ele depois da janta lá na igreja, atrás do altar. O falecido sempre tinha medo “cuida o fogo, padre!” – “pode deixar que eu cuido”. Fomos todos aqueles anos. Todo aquele tempo!

Daí construíram a canônica?

Angelina – Sim, já começaram um pouco. Um ou outro, construindo. Mas daí, colocar o que dentro? Não tinha nada. O falecido me fez ir a Curitiba, de ônibus naquele tempo, comprar no meu cunhado – que tinha loja de móveis – fui lá meio a fiado, porque tinha uns troquinhos do padre que foram arrecadados e comprei tudo: fogão, cama, mesa, cadeira, sofá. Comecei comprar. Veio tudo junto num caminhão.

Aqui não tinha loja que vendesse?

Angelina – Tinha, mas tinha que comprar fiado. Meu cunhado disse que pagava quando podia.

Ah, a senhora comprou na palavra.

Angelina – Montamos a canônica mal e mal, pobre. O padre se contentava.

Contrataram alguém pra ficar lá?

Angelina – Sim, eu sempre arrumava uma empregada.

A senhora lembra quem foi a primeira pessoa que cuidou da canônica?

Angelina – Foi uma mulher, uma de idade, dos Cagnini, não lembro o nome. Era uma moça de idade e trocava de vez em quando. Eu trocava, dava um jeito. Até porque naquele tempo a gente era novo e sempre dava um jeito.

E ele se adaptou às comidas de vocês?

Angelina – Sim, ele gostava. A única coisa que ele pedia pra mim fazer era batatinha frita e polenta, queijo sapecado. Eu pedia “padre, o que senhor quer amanhã cedo pro café?” – “Eu quero polenta sapecada na chapa, com queijo dentro e o café batido” – Aí eu fazia. E o Heitor ia levar. O Heitor, naquele tempo, tinha uns doze ou treze anos e levava lá na igreja. Acho que se fosse hoje não faria mais.

Então ele pousava na igreja e de manhã vinha tomar café?

Angelina – Sim, a refeição era só lá em casa.

Ia de novo pra igreja e voltava ao meio-dia pra almoçar?

Angelina – Sim. Quando não almoçava no interior. Eu sempre estava esperando porque às vezes ele vinha.

Como ele ia pro interior, tinha um jipe?

Angelina – Ia a cavalo. Aí que compraram um jipão.

No começo o padre Paulo ia a cavalo?

Angelina – Sim, vinha buscar a cavalo também. Ele tinha uma bicicleta, que eu trouxe de lá, e ia de bicicleta.

Ah, ele ia de bicicleta também?

Angelina – Sim, onde era mais perto. Lá na Saúde, lá no seu Roberto Salvadori e almoçava lá. De noite ele ia. O Mercílio se preocupava. “Se ele cai e se machuca o que fazemos?” Era um pesar. Não é fácil.

Ele gostava do Verê?

Angelina – Sim, gostava. Seis anos ele ficou. Depois ele foi pra Beltrão e aí ele foi na Policlínica porque já começou a ficar doente. Eu ia lá visitar ele e dizia pras enfermeiras pra marcar meu número, porque naquele tempo já tinha, eu dizia pra ligar pra mim, qualquer coisa. Ele rezava na capelinha. Depois que ele saiu daqui não foi mais vigário. Ele morreu lá também. Eu fui no velório dele. As meninas me ligaram. Eu passei as minhas também.

Eu lembro da Ivone que participava da equipe de Liturgia.

Angelina – Ela fazia hóstia. Eu comprei o aparelho em Curitiba, não sei onde que comprei, que me indicaram e ela fazia no fogão à lenha. Ela e a irmã do Luiz Carlos que faziam as hóstias com os potes cheios, nos fins de semana, pra levar nas capelas.

Quem deu a receita?

Angelina – Não me lembro. A Ivone sempre tava com a mão queimada de fazer hóstia, porque ela fazia no fogão e não tinha fogão a gás. No fim foi indo até que ele ficou paroqueando e ficou tudo mais fácil. Não era fácil lidar com ele, porque ele ficava nervoso e vinha lá: “Dona Angelina, não posso mais com essa empregada!” Arrumei um casal, mas ele era bêbado. Pensei: “Bebe, mas trabalha”. Aí falei com a mulher dele, a dona Maria, e chamou ela e o casal veio pra canônica. Não chegou dois meses e ele chegou um dia ao meio-dia “dona Angelina, pega  tua moça e vai lá buscar as panelas. Tão tudo preta. Não tratava das panelas e ele me tomou todo vinho da Santa Hóstia. E, além disso, até achei um litro de bebida que ele toma e sempre tá bêbado.” Daí pedi se ele tinha brigado com ele e ele disse que não. Falei “deixa pra mim, não fale nada. Eu vou lá falar com o casal, hoje eles ficam ali e amanhã não estarão mais”. Eu subi pensando como ia começar. Daí eu disse: “Seu Samuel, vocês são um casal meio velho, tão cansados, tô notando isso”. O Samuel dizia “eu já queria avisar a senhora que a gente não aguenta mais. Nós somos muito velhos”. Eu disse “então tá bem, fiquem hoje aqui e amanhã podem mudar que arrumo outra”. E corri atrás de outra. Sem brigar nem nada. Aceitaram e tal. Eu disse que eles estavam cansados e não precisavam estar trabalhando. Eles aceitaram de boa.

Até isso você tinha que resolver [risos].

Angelina – E as panelas lá em casa passando bombril. Coitado! Fogão a lenha não é fácil. Foi indo e deu tudo certo. Saiu de bem. De Beltrão vinha ali e pousava. Bom, o falecido Mercílio sempre dizia “vamos dormir lá em cima nós dois e dar nossa cama pro padre, porque ele vai cair da escada”. Nós ia dormir lá em cima e ele pousava seguido lá em casa. Depois que ele tinha ido a Beltrão, sim. Não esqueceu de nós.

Depois que ele foi pra Beltrão ele vinha visitar vocês?

Angelina – Sim, vinha almoçar com nós e jogar canastra. Vinha! Tinha que dar nossa cama pra não subir no sobrado que tinha o resto das camas. Nós aceitamos muito bem ele. Eu sempre rezo um Pai-Nosso pra ele  à noite. Ele nunca brigou com nós e nem se queixou. As crianças iam encontrar ele! Ele era querido.

E depois dele? Mudou bastante de padres.

Angelina – Sim, e sempre eram amigos do Mercílio. Vinham ali e almoçavam. Tomavam café, chimarrão e jogavam canastra. O falecido gostava de canastra. Sempre vinham ali os padres.

Foi marcante pro Verê, dona Angelina, quando foi criada a Paróquia e veio o padre?

Angelina – Foi uma surpresa! Foi uma grande surpresa. Quem ia segurar um padre em casa? O Mersílio, acho que sem pensar, eu tinha a Lena (Helena) e o Gilmar pequeninho e a coragem. Parece que tudo dá certo com fé em Deus. Tava tudo certo.

As festas eram boas também?

Angelina – Dava. Daí nós se peguemos pra pagar esses móveis. Coloquei boneca viva, a Lena e as duas meninas e entrou um bom dinheirinho. Ninguém sabia dessa boneca viva. Todo mundo ajudava a voto e ganhou a minha. Ganhou a Lena e a menina do Tucha e uma do Fabiani que foi embora pra Santa Izabel. Pra ganhar dinheiro e ganhou um bom dinheirinho. Naquele tempo, com cinquenta reais fazia as coisas. Comprava.

Aí ajudou a pagar os móveis?

Angelina – Sim, ajudou a pagar os móveis. O meu cunhado fez bem barato. Também não comprei de primeira.

Era seu cunhado que tinha loja em Curitiba? Quem era ele?

Angelina – O Antenor Suzzin.

Ah, o Antenor era irmão do Mersílio e tinha loja em Curitiba?

Angelina – Sim, tinha. Ele era bem de vida em Curitiba. Ele fez um preço bom de venda. Eu me queixei também, né. E foi indo que foi tudo certo. Só o azar de cair agora.

A senhora vai tá boa pra festa do dia 30?

Angelina – Sim! Essa perna aqui que foi.

Quebrou aqui no joelho?

Angelina – Sim, não dá nem de enxergar mais. Não foi engessado.

E tá lhe doendo? E faz quanto tempo?

Angelina – Nada. Faz um mês segunda. Eu pensei que os padres vinham me visitar, mas eles não são muito de visitar. Padre Paulo era de visitar doente. Ele era muito de visitar famílias.

Ele ia visitar as famílias?

Angelina – Nós pedia pra ele não ficar muito e voltar pra comer. Pegava a bicicleta e ia.

Não tem nenhuma foto do padre Paulo andando de bicicleta, né?

Angelina – Não tenho aqui. Lá embaixo na casa talvez tinha. Acho que eles têm lá na igreja. Naquele tempo era difícil de tirar foto. Nós também viemos meio pobre de Beltrão porque o terrenão que tem as piazada aqui, que nós compramos, eu e o Falecido. Foi sorte segurar o padre aqui. Como Deus me ajudou! Nós viemos com aqueles lotes com os rapaz lá embaixo.

Então o esforço que a senhora fez foi compensado?

Angelina – Olha, quantos mil. O Ita (Itamar), mais novo, bem colocado. Todos estão bem. Tem terrenão lá em Itapejara. Granja, fazenda. O Heitor tá bem também. Todos eles.

Valeu a pena então?

Angelina – Valeu. Deus me ajudou muito. Mas pra mim não foi sofrimento, não era sofrimento. Eu só penso como que fazia pra fazer aquela comidinha com batatinha, com frango, com carne. Naquele tempo era mais fácil. Aquele tempo eu tinha uma disposição que avançava em qualquer coisa em serviço. Tinha trazido bastante frango e galinha de Beltrão, que o Falecido (Mercílio) fez um aviário ali. Não foi fácil. O Falecido, o padre foi visitar o Mattei ali, tinha dois doentes na cama. Eu fui pra casa e falei pro Mercílio “tem dois de cama, uma mulher bem de idade e um homem num quartinho, doente, doente. Acho que são bem pobre. Tu me ajuda a matar três frangos, vamos limpar e vamos levar lá pra aquela família.” Matei, limpei e levei os frangos lá pra eles. Até hoje ela sempre me agradece. Nunca mais esqueceu. Era a mãe dela e o pai dele. A situação que era aqueles anos.

Os padres daquele tempo tinham mais sensibilidade que os de hoje? Visitavam mais os doentes?

Angelina – Visitava. O padre Paulo visitava. Me lembro que uma vez ele foi lá, perto do cemitério, tinha um casal lá. Naquele tempo era católico, praça da Igreja e o São Joaquim, era Joaquim de Matos e estava com câncer, não estava entregue ainda. O padre disse “naquela família tem gente doente. Era bom a senhora também ir visitar” – “Eu vou, padre!” Fui lá também. Depois que ele virou crente. Porque na praça da Igreja ele colocou Joaquim de Matos. Então aí a praça e o São Joaquim.

Ele não era católico?

Angelina – Ele era católico porque ele tinha santo.

Disseram que ele não era católico?

Angelina – Ele era católico. Tinha a filha dela também doente no canto da cama e tinha bastante santos.

A senhora conheceu o Joaquim de Matos?

Angelina – Sim. Conheci e proseei. Eu morava lá embaixo e ele passava lá embaixo e ele sempre dizia “Ô Suzzin, tá boa?” Era bem velho já. Só caminhava de bota e chapéu de palha. Sim, conheci bem. Fui visitar ele. Nossa! Ele pegou uma amizade com a nossa família, com o falecido e os piás mais velhos. 

Mas daí diziam que ele não era católico?

Angelina – Ele era católico.

Porque diziam que quem escolheu o padre Ulrico foi o pai dele, o pai desse Joaquim.

Angelina  – Sim, o pai dele que deu. O Joaquim era filho. Só que era o filho, porque o velho era velho e não cheguei  a conhecer. A velha eu conheci.

A senhora chegou a conhecer o Frei Deodato, de Beltrão, né?

Angelina  – Conheci. Ele vivia lá em casa porque eu tinha um pedaço de chácara, não era nem chácara, era um lote. O falecido João Moacir disse pro Mercílio “pega esse pedaço aqui e pega uma vaca de leite minha, tira leite e vocês se sustentam”. O Frei Deodato vinha soltar cavalo ali pro Altair cuidar, que era um piazinho e o Vilmar cuidar o cavalo do Frei. Ele vinha rezar a missa em Itapejara. Itapejara era o Chá da Gralha. Ele vinha de lá a cavalo até Itapejara. Era muito amigo nosso. Tinha pé de laranja e ele chupava. Me lembro como se fosse agora. Tem a Travessa Frei Deodato. Tem do falecido Júlio Assis.

É, cruza com a Júlio Assis.

Angelina – Porque a gente era pobre. A comida que nunca faltou. Nunca faltou porque o falecido se virava. Depois, eu também trabalhava naquele tempo. Horta, galinha, porco. Nunca deixamos de criar as coisas pra comer.

E a saúde sempre foi boa?

Angelina – Sim, e o falecido também tinha uma saúde de ferro. E trabalhava de empregado.

Fé nunca faltou?

Angelina – Nunca faltou. Mandava as crianças na igreja, no apostolado. Era mais lá em Beltrão do que aqui em Verê que nós ia na Igreja. Porque também era pobre lá, eu me lembro da igrejinha velha lá. E fomos enfrentando e fomos bem. Com fé a gente vence tudo!

Mas que passagens bonitas dona Angelina!

Angelina – Achou? E olha, tudo verdadeiro.

O pessoal de hoje não tem noção disso, né?

Angelina – Não tem. Vamos supor que viesse um padre aqui. Vamos ver quem seguraria um padre dentro de casa, se achava alguma família, bem de vida,  pra segurar um padre como eu segurei. Lavar a roupa.

A senhora lavava a roupa dele?

Angelina – Lavava a roupa! Imagina. A Ivone, naquele tempo, tinha nove ou dez anos, mas olha, ela ajudava bastante. E passou que foi muito feliz. Não podia ter acontecido, pra mim, quanto pobre que ajudei agora depois que tô um pouco melhor de vida e matei a fome. Quanto! Agora, depois que me aposentei, não me pesa pegar 30 ou 40 reais pra dar, se não tem dinheiro pra ir na farmácia e no mercado eu dou um troquinho pra ir lá comprar uns quiloos de qualquer coisa. Sempre tô ajudando. Agora que vou parar porque não posso caminhar.

Essas partes a gente tá sujeito.

Angelina – O doutor me falou que vou caminhar, só que com o andador eu caminho. Já ponho o pé bem no chão.

É questão de tempo que a senhora vai tá pulando de novo.

Angelina – A idade já tá bem alta.

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