Entrevista com Lethicia Sokoloski, mestre em Medicina Translacional e gestora da Vaccine Clínica de Vacinas.

Com o Brasil enfrentando uma das maiores epidemias de dengue da história, a vacinação se torna uma ferramenta essencial para proteger vidas. Para entender melhor a importância da vacina contra a dengue e as medidas de prevenção, conversamos com Lethicia Sokoloski, mestre em Medicina Translacional pela Unifesp e responsável técnica da Vaccine Clínica de Vacinas, em Francisco Beltrão.
A dengue voltou a ser um problema de grandes proporções no Brasil. Como você avalia o atual cenário?
Lethicia Sokoloski – Infelizmente, estamos enfrentando uma das maiores epidemias de dengue da história do país. Em 2024, passamos de 1,2 milhão de casos prováveis, com centenas de mortes confirmadas. É uma situação crítica, que exige uma resposta rápida da população, das autoridades e, principalmente, a adesão à vacinação.

A vacina contra a dengue está disponível. Ela é realmente eficaz?
Sim. A vacina QDenga® é segura, eficaz e amplamente testada. Foi submetida a um estudo internacional com mais de 28 mil participantes em 10 países endêmicos, incluindo o Brasil. Os resultados mostraram uma eficácia geral de 80,2% no período de 12 meses, a partir de 30 dias após a segunda dose. Além disso, apresentou 90,4% de eficácia na redução dos riscos de formas graves da doença e 84,1% na prevenção de casos que exigem hospitalização. Contra os sorotipos mais prevalentes atualmente, a eficácia chega a 95% contra o DENV-2 e 70% contra o DENV-1.
Mesmo assim, muitos não estão completando o esquema vacinal. O que isso representa?
É um grande risco. Em 2024, o Ministério da Saúde distribuiu 6,5 milhões de doses, mas apenas 3,3 milhões foram aplicadas. Entre adolescentes, cerca de 1,3 milhão de jovens iniciaram a vacinação, mas não retornaram para a segunda dose. A proteção total só é garantida com as duas doses, com intervalo de três meses. Interromper o esquema vacinal compromete toda a estratégia de prevenção.
A vacina pode ser tomada por qualquer pessoa?
Ela é indicada para pessoas de 4 a 60 anos, inclusive para quem já teve dengue. Inclusive, quem já foi infectado costuma ter uma resposta imune ainda melhor à vacina. O ideal é aguardar cerca de seis meses após a infecção para iniciar a vacinação. A vacina é contraindicada apenas para gestantes, mulheres que estão amamentando e pessoas imunodeprimidas. Acima dos 60 anos, a aplicação pode ser feita com orientação médica, como uso “off label”, já aprovado por agências internacionais como a EMA [Agência Europeia de Medicamentos].
Por que a dengue é considerada uma ameaça global?
Porque metade da população mundial está em risco. Um estudo recente estima que 3,9 bilhões de pessoas em mais de 125 países podem ser infectadas. A dengue é hoje a doença transmitida por vetor que mais cresce no mundo. Só nas Américas, passamos de 1,5 milhão de casos na década de 1980 para mais de 16 milhões entre 2010 e 2019.
O que torna o combate à dengue tão difícil?
Diversos fatores. O mosquito Aedes aegypti se adapta facilmente a novos ambientes e climas, e as mudanças climáticas têm favorecido sua proliferação. Além disso, o comportamento humano, como deixar água parada em recipientes abertos, contribui diretamente para o aumento dos focos. E temos ainda a circulação de quatro sorotipos do vírus (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4) — o que significa que uma pessoa pode ter dengue até quatro vezes, com risco maior de complicações nas infecções secundárias.
Quais os sintomas mais comuns da doença?
Na forma clássica, a dengue causa febre alta, dor de cabeça, dores no corpo e manchas vermelhas na pele. A dengue não costuma apresentar sintomas respiratórios. Já na forma grave, ou dengue hemorrágica, pode haver sangramentos, queda de pressão e risco de morte. Por isso, é fundamental buscar atendimento médico aos primeiros sinais.
A vacina oferece proteção já na primeira dose?
Sim. Após 30 dias da primeira aplicação, já é observada eficácia de cerca de 81%. Mas reforço que a proteção duradoura só é garantida com as duas doses. O esquema vacinal precisa ser seguido corretamente para garantir a imunidade ideal.
O que mais pode ser feito para evitar a dengue?
Além da vacinação, é fundamental eliminar criadouros do mosquito, como vasos com água, pneus, calhas entupidas e recipientes abertos. A prevenção é responsabilidade de todos. Com o vírus circulando de forma intensa e ampla, e os sistemas de saúde sobrecarregados, cada atitude preventiva conta.