Médica alergologista e imunologista pediátrica, Luciane Martignoni comenta os impactos do novo coronavírus em crianças.

A forma como a Covid-19 se manifesta em crianças ainda é estudada por especialistas. De acordo com a médica pediatra, alergologista e imunologista Luciane Martignoni, o que se sabe é que é a doença, na sua forma grave, atinge de maneira desproporcional as faixas etárias, além de apresentar, em alguns casos, sintomas menos graves em crianças. “Mas não podemos subestimar os riscos”, frisa Luciane. “Por isso não devemos relaxar nos cuidados. Não é uma doença só de idosos. As estatísticas ainda são muito pobres porque é uma doença nova. O que sabemos é que o isolamento das crianças que estavam em férias pode ter subestimado esses dados.”
Nas idades iniciais, o novo coronavírus aparece com sintomas de infecção de vias aéreas superiores, incluindo febre, cansaço, mialgia, tosse, dor de garganta, coriza, espirros e falta de ar. Em outras, os sintomas vêm acompanhados de dor abdominal e diarreia. Aprender a identificar os sinais, conversar com as crianças, acalmá-las e reforçar as medidas de isolamento e de higiene são formas de protegê-las. Nesta entrevista, Luciane desmistifica a forma como a doença se manifesta e dá dicas para manter as crianças seguras durante a quarentena. “Proteja seu bem mais precioso em casa”, reforça a especialista.
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JdeB – Por que as crianças são menos suscetíveis ao novo coronavírus?
Luciane Martignoni – Um estudo publicado no início de março de 2020 sugere que as crianças são tão propensas a se infectarem quanto os adultos. Como a maioria das crianças infectadas não apresenta sintomas ou os sintomas são menos graves, os testes diagnósticos não são realizados em muitos casos, fazendo com que o número real de crianças infectadas seja subestimado. Outra hipótese é o fato de a pandemia ter chegado em um momento de férias escolares na China e a não retomada das aulas tenha poupado as crianças. De qualquer forma, há uma constatação de que o curso da doença em crianças dificilmente evolui para complicações severas. O acometimento de forma grave é desproporcional ao de outras faixas etárias, fenômeno diferente de tudo o que conhecíamos, já que os vírus respiratórios costumam afetar as faixas etárias extremas, por causa do sistema imunológico imaturo. Mas vale termos atenção às crianças com menos de 5 anos e as com condições como deficiência imunológica, transplantadas, em tratamento para neoplasias, problemas cardiológicos graves, respiratórios crônicos, a exemplo da fibrose cística e asma. Por isso a importância da correta manutenção do tratamento das doenças de base e o isolamento social.
Crianças assintomáticas podem transmitir a doença?
Sim, e, inclusive, por um período maior. Pacientes no período de incubação também podem transmitir o vírus. O modo de transmissão é de pessoa a pessoa, por meio de gotículas respiratórias (tosse, espirro, falar alto) ou contato próximo (contato das mãos contaminadas com a boca, nariz ou conjuntiva ocular). O período de incubação varia de 1 a 14 dias (média de 5 dias); 95% dos pacientes apresentam sintomas 12,5 dias após o contágio. A partir desses dados, sugeriu-se o período de observação clínica ou quarentena de 14 dias para as pessoas, aí a importância de afastá-las dos idosos nesse momento de isolamento social.
Quais são os sintomas nas crianças?
Os sintomas são os comuns de uma síndrome gripal, como febre, tosse, congestão nasal, coriza, dor de garganta, mas também podem ocorrer aumento da frequência respiratória, sibilos (chiado) e pneumonia. Os sintomas gastrointestinais como vômitos e diarreia podem ocorrer, sendo mais comuns em crianças do que em adultos. Na série mencionada anteriormente, de 731 crianças com infecção comprovada na China, 94 (12,9%) eram assintomáticas e 315 (43,1%) apresentavam sintomas leves. Entretanto, em 300 crianças (41,0%) as manifestações foram moderadas e em 18 (2,5%), graves.
Como agir com os filhos durante o isolamento?
O confinamento pode induzir ao estresse tóxico. Isso pode acarretar várias consequências a curto prazo, como transtornos do sono, irritabilidade, piora da imunidade e medos; a médio e longo prazo, maior prevalência de atrasos no desenvolvimento, transtorno de ansiedade, depressão, queda no rendimento escolar e estilo de vida pouco saudável na vida adulta. Por isso a importância do diálogo e procurar manter uma rotina e atividades que facilitarão esses “longos dias”, lembrando que quintais de casa estão liberados e a descida às áreas comuns de prédios e condomínios, se não houver outras pessoas além dos moradores da casa e se os cuidados com higienização forem devidamente tomados, também.
Mães infectadas com o Sars-Cov-2 devem amamentar?
Aleitamento materno deve ser preservado, pois até o momento não há evidências de transmissão através do leite materno. Mães com sintomas respiratórios e aquelas com infecção confirmada devem reforçar a higienização de mãos antes e após amamentarem, além de usar máscara cirúrgica durante a amamentação.
Gestantes infectadas com o Sars-Cov-2 podem passar o vírus para o feto?
Não, estudos demonstram que não há transmissão transplacentária.
Conversando com crianças sobre o SARS-CoV-2
• Orientar a não acreditar em tudo que ouvem ou recebem pelas redes sociais. Filtrar as informações e conversar com as crianças de uma maneira que elas possam entender;
• Tranquilizá-las;
• Lembrar que os pesquisadores e médicos estão aprendendo o máximo que podem e o mais rápido possível sobre o vírus e estão tomando medidas para manter todos em segurança;
• É um ótimo momento para lembrar às crianças o que elas podem fazer para ajudar, adotando as medidas de prevenção citadas anteriormente;
• Prestar atenção aos sinais de ansiedade. As crianças podem não ter palavras para expressar sua preocupação, mas você pode ver sinais disso;
• Manter a segurança e tentar manter suas rotinas normais;
• Monitorar a mídia, mantendo as crianças afastadas de imagens assustadoras que possam ver na TV, rede social, computadores etc.;
• Conversar sobre o que estão ouvindo no noticiário e corrigir qualquer informação incorreta ou boato;
• Ser um bom exemplo para as crianças.