Saúde

Estudos sugerem que uma pessoa infectada com o novo coronavírus é capaz de infectar outras três. Essas três, rapidamente contaminarão outras nove e, as nove, 27. É essa projeção que tem desafiado e preocupado cientistas e médicos desde o início do ano, quando se descobriu um novo inimigo invisível: a Covid-19. Em termos comparativos, a influenza A H1N1, que causou a pandemia de 2009, tinha capacidade de contágio de um para 1,5. Ou seja: uma pessoa contaminada poderia levar o vírus para 1,5 pessoa. A diferença é que influenza A H1N1 tem vacina, a Covid-19, não.
Segundo o médico infectologista Valdir Spada Junior, da Policlínica São Vicente de Paula, que desde o início da pandemia atua na retaguarda dos atendimentos, a única forma que tem se mostrado eficaz nesse combate ainda é o isolamento social, embora ainda se questione até quando ele será necessário: “O isolamento social funciona como uma barreira de disseminação da doença. Se um sujeito está infectado e fica em casa, sem interagir com outros, ele não passa a Covid-19. Por outro lado, quem está saudável e permanece fechado em seu lar, não corre o risco de pegar a doença”.
Nesta entrevista ao Jornal de Beltrão (JdeB), Junior esclarece de que forma a doença se comporta e porque é necessário seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para evitar sobrecarga nos hospitais e óbitos. Ele ainda faz uma projeção hipotética para Beltrão, alertando para o colapso no Sistema Único de Saúde (SUS) caso 10% da população se infecte.
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Como infectologista, quando foi que começou a receber informações sobre o coronavírus e como foi aprender a lidar com a nova doença? Ela se assemelha em algo com outra doença que pudesse dar um sinal de como tratá-la?
Valdir Spada Junior: Hoje em dia, em um mundo de informações fáceis, uma notícia de uma doença causada por um vírus novo se espalha rapidamente. Logo no começo do ano já começava a circular em grupos de WhatsApp de infectologistas sobre essa nova doença. No começo sem grandes repercussões, apenas os relatos dos primeiros casos. Após, comecei a ver em alguns noticiários e mídias sociais e então a preocupação começou a aumentar no meio médico, à medida que foi se conhecendo melhor como a doença funcionava e a rapidez que se espalhava. Logicamente que a situação que mais se assemelha ao que vivemos hoje foi a pandemia da influenza A H1N1 de 2009. Muitas decisões desta atual pandemia foram tomadas se baseando naquela de 2009. A maior diferença é que esta é causada por um vírus onde toda a população é susceptível de adoecer, naquela de 2009 não, algumas pessoas especialmente os idosos já possuíam anticorpos contra a influenza A H1N1 além da vacina ter se desenvolvido rapidamente e já existir um tratamento disponível.
Especialistas já falaram que ela tem uma capacidade de contágio altíssima. De que forma acontece isso e por quê?
Uma maneira de se fazer isso é contar quantos casos novos de infecção se originaram, em média, a partir de uma pessoa já infectada. Isso se chama capacidade de contágio e é calculada com base em modelos matemáticos que projetam como uma doença vai se comportar em uma população, ou seja, como vai se espalhar. A capacidade do H1N1 é entre 1 e 1,5, logo cada pessoa irá contaminar 1,5 pessoa, duas pessoas irão contaminar outras três. O sarampo tem uma capacidade de contágio altíssima e até bem pouco tempo atrás era ele o foco das atenções. Cada pessoa com sarampo pode infectar outras 15. A covid-19 tem uma taxa de contágio entre 3 a 4. A maior diferença é que as doenças que citei têm vacina, a Covid-19 não.
Como o vírus se comporta no corpo?
A partir do contágio, a doença vai ter uma evolução leve em 80% dos casos. Os sintomas são de um resfriado comum como tosse geralmente seca, dor no corpo, coriza, dor de garganta. Os dados mostram que em 15% das pessoas esses sintomas se tornam mais fortes com necessidade de internação hospitalar e que 5% serão casos graves, com necessidade de internação em leitos de UTI.
De que forma o isolamento social afeta a evolução da doença? Em vista de que muitas pessoas são diagnosticadas com a Covid-19, mas não vão a óbito.
O isolamento social funciona como uma barreira de disseminação da doença. Se um sujeito está infectado e fica em casa, sem interagir com outros, ele não passa a Covid-19. Por outro lado, quem está saudável e permanece fechado em seu lar, não corre o risco de pegar a doença. Existe o questionamento de que estaríamos transferindo o problema para um ponto no futuro, já que as pessoas continuariam susceptíveis depois que o isolamento social terminasse. Mais recentemente surgiram alguns estudos de que uma outra abordagem seria o isolamento total apenas das pessoas de risco, liberando os demais que teriam uma grande probabilidade de ter a doença de forma leve. O fato é que essas abordagens nunca foram colocadas em prática em uma escala mundial antes e temos conhecimento apenas teórico de como as coisas podem se comportar.
Existe algum período ou condição em que a pessoa está mais suscetível a contrair o vírus?
Não existe um período. Estamos vendo a doença tanto em lugares que estão em épocas frias quanto para nós que estamos no verão. O que se sabe é que períodos frios favorecem a aglomeração em ambientes mais fechados, logo, maior transmissão. Todos somos suscetíveis, pois é um vírus completamente novo, apesar de já termos tido outros surtos por outros coronavírus no passado. O que existe são grupos em que a doença se comporta de uma forma mais agressiva que são os idosos, pessoas com algumas doenças crônicas e com problema de imunidade.
Por que a não identificação da fonte de transmissão preocupa? O chamado contágio comunitário.
Quando não se tem uma doença no país é possível se tomar medidas para que a doença não chegue. Quando se identifica algum caso, as medidas serão para que a doença não se espalhe para a população, mantendo a doença controlada. A transmissão comunitária preocupa porque é a fase da epidemia onde não se consegue mais identificar o foco da infecção, de onde a infecção veio, para que se possa tomar as medidas de contenção e bloqueio.
Cloroquina, vitamina C, Ibuprofeno, lavar as mãos com água e sabão, lavar as mãos com vinagre, álcool em gel, trocar as roupas ao chegar em casa, tomar um chá… o que é eficaz e o que é mito?
A informação está bastante disseminada. Água e sabão, álcool em gel e a famosa etiqueta da tosse são as medidas mais simples que qualquer um pode tomar para fazer sua parte. Já vi muita besteira na internet. A lavagem das mãos com água e sabão só vai ser efetiva se realizada por 40 a 60 segundos, lavando toda a superfície das mãos. Geralmente vemos as pessoas molhando as mãos e dando aquela esfregadinha rápida com sabonete que mal pega a palma das mãos, dessa forma não funciona como deveria. Inventar fórmulas de álcool gel não pode de forma alguma, pois não será efetivo e vai ter a falsa impressão de que está protegida quando não estará. Quanto aos tratamentos para a Covid-19, temos algumas opções que estão sendo testadas. Todas as opções são experiências de outros lugares com bastante casos. A mais promissora neste momento é a hidroxicloroquina, porém ainda precisando de maiores estudos. Nos locais que trabalho estabelecemos a hidroxicloroquina associada a azitromicina para o tratamento dos casos graves.