Atualmente morando em Ann Arbor, nos Estados Unidos, o médico beltronense se tornou uma referência internacional na pesquisa de medicamentos que possam combater o coronavírus.

Domingo passado, Francisco Beltrão parou para assistir ao Dossiê Pandemia da CNN, com a participação do médico nefrologista beltronense Roberto Pécoits Filho. Ele falou sobre as pesquisas dos medicamentos que podem ajudar a amenizar os sintomas do coronvaírus e comentou sobre os prós e contras da cloroquina e do annita e também sobre os estudos avançados do remdesivir, um antiviral que já foi aprovado pela FDA (agência americana que regula medicamentos), para o uso emergencial em pacientes com Covid-19.
O JdeB entrou em contato com Roberto Pécoits Filho e fez uma entrevista muito interessante sobre o tema:
JdeB – Como estão os estudos voltados à cura do coronavírus?
Roberto Pécoits Filho – O mundo inteiro está voltado para estratégias para lidar com a crise. Falar em cura é um pouco longe da nossa realidade hoje. Uma das características do que estamos passando agora é que algumas gerações de médicos não tiveram uma experiência parecida com o que estamos passando agora. A medicina, a ciência, a pesquisa clínica, as pessoas envolvidas no desenvolvimento de vacinas e medicações, todos estão aprendendo ao longo das semanas. É algo sem precedentes, na minha carreira de médico e pesquisador, nunca me deparei com uma situação em que a gente tivesse que aprender tão rapidamente sobre uma coisa tão nova.
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JdeB – Cloroquina, annita ou remdesivir? Qual medicamento está mais avançado nos testes clínicos?
Cloroquina, annita e remdesivir são as medicações que têm mais interesse da classe científica e da classe médica em entender melhor os efeitos, mas a gente sabe também que tem dezenas de outras em teste. E uma das características do momento que a gente passa é esse: existe um interesse muito grande em tentar converter ideias boas de tratamento em comprovação de eficácia e segurança, até pra que possa ser aprovado para o uso clínico. Temos o uso de algumas drogas por já estarem no mercado pra outras indicações, como é o caso do annita, que é usado em doenças gastrointestinais. Também a cloroquina, pra doenças autoimunes e também pra malária, que há muitos anos está no mercado. São drogas que simplesmente estão buscando uma nova indicação. Mas os estudos, tanto de annita quanto de cloroquina, estão em andamento, a gente não consegue ter uma avaliação robusta da eficácia da segurança dessas medicações. Annita é um medicamento que tem poucas preocupações no ponto de vista de efeitos adversos, porque é uma droga praticamente inócua. A dúvida é se ela vai ser eficiente, o que ninguém sabe. A cloroquina já tem um perfil, principalmente pra risco cardiovascular, mais complicado. Por isso que se tem prestado muita a atenção na necessidade de comprovação de eficácia e segurança antes que isso possa ser adotado na prática clínica. A medicação que realmente tem hoje aprovação pra uso clínico, ao menos nos Estados Unidos, é o remdesivir, que hoje é o que está em teste mais avançado. Isso não quer dizer que os outros não vão comprovar eficiência, mas vão precisar de um pouco mais de tempo para verificar os resultados. Os resultados mais robustos que temos até agora e que levaram à aprovação do FDA é o remdesivir, testado pra uso clínico desde 2012, mas pra outras indicações, foi testado pra HIV e pra epidemia do ebola.
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JdeB – Quais as sequelas do Covid-19 para os rins depois da alta do paciente do?
O Covid-19 tem um efeito em vários órgãos do corpo humano. Se fala muito em complicações respiratórias, pelo fato dos sintomas iniciais serem relacionados à respiração, mas a gente está vendo explodir outras manifestações clínicas de comprometimento de outros órgãos. Uma delas, que é pouco falada, é o comprometimento renal. Sabemos que, dos pacientes que têm doença grave em hospitais, nos relatos até agora, mais ou menos 20% desenvolvem uma insuficiência da função renal, ou seja, o comprometimento renal desses pacientes acontece em um em cada cinco. E esse comprometimento às vezes é grave, levando a uma falência renal, com necessidade de diálise, por exemplo. Aqui nos Estados Unidos, em vários hospitais, pelo menos nas últimas semanas, uma das crises maiores na falta de suprimentos de material pra tratar pacientes tem sido em soluções de diálise. Fala-se muito em ventiladores, mas a crise tem afetado muito os insumos usados pra diálise, e isso é uma preocupação bastante grande no tratamento de doenças renais.
Como devem ser as complicações a longo prazo?
As complicações a longo prazo são pouco conhecidas, é muito pouco tempo, mas a gente sabe que muitos pacientes desenvolvem essa insuficiência renal mais abrupta, que acontece dentro do hospital, ao longo do tempo tendem a perder a função renal no futuro, mas a gente vai demorar anos de observação pra entender as manifestações crônicas.
JdeB – Faça um comparativo entre o Brasil e os Estados Unidos em relação ao coronavírus…
Estamos passando na medicina um momento muito interessante. Sei que em Francisco Beltrão o número de casos é muito pequeno, mas o impacto que a pandemia trouxe pro ambiente hospitalar nos Estados Unidos é uma coisa brutal. Todos os departamentos do hospital tiveram que mudar a sua rotina. E uma das coisas que aconteceu muito claramente é a parada completa dos atendimentos eletivos, que não são emergência, para que os médicos e enfermeiros possam se reposicionar para tratar da crise dentro dos hospitais. O que acontece, na verdade, é que esses atendimentos de consultas, que não são emergência, paramos de ver nos últimos tempos. Quando vamos conseguir ver as complicações crônicas aparecendo? É quando as coisas voltarem ao normal. Porque no momento a maior parte dos departamentos e especializadas médicas não estão vendo os pacientes que estão em casa.
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JdeB – É possível fazer projeção para o futuro?
Na área de modelagem, de como as coisas vão se comportar no futuro, estamos aprendendo muito. Existiram vários modelos sendo aplicados pra tentar entender as curvas de crescimento, estabilização e decréscimo da curva. E esses modelos foram mudando ao longo do tempo. Os modelos aplicados no começo da pandemia não acertaram. No começo, falou-se em dez milhões de infectados nos Estados Unidos, agora estamos vendo pouco mais de um milhão e meio de casos e a curva está começando a diminuir. E a gente claramente nota que as coisas estão melhores por aqui. No Brasil as coisas são um pouco diferentes. No começo de março, eu estava no Brasil, fui visitar os familiares e também algumas atividades clínicas na universidade. Na minha ida, no começo de março, foi o momento em que as coisas começaram. No começo, estava tudo muito lento no Brasil e eu voltei pros Estados Unidos lá pelo dia 7 de março, aqui já estava tudo parado, os números estourando. A minha impressão é que o Brasil está mais ou menos duas semanas atrás da situação americana. E a situação nos Estados Unidos duas semanas atrás era muito diferente do que está hoje no número de casos. Então o Brasil está atrás dos números dos Estados Unidos que, por sua vez, está atrás dos números na Europa. A segunda coisa é que se faz poucos testes no Brasil, é muito menor do que em outros lugares. Se você não testa, não faz diagnóstico, principalmente os casos que não têm muitos sintomas. Em outros países, com mais testes, os números são maiores. Mas tem outra coisa, o Brasil faz coisas que aqui nos Estados Unidos a gente não vê. No Estado de Michigam, por exemplo, tem uma governadora que tem sido um pulso forte na ideia do isolamento, ou seja, foi uma das primeiras que decretou as medidas de lockdown, no começo de março, e ainda não abriu. Já estamos indo pra oito semanas nessa situação no Estado, os números começam a cair, mas não existe nenhuma perspectiva de abertura nas próximas duas semanas. Já no Brasil, a não ser nas áreas de maior foco, tem um relaxamento maior.
JdeB – Será que a vida vai voltar ao normal um dia?
Tem gente que acha que as coisas não vão voltar tudo ao normal, como era antes. Eu acredito que muita coisa vai mudar. A vida com essa nova realidade nos mostrou uma série de coisas que vão impactar o dia a dia das pessoas. Acho que as pessoas vão trabalhar de forma diferente no futuro, vão viajar menos, tanto pra negócios como pra turismo, e eu acho que vão se preocupar mais com higiene, alguns cuidados, como lavar as mãos frequentemente, um certo distanciamento, algo que pode ser incorporado na vida das pessoas. Acho que o grande impacto na volta é a economia, o outro lado da história. Aqui nos Estados Unidos já se fala em 25 milhões de desempregados, algo inédito na história do país. Como vão ficar os negócios após a pandemia? É uma grande discussão sobre manter ou não o isolamento social, tudo isso só a repercussão econômica vai vir com o tempo.