Filho de agricultorcooperado que não entendida o “palavreado” dos cooperativistas da época, Assis do Couto interessou-se pelo assunto ainda quando era um jovem agricultor em Santo Antonio do Sudoeste. Acabou vivendo épocas marcantes do cooperativismo do Sudoeste do Paraná. Primeiro com as crises das cooperativas agrícolas, depois o surgimento das cooperativas de crédito que, hoje, ele conclama “que se unam, sejam protagonistas do desenvolvimento nacional”.
Pra você, o que é uma cooperativa?
Assis – Cooperativa é uma sociedade de pessoas que caminham juntas, por objetivos sociais, culturais, econômicos; é a prática da solidariedade. É gente cuidando de gente”. No brasil as cooperativas são constituídas e regidas pela lei 5764 de 1971. São três níveis de cooperativa a) de primeiro grau, são as singulares, constituídas de, no mínimo, 20 pessoas físicas, que buscam fazer juntas o que não dá para fazer sozinhas; b) de segundo grau (federação ou central), constituídas de no mínimo três singulares, pessoas jurídicas, para fazer em comum os serviços que as singulares não conseguem fazer sozinhas; c) de terceiro grau, são confederação que podem unir, no mínimo três federações para dar escala e fazer em comum os serviços mais especializados.

O que é o dia internacional das cooperativas?
Decretado pela ONU, por meio da resolução 47/90, no primeiro sábado do mês de julho é comemorado o dia internacional das cooperativas. Essa comemoração é realizada em todos os países signatários da ONU. Esse ano o tema em discussão é as cooperativas constroem um mundo melhor. De acordo com o secretário-geral da ONU, “o mundo está à beira de um abismo e se movendo na direção errada. Para restaurar a confiança e inspirar esperança, precisamos de cooperação, precisamos de diálogo, precisamos de compreensão”.
Vamos conversar sobre a tua história de vida com as cooperativas. Primeiro fala como você começou?
Em Santo Antônio do Sudoeste foi minha primeira experiencia. Nossa propriedade ficava a uns seis quilômetros dos armazéns da cooperativa agropecuária Sabadi, criada em 1969. Desde os 15/16 anos de idade eu ia com trator e carreta descarregar produtos e carregar insumos. Muitas vezes acompanhei meu pai nas reuniões. Nos anos 80 a cooperativa entrou em dificuldades financeiras. Eu percebia como era difícil para meu pai entender os números, ele dizia “filho, eu não entendo o palavreado deles” (dos dirigentes e dos técnicos da cooperativa). Meu pai era analfabeto. Aprendeu a desenhar o nome no exército; mas trabalhador e honesto e solidário. Gostava de participar da cooperativa.
Por que a cooperativa entrou em dificuldades financeiras?
Na década de 80 e início de 90, a agricultura brasileira passou por uma profunda crise. As cooperativas agropecuárias foram duramente afetadas pela inflação, os planos econômicos Bresser, Cruzado, Collor…
Os agricultores perdiam as terras para os bancos e as cooperativas não conseguiam honrar seus compromissos. No Sudoeste do Paraná, não foi só a Sabadi na fronteira, foram quatro grandes cooperativas para liquidação: Sabadi, na região de Santo Antônio do Sudoeste (microrregião da fronteira); a Comfrabel na microrregião de Francisco Beltrão (que ainda não concluiu a liquidação); a Camdul na microrregião de Dois Vizinhos e a Capeg na microrregião de Pato Branco. Esse foi um duro golpe. Mudou o desenvolvimento do Sudoeste, pois atingiu o coração da economia regional. Diferente do oeste e noroeste do estado que as cooperativas se consolidaram e são responsáveis por significativa parte da economia das regiões. Importante destacar a LAR na microrregião de Medianeira, Coopavel e a Copacol na microrregião de Cascavel, a Coamo na região de Campo Mourão, a Cocamar na região de Maringá. Imagina o Sudoeste com a mesma “sorte” ou “juízo”. Vale a pena estudar o que aconteceu com a nossa região!
Como os agricultores reagiram diante da crise?
Em 1984/ 85 surgiram grandes mobilizações, que se arrastaram por toda a década de 1980 e início de 1990. As comunidades eclesiais de base da igreja católica e os sindicatos de trabalhadores rurais tiveram um papel protagonista em defesa dos agricultores e das cooperativas. Eu era líder da comunidade e dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pranchita. Com a família, colocamos um pequeno fogão a gás, alimentos e algumas roupas para dormir, na carretinha do trator e fomos acampar na frente do Banco do Brasil, passamos semanas. Nesse movimento Conheci Curitiba.
Quais foram os resultados, as conquistas?
Era um período difícil. A transição da ditadura militar para a democracia faltava governo. Havia um vazio. Uma falta de projeto. As mudanças desejadas começaram aparecer no processo constituinte de 1988. Nessa ocasião, eu conheci Brasília. Contudo, as leis complementares e programas efetivos só na década de 1990. O Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) foi criado em 1995; O ReCoop (Programa de Revitalização das Cooperativas) foi criado em 1998. A gente tinha esperança e muita resistência. Tinha certeza de que a semente era boa e o solo estava sendo bem preparado. O crescimento da consciência coletiva, cooperativa e solidária era muito forte. Os movimentos despertaram para a participação política e prepararam lideranças fortes e verdadeiras.
Como foi a resistência durante todos esses anos?
As principais cooperativas não se recuperaram mais. Muitos agricultores também não deram a volta. Nós passamos a orientar os agricultores para se afastar dos bancos. Tinha uma história bem comum na época: uma mulher chorava na frente do banco e perguntaram a ela o que tinha acontecido; ela respondeu “meu marido está enterrado aí dentro do banco”. A Assesoar, criada em 1966 por jovens agricultores com apoio de padres Belgas, foi fundamental na resistência. Desde 1986 fui conselheiro e em 1988 assumi uma função executiva, chegando à presidência. Por conta disso em 1990 passei a residir em Francisco Beltrão. Na Assesoar tinha um departamento sociocultural, inicialmente a serviço direto da ação pastoral da Diocese e depois focado na organização social, sindicato e no associativismo por conta do trauma com as cooperativas. De outro lado, um departamento técnico que trabalhava com os Grupos de Agricultura alternativa com ações focadas em recuperação de solos (laboratório de análise de solos), banco de sementes, pequenas agroindústrias… Aí percebemos que os agricultores estavam descapitalizados e precisava crédito para implantar as iniciativas coletivas e individuais – correção de solo, esterqueiras, pequenas agroindústrias, compra de animais etc. Com ajuda da Igreja Católica e do Ministério da Cooperação da Alemanha, criamos o Fundo de Crédito Rotativo. Lembro ainda que esse fundo iniciou quando Daniel Meurer e depois Delcio Perin eram presidentes da Assesoar. A minha gestão na Assesoar deu continuidade e consolidou o fundo de crédito rotativo.
Como o movimento voltou a organizar as cooperativas?
Em 1993, após a eleição da nova diretoria da Assesoar, no início do ano, meu sucessor na presidência, saudoso Ademir Dalazen, morador no Assentamento Missões em Francisco Beltrão, me procurou com uma proposta do conselho de administração. Queriam que eu coordenasse o departamento técnico como funcionário da entidade. Não recusei, mas disse que ia pensar com a família e retornava pra ele. Após analisar a proposta da Assesoar, decidi fazer uma contraproposta. Disse que aceitaria o trabalho, mas não na coordenação do departamento técnico. E sugeri o desmembramento e a gestão do fundo de credito rotativo e dispusesse de uma sala própria, um veículo que era do projeto e a contratação de uma pessoa para secretariar e cuidar da administração e separar 20% para um fundo de mini projetos assessoramento e organização de projetos. Além disso, sugeri autonomia ao conselho de entidades para tomadas de decisões relativas ao projeto. O presidente Ademir levou ao conselho administrativo da Assesoar e aprovaram a proposta, comoestá registrado em livro ata daquela época. Com isso passei a coordenar o projeto, com objetivo de criar um arranjo institucional e jurídico próprio. Desativamos um dormitório no alojamento da Assesoar para instalar o primeiro escritório e a Ângela Anzelieiro foi contratada para secretária do projeto.
Do fundo de crédito rotativo vocês criaram a Cresol?
Um dos grandes objetivos nosso era transformar pequenos fundos em cooperativas de crédito. O solo estava sendo preparado há anos e a semente era de boa qualidade. Alguns fatores contribuíram para dar certo: a) A União com a região de Guarapuava através do Christophe De Lannoy que fazia um trabalho semelhante com apoio da cooperação Bélga. Após algumas reuniões do Conselho do Fundo Rotativo, ainda em 1993, fizemos o primeiro seminário em Guarapuava com o tema “fundo rotativo e cooperativas de credito”; b) incorporamos pessoas certas na função certa: Ter encontrado seu Valdemiro Chreuch. Depois do seminário de Guarapuava ficamos meio perdidos. Como convidado para um segundo seminário em Francisco Beltrão no início de 1994, o Adriano Michelon e outros que foram sendo incorporados com o tempo. c) As lideranças que formavam o conselho do fundo rotativo e os primeiros sócios fundadores eram experientes e comprometidos, verdadeiros lideres formados na caminhada desde 1984; o papel do conselho do fundo de crédito; d) as parcerias com sindicatos, Emater/IDR, Banco do Brasil, BRDE, BNDES, Mapa/Pronaf – tive a honra de ter assinado todos esses convênios. Até audiência com o presidente FHC realizamos em 1997.
Assim criamos as primeiras cinco cooperativas: Dois vizinhos, Marmeleiro, Laranjeiras do sul, Pinhão e a central em Francisco Beltrão.
Depois da Cresol você ajudou a criar outras cooperativas? Passaram do associativismo para as cooperativas?
Quebramos o tabu e mostramos que os pequenos, os pobres também podem e precisam criar cooperativas. As associações têm limites comerciais e de mercado em geral. A constituição de 1988 criou a liberdade e pluralidade no campo das cooperativas. Isso impulsionou a Unicafes, CLAF, Coopaf e muitas outras. Em 2019, me desafiei a organizar os caminhoneiros autônomos. Ajudei a escrever o projeto Roda Bem e coordenei sua implantação em todo território nacional, organizando cooperativas, criando uma central de compras e implantando pontos de abastecimento e escritórios.
E no Congresso Nacional, como deputado federal, como foi a experiencia?
Primeiro, fui pego de surpresa no final de 2001, com a ideia de ser candidato a deputado federal. Nunca tinha sido candidato a vereador, prefeito, deputado estadual. Eu não tinha militância político partidária. Aceitei o desafio, a missão e fomos vitoriosos. As cooperativas tiveram um papel decisivo em todas as minhas eleições. O primeiro projeto que apresentei, em março de 2003 foi o PLP 66/2003 que dispõe sobre a Política Nacional de Cooperativismo de Crédito, e dá outras providências. Esse projeto era para regulamentar o Art. 192 da constituição federal; ele foi apensado a outo projeto de 1995 e se transformou na Lei complementar 130. Fui Relator da lei 12512/2011 e apresentei o PL 732/2015 para melhorar a participação das cooperativas no Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e alimentação escolar PNAE. Apresentei um projeto de lei para garantir, no mínimo, 30% dos carregamentos da Conab pelas cooperativas de transporte dos caminhoneiros autônomos. No executivo, conquistamos o status da Cresol como Agente financeiro do BNDES e o repasse de custeio agrícola e pecuário pelo BNDES as cooperativas de crédito.
Quais as frustrações que você teve do governo em relação as cooperativas?
Primeiro, a criação do chamado Banco Popular do Brasil em 2003 sem a participação das cooperativas de crédito, uma oportunidade perdida. Nem fomos chamados para conversar. O Banco Popular do Brasil deu enormes prejuízos e foi liquidado. Segundo, o BNDES-PAR atender apenas grandes projetos, os “campeões mundiais”. Terceiro, por força de técnicos e assessores da Fazenda e Casa Civil, não ter incluído na lei 12512 dispositivo mais claro que pudesse evitar a injustiça, o crime cometida contra dirigentes e assessores da Conab e das cooperativas na chamada “operação agro fantasma”.
O que você espera das cooperativas e do novo governo?
Primeiro, diante do senário econômico nacional de inflação, desemprego e insegurança alimentar; dos efeitos danosos na economia e na saúde humana causados pela pandemia do coronavírus e dos reflexos da guerra na Ucrânia, o Brasil pode se tornar uma terra arrasada. Nosso cenário se parece com os pós-Segundo Guerra na Europa ocidental. Lá, as cooperativas tiveram papel decisivo na reconstrução. Espero que as cooperativas não se omitam dessa nobre missão de reconstrução da nossa pátria. Segundo, espero que o novo governo seja de reconstrução nacional, fortaleça o terceiro setor, incluindo as cooperativas como organizações de alto interesse público. Terceiro, que as cooperativas de crédito se unam, sejam protagonistas do desenvolvimento nacional; que pratiquem mais intercooperação e menos concorrência; mais foco na produção e no desenvolvimento e menos apego ao mercado financeiro; que sejam, mais gente cuidando de gente.