
Por Niomar Pereira – Pressionados pelo setor empresarial, que enfrenta dificuldades para preencher vagas de trabalho, os municípios do Sudoeste do Paraná definiram como meta reduzir em pelo menos 20% o número de beneficiários de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. A proposta foi anunciada recentemente pelo presidente da Associação dos Municípios do Sudoeste do Paraná (Amsop) e prefeito de São João, Clóvis Cuccolotto, em reunião com representantes da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), e já está sendo debatida entre as administrações municipais.
Segundo Cuccolotto, há um crescimento populacional significativo na região, mas, ainda assim, a falta de mão de obra persiste. “Entre os censos de 2010 e 2022, o Estado cresceu 9,59% e o Sudoeste 12,5%. Se pegar a estimativa populacional de 2022 a 2025, o Estado cresceu 3,43% e o Sudoeste 4,93%. Então, nós temos um crescimento populacional, temos 693 mil habitantes e, mesmo assim, temos falta de mão de obra.”
Para o prefeito, os programas sociais precisam ser revistos. “Eles foram criados há 22, 23 anos. Num primeiro momento atenderam o objetivo, mas nesse segundo momento não estão atingindo. Temos, entre 18 e 49 anos de idade, 44% da população que poderia estar trabalhando, mas está no Bolsa Família. No Sudoeste são mais de 80 mil pessoas no programa”, pontua. E acrescenta: “É muito mais cômodo você ficar com Bolsa Família do que ir para o mercado de trabalho”.
A proposta da Amsop é revisar os cadastros e buscar a reinserção dessas pessoas no mercado. “Chamamos todas as secretarias de assistência social dos municípios e as secretarias de indústria e comércio para discutir como fazer essa revisão do Bolsa Família, para tentar inserir essas pessoas no mercado de trabalho. Trocar o Bolsa Família por emprego, onde vai ter 13º salário, garantia do INSS, vale alimentação e um salário”, afirma Cuccolotto. “Hoje o Bolsa Família é autodeclaratório e não tem uma fiscalização mais rigorosa. Com certeza várias e várias pessoas perderão o benefício, porque como justificar uma pessoa ter um carro de R$ 70 mil, R$ 80 mil, ou ter 20, 30 vacas de leite e estar no Bolsa Família?”
Recursos para fiscalização não estão sendo usados

A proposta da Amsop recebeu algumas considerações da chefe do Núcleo Regional da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Social e Família e conselheira do Conselho Estadual de Assistência Social (Ceas), Nádia Bonatto. Ela destaca que os próprios municípios são responsáveis pela gestão do Cadastro Único e do Bolsa Família — e que já recebem recursos federais para ações de fiscalização e atualização cadastral. Inclusive, estão negligenciando estes recursos.
Nádia relata que desde 2023 está em vigor o Programa de Fortalecimento Emergencial do Atendimento do Cadastro Único (Procad-Suas), criado justamente para corrigir distorções causadas, principalmente, pelo acesso facilitado aos benefícios. “Durante a pandemia de Covid-19, a descentralização dos cadastros de beneficiários permitiu que muitas pessoas acessassem indevidamente benefícios. Para corrigir isso, foi instituído o Procad-Suas.”
Ela reforça que o programa disponibiliza recursos para contratação de entrevistadores, motoristas, aquisição de equipamentos, locação de veículos e materiais para visitas técnicas, além do fortalecimento das ações de acompanhamento socioassistencial. “É essencial que os municípios utilizem adequadamente os recursos disponíveis, assegurando a execução das ações previstas para aprimorar o atendimento, verificar quem não atende aos critérios e garantir que os benefícios cheguem a quem realmente precisa.”
Um levantamento do próprio Núcleo Regional mostra que, dos 42 municípios do Sudoeste, apenas sete estavam aptos a receber nova parcela do Procad-Suas em 2024. Os demais perderam recursos por não utilizarem. Ao todo, R$ 420 mil deixaram de ser creditados e R$ 151 mil seguem parados nas contas municipais desde março de 2023. Além disso, no âmbito do Índice de Gestão Descentralizada do Programa Bolsa Família (IGD-BF), utilizado como base para o repasse de recursos mensais aos municípios, 33 cidades da região têm mais de seis parcelas acumuladas. Alguns sofreram reduções de até 90% no valor recebido. “Tem vários municípios recebendo apenas R$ 320 por mês, quando poderiam receber R$ 3.200”, exemplifica Nádia.
Mais de R$ 2,5 milhões parados
Somando os valores não utilizados, em fevereiro de 2025 os municípios do Sudoeste acumulavam mais de R$ 2,5 milhões em recursos dos programas Procad-Suas e IGD-BF parados. “Ou seja, o que poderia ser um recurso para o fortalecimento da política de assistência social está, na prática, parado, sem gerar impacto. E ainda mais preocupante, essa retenção já resultou em perdas próximas de R$ 500 mil”, alerta. Nádia foi enfática ao afirmar que a responsabilidade pela gestão dos programas sociais é dos próprios municípios. “Quando os prefeitos fazem esse tipo de crítica, na verdade estão apontando para algo que também é responsabilidade dos próprios municípios. Afinal, são eles que têm o papel de aplicar os recursos que receberam, fazer as contratações necessárias e acompanhar de perto esse processo”, frisa. “Eu conversei com o diretor da Amsop, deixei um ofício com essas orientações, inclusive mencionando que, dos 42 municípios, apenas sete receberam a segunda parcela por terem cumprido as exigências. Os outros não executaram.”
Inserção no mercado de trabalho
Nádia Bonatto ainda criticou a proposta de metas (reduzir em 20%) sem diagnóstico adequado. “Eu não considero que este seja o caminho, pois estabelecer estas metas não garantirá efetividade. Primeiramente é fundamental assegurar que os serviços da política de Assistência Social oferecidos no município não apenas atendam às necessidades imediatas, mas também promovam a autonomia e o fortalecimento das capacidades das famílias dando a elas subsídios para que possam superar as vulnerabilidades e alcançar maior independência.” Como exemplo positivo, Nádia cita Francisco Beltrão, que reduziu o número de beneficiários do Bolsa Família de 3.097 em 2023 para 2.349 em fevereiro de 2025, após reestruturar seus serviços socioassistenciais. “A inserção desses usuários no mercado de trabalho constitui um processo gradual, de médio e longo prazo, fundamentado no acompanhamento contínuo das famílias e na implementação de políticas públicas transformadoras. Tais medidas não apenas fortalecem sua autonomia financeira, mas também promovem a dignidade e a cidadania plena, consolidando um ciclo virtuoso de desenvolvimento social”, entende.
Ela ressalta que o Núcleo Regional de Francisco Beltrão, da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Social e Família, está realizando visitas técnicas nas secretarias municipais de Assistência Social, com o objetivo de diagnosticar a realidade local no que se refere à gestão dos recursos, à organização e à execução dos serviços socioassistenciais, analisando a estrutura disponível e a equipe técnica. “A partir desse diagnóstico, estamos identificando as demandas e necessidades que possam ser atendidas por meio de apoio técnico, capacitações e estratégias de aprimoramento da gestão e da oferta dos serviços, buscando fortalecer a política de Assistência Social nos municípios, assegurando a correta aplicação dos recursos e a consequente ampliação e qualificação dos serviços, garantindo maior efetividade”, finaliza Nádia.